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As revistas que levei a Ronaldo na Copa de 1994

O pedido feito pelo atacante do Cruzeiro e da Seleção era inusitado, mas compreensível: queria que levássemos a ele jornais e revistas para ler às escondidas

Bob Faria: 'As revistas que levei a Ronaldo na Copa de 1994'
foto: Gladyston Rodrigues/EM/DAPress

Bob Faria: 'As revistas que levei a Ronaldo na Copa de 1994'



O ano era 1994. Preparo-me para embarcar para os Estados Unidos, sede da Copa do Mundo. A Seleção Brasileira já estava lá. Eu era um jovem repórter, como costumava me anunciar nas transmissões o saudoso e querido mestre Willy Gonser. Não seria a minha primeira cobertura internacional, já que participara da transmissão do sorteio dos grupos da Copa, em Las Vegas, no final de 1993. Mas era o primeiro Mundial. Entusiasmo total. Nossa sede seria na pequena cidade de San José, já um polo importante da revolução tecnológica cravada no Vale do Silício. Eu, um garoto apaixonado por novas tecnologias e revoluções, não poderia cair em lugar mais incrível.

Confesso que cobrir a Seleção Brasileira ao lado de lendas como Roberto Abras, Willy Gonser, Osvaldo Faria, Alberto Rodrigues e os demais mitos da rádio era empolgante, fascinante e sensacional. Mas passar algum tempo naquele paraíso explorando as lendárias CompUSA (uma das maiores lojas de computadores do mundo), Best Buy (hoje tão visitada por brasileiros em qualquer destino americano) e dezenas de lojas menores, que vendiam revolucionárias placas de computador, disk drives e equipamentos multimídia com acesso à Internet, novidade à época, fazia meu coração disparar de expectativa. Era um mundo desconectado, mas à beira de uma revolução e eu estaria no epicentro disso. Era como visitar Florença no início do movimento renascentista. Tudo estava borbulhando ali.

Pois bem, como disse acima, era ainda um mundo desconectado se compararmos ao que vivemos hoje.

Dias antes do embarque veio a notícia de que a comissão técnica da Seleção Brasileira havia proibido que jogadores tivessem acesso a jornais e revistas para evitar contato com possíveis críticas e notícias que tirassem o foco. Vocês acreditam nisso? Mas é verdade! Como o grupo tinha deixado o país sob clima de desconfiança, com problemas de relacionamento entre seus maiores astros, Bebeto e Romário, a decisão de Parreira e Zagallo foi blindar o time.

É como se hoje um treinador confiscasse todos os celulares dos jogadores de um grupo por 45 dias! Já imaginaram isso? Haveria motim em questão de horas!
Obviamente, alguns tentaram burlar a proibição. E é aí que chega um pedido vindo de um certo Ronaldo, astro do Cruzeiro, coadjuvante na Seleção Brasileira e em vias de seguir sua carreira no PSV da Holanda. O pedido foi inusitado, mas era compreensível: queria que levássemos a ele jornais e revistas para ler às escondidas na concentração.

Pedido feito, pedido aceito. E lá fomos eu e o grande Valdir Barbosa 'municiados' de jornais e revistas para tentar entregar ao menino. Outros tempos, outros valores.

Numa das sessões de treinamento que sempre terminavam com papo aberto, eu entreguei a ele as que estavam comigo. Lembro-me especialmente de dois exemplares da Playboy, cuidadosamente escolhidas segundo meu olhar particular (rsrs). Traziam nas capas a atriz Maria Padilha e a modelo Ana Lara Resende. Também levei algumas edições do Estado De Minas e uma revista Placar. Valdir Barbosa tratou de entregar outras.

Não sei como o menino Ronaldo escondeu as publicações. Mas, se não foram confiscadas, tenho certeza de que devem ter feito seu enclausuramento durante a Copa muito menos tedioso. Assim como minhas peregrinações pelo Vale do Silício nos raros momentos de folga me tiraram a ansiedade da responsabilidade de reportar uma Copa do Mundo. A primeira, como a de Ronaldo.

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