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Torcedoras de Atlético e Cruzeiro relatam experiência e desafio no futebol

Em celebração ao Dia Internacional das Mulheres (8/3), o Superesportes ouviu torcedoras para conhecer histórias sobre as experiências delas nos estádios

08/03/2023 05:00 / atualizado em 08/03/2023 08:51
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Grupa é um agrupamento de mulheres que se descrevem 'contra o machismo, racismo, homofobia e todo tipo de preconceito e discriminação no futebol'
foto: Divulgação / Arquivo Pessoal

Grupa é um agrupamento de mulheres que se descrevem 'contra o machismo, racismo, homofobia e todo tipo de preconceito e discriminação no futebol'


O ambiente machista e heteronormativo do futebol parece estar mudando em função da luta de feministas e dos grupos LGBTQIA+, mas ainda há muitos desafios pela frente. Em celebração ao Dia Internacional das Mulheres (8/3), o Superesportes ouviu torcedoras para conhecer histórias sobre as experiências delas nos estádios, bem como uma pesquisadora do tema.

A cruzeirense Giane Alves, 36 anos, vê uma alteração positiva no ambiente dos estádios, mas entende que as campanhas contra o assédio devem ser contínuas, não apenas em momentos isolados. Ela participa do grupo Maria de Minas, que integra mulheres e integrantes de outras minorias, e acredita em uma modificação mais profunda com a conscientização dos torcedores. 

"É preciso ter uma vigilância constante, com uma campanha permanente, uma campanha mais próximas às torcidas organizadas, a impressão que tenho é que clubes, federações e Minas Arena trabalham de forma reativa, quando ocorre algum evento, como ocorreu no ano passado, quando atleticanas compartilharam casos de assédio no estádio. Todos devem unir esforços para isso ser uma pauta diária nos jogos, inclusive a CBF", disse a servidora pública.

A pesquisadora Anna Gabriela Cardoso, doutoranda do CEFET-MG, estuda o assunto e afirma que o cenário está mudando em função da luta das torcedoras. "As mulheres não estão caladas. Um encontro em 2017 reuniu cerca de 300 torcedoras no Museu do Futebol em São Paulo, o que resultou em outros movimentos locais e na criação de um movimento nacional. Agora, em 2023, no dia 11 de março, o movimento feminino de arquibancada vai realizar um seminário para discutir políticas públicas de enfrentamento ao machismo nas arquibancadas. Ou seja, como o próprio movimento tem levantado a bandeira: 'Quando as mulheres avançam, ninguém as faz retroceder'", disse. 

A pesquisadora Anna Gabriela Cardoso, doutoranda do CEFET-MG
foto: Divulgação / Arquivo Pessoal

A pesquisadora Anna Gabriela Cardoso, doutoranda do CEFET-MG



Anna Gabriela lembra que as mulheres sempre estiveram presentes nos estádios de futebol do Brasil. No início do século XX, havia a percepção no imaginário social de que elas 'embelezavam' e mostravam que o 'jogo era familiar', em uma performance pública masculina, segundo análise de alguns pesquisadores. De outro lado, a presença delas também contribuiu para inserção das mulheres no espaço público. Essas imagens foram sendo alteradas ao longo dos anos, passando pelas ofensas ao apelido Maria-Chuteira ao protagonismo nos grupos organizados de torcidas apenas por mulheres.

Hoje, a doutoranda lembra que são várias mulheres presentes no estádio e com posições diferentes e que, muitas vezes, ainda encontram situações pouco amigáveis no futebol. "Precisamos pensar que existem muitas "mulheres", que vão desde a esposa do jogador no camarote do estádio até a torcedora de organizada balançando a bandeira, as que vão com a família, as que vão sozinhas. Em cada uma dessas situações, elas são tratadas de maneiras diferentes e precisam impor suas formas de agir e pensar para serem aceitas. Em muitos desses contextos, os estádios ainda são locais pouco amigáveis, mas elas não estão caladas, marcando presença e buscando desfazer essa ideia de que futebol é 'coisa de homem'".

