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Opinião: minha maior dor é perceber que Vini Jr está sozinho

Gostaria de mais uma vez exaltar a genialidade deste jogador. Mas a verdade é que não posso. Não hoje

22/05/2023 16:20 / atualizado em 22/05/2023 16:41
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Casos de racismo tem sido recorrentes com Vini Jr na Europa
foto: Vicente Vidal Fernandez/SOPA Images/Sipa USA

Casos de racismo tem sido recorrentes com Vini Jr na Europa

 

Sempre que precisamos falar de Vini Jr, um comentário é unânime aqui na redação: ele é o melhor jogador brasileiro em atividade. Ou então falamos sobre o enorme e contagiante sorriso que não sai de sua boca.

Hoje, por exemplo, eu gostaria muito de poder vir aqui e exaltar as diversas conquistas de Vini Jr em sua ainda curta carreira. Um jovem preto, nascido em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, que surgiu no Flamengo e aos 22 anos já é o principal jogador do maior e mais vencedor clube da história do futebol mundial, o Real Madrid. Líder de gols e assistência de um time recheado de craques.

 

+ 'Angustiado': como foi o dia seguinte de Vini Jr depois do caso de racismo 

 

Em 2022, tornou-se o quinto jogador mais jovem a marcar na final da maior competição de clubes do mundo, a Champions League, além de campeão do torneio. Duas vezes campeão mundial com o time espanhol, campeão de torneio de base com a seleção brasileira. Enfim, era sobre isso que eu gostaria de passar o dia falando. Mas a verdade é que não posso. Não hoje.

 

 


O triste episódio do último domingo (21), no jogo entre Real Madrid e Valencia, pelo Campeonato Espanhol, deixou todos esses números em segundo plano. Nada é mais urgente ou mais importante do que falar, energicamente, sobre o que aconteceu e como passaremos por esse abismo.

O jogo deste domingo afetou a mim, um homem negro, num ponto muito específico – e triste.


Enquanto assistia àquelas terríveis cenas, me peguei pensando em um ponto: por que ninguém vai ajudar Vini Jr? Não é possível que seus companheiros de time, membros da diretoria e os demais presentes vão apenas ouvir e assistir a essa barbaridade sem ninguém fazer nada. Fiquei angustiado.


Muitos podiam olhar aquela cena e pensar que suas ações – absolutamente justificadas, por sinal – eram motivadas apenas e tão somente pela raiva (igualmente justificada). Mas, em determinado momento, uma das câmeras de transmissão focou no rosto do brasileiro. E eu reconheci aquele olhar.


Vini olhava ao redor, e o que via era um estádio lotado, com 46 mil pessoas gritando em ódio insultos racistas dos mais baixos. Naquele momento, precisei parar de assistir às cenas – afinal, estava fazendo a cobertura da sétima rodada do Brasileirão –, mas aquele olhar e aquela expressão ficaram na minha mente.


Só depois de um tempo, então, eu fui perceber que entendia o que passava em sua cabeça: Vini Jr estava sozinho. E ele sabia disso. Automaticamente, várias cenas vieram à minha cabeça.

Naquele momento, não havia ninguém ao seu lado, nem mesmo seus companheiros. Calma, eu sei, isso pode parecer um absurdo na primeira vez em que se lê. Você pode estar pensando: “Como assim, sozinho? Você não viu todo o apoio que ele recebeu nas redes sociais? Você não viu que os jogadores do Real foram pra cima separar a confusão?”. Mas embora seus companheiros de fato tivessem tentado, à primeira vista, identificar alguns dos agressores, ou até mesmo ajudado Vini Jr a se livrar do golpe covarde que sofreu de Hugo Duro, atacante do Valencia, ele ainda estava solitário naquele local. 

 

 


Veja bem, eu não me refiro ao “local” como o espaço físico, o estádio; me refiro, especificamente, a sua dor. Afinal, eram para ele os insultos. Não eram para Éder Militão, ou para Rüdiger, nem mesmo para Alaba. As terríveis ofensas eram para Vini, exclusivamente para ele.


Nenhum dos seus companheiros se prontificou a sair de campo com Vini, em sinal de protesto. Nenhum deles foi ao árbitro exigir que ele cumprisse a orientação da Fifa para casos como aquele. Vini precisou, mais uma vez, sozinho, brigar, gritar, mostrar, exigir. E é assim que tem sido desde o primeiro caso, em outubro de 2021.

 

Aqui preciso fazer uma observação: não estou dizendo que não há pessoas comprometidas na luta antirracista, apenas digo que, naquele momento, somente ele foi capaz de sentir o golpe.

 

  


Veja bem: quem vos escreve esse texto é um homem negro, nascido na Bahia, mais precisamente em Salvador, a cidade mais negra fora da África. Claro, essas características por si só não me credenciam a analista do caso, mas naquele momento me vi em Vini Jr.


Lembrei de quantas vezes ouvi insultos e fui aconselhado a “deixar para lá”, ou até mesmo “não me importar” com o que ouvia. Naquele momento eu lembrei da dificuldade que é se sentir sozinho mesmo tendo pessoas ao nosso lado.

E é exatamente esse o sentimento. Nós, pretos, estamos sozinhos. Essa é a impressão que dá. Há pessoas ao nosso lado, mas ainda assim estamos sozinhos. Ninguém, além de nós mesmos, parece querer entender. E essa, meus amigos, é uma sensação terrível. 

 



Vini estava sozinho quando foi humilhado por mais de 40 mil pessoas em um estádio; ele estava sozinho quando recebeu um golpe covarde por trás; estava sozinho quando as imagens do VAR mostraram apenas o seu movimento com o braço para se desvencilhar de Hugo; estava sozinho quando foi expulso de campo e o jogo continuou normalmente, como se nada tivesse acontecido.


Ninguém brigou por ele, ninguém brigou com ele. E assim tem sido há quase dois anos, desde o primeiro caso. Naquele momento, muito mais do que se manifestar após o jogo em entrevistas ou nas redes sociais, seus companheiros precisavam se manifestar em campo, no ato! Não havia clima para o restante do jogo. Uma resposta precisava ser dada.

Mas não foi.
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