Efeito Robinho e Daniel Alves

A atleticana Denise Carvalho, de 37 anos, é participante da Grupa
foto: Divulgação / Arquivo Pessoal

A atleticana Denise Carvalho, de 37 anos, é participante da Grupa



A atleticana Denise Carvalho, de 37 anos, a qual participa dos coletivos Grupa e Resistência Alvinegra, acha que o cenário de assédios e violências no meio do futebol deve diminuir em função de grandes casos de repercussão mundial envolvendo jogadores brasileiros.

Ela cita os episódios de Robinho, condenado na Itália pelo crime de violência sexual, e Daniel Alves, preso na Espanha acusado de agressão sexual. O ex-jogador de Santos, Atlético e Seleção Brasileira pode ir para a cadeia aqui no Brasil, caso o STJ homologue a condenação.

"A gente presenciava muitas cenas há tempos. Hoje não mais. Como andamos em grupo (a Grupa Galo), isso inibe um pouco. Para ir sozinha, é mais complicado. Já presenciei caras fazendo 'gracinha'. Hoje, não vejo mais tanto. Não pela educação dos homens, mas pelo medo de punição. Temos os exemplos dos casos do Robinho, do Daniel Alves. Então, os homens veem que o assédio está dando cadeia. Isso impacta no comportamento geral dos homens", opina a administradora de empresas e bordadeira.

Violências

Giane Alves não esconde seu amor pelo Cruzeiro em nenhum lugar
foto: Divulgação / Arquivo Pessoal

Giane Alves não esconde seu amor pelo Cruzeiro em nenhum lugar



A servidora pública Giane Alves já viveu situação de violência em um jogo do Cruzeiro, pouco antes da pandemia de COVD-19, em 2020. Ao tentar passar pela catraca do Mineirão, ela sofreu abordagem agressiva de um outro cruzeirense. "Estava tentando passar e um senhor, que estava bêbado, não queria desocupar a catraca e tentou me agredir. Estava com amigos, que acabaram apaziguando, acabei ficando sem reação", disse.

Por sua vez, Anna Gabriela, que é atleticana, também passou por uma experiência de assédio no estádio. "Uma vez fui com uma amiga ao jogo do Galo, e ela me apresentou para as pessoas da torcida dela. Fiquei próxima deles durante o jogo e, na hora do gol, um dos torcedores saiu do seu lugar, longe de onde eu estava, e se sentiu no direito de forçar um abraço, aproveitando do momento de euforia do gol. Senti-me invadida no momento de mais alegria de um jogo. Acabou que a situação me deixou tão constrangida que fui embora antes que a partida acabasse". 

Outro problema são as barreiras às mulheres que ainda existem no futebol. Denise elenca algumas dificuldades vividas no Mineirão: "No laranja inferior, onde fica a nossa torcida, só tem um banheiro feminino e fica do outro lado, tenho que percorrer todo o corredor para ir até lá. Outra questão são as revistas. Se a gente chega um pouco mais tarde, a portaria fica lotada. Em um dos dias, havia cinco mulheres para a revista e mais de 20 para homens. É desigual".

O que diz o Mineirão


Sobre as observações feitas por Denise, a assessoria do Mineirão informou que nos setores inferiores do estádio – como o laranja, citado pela torcedora – há um banheiro maior feminino e outro de mesma dimensão masculino, que contêm 40 cabines com vasos sanitários cada. Além dos banheiros família e para pessoas com deficiência.

Com relação à revista de torcedores na entrada do estádio, o Mineirão disse que a quantidade de pessoas que vai trabalhar na função é calculada pela equipe de segurança baseado no público estimado. A proporção de visitantes no Gigante da Pampulha é de 1/3 de mulheres em relação aos homens.

Na última partida, exemplifica, no setor citado por Denise, havia 30 homens e 10 mulheres para a revista de torcedores.

Destacou ainda que o Mineirão e os clubes recomendam que o torcedor entre o mais cedo possível no estádio para evitar filas. Em jogos de grande público, os portões abrem três horas antes do início da partida.

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