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Precisamos urgentemente refletir sobre como julgamos atletas

São seres humanos, que sofrem, ficam doentes, se decepcionam, e às vezes choram escondido. Como todos nós

Bob Faria: 'Precisamos urgentemente refletir sobre como julgamos atletas'
foto: Gladyston Rodrigues/EM/DAPress

Bob Faria: 'Precisamos urgentemente refletir sobre como julgamos atletas'


Nunca fui atleta. Nem pretendi. Mal e mal, como quase todo menino da minha época, que buscava pertencimento num grupo em formação, me aventurei em times de rua, me arrebentando em pedras de paralelepípedo, e em um campinho que tinha mais barro do que qualquer outra coisa. Raramente, numa quadra de cimento.

Gostava de jogar no gol (porque ninguém gostava e ficava mais fácil ter um lugar no time). Não era bom não. Porém, por força da profissão de meu pai, estava sempre enfeitado com luvas que certamente não foram calculadas para minhas mãos, mas que eu exibia com orgulho, pois eram presentes de gente muito boa como Raul Plassmann, no Flamengo à época; Waldir Peres, do São Paulo e da Seleção; Luiz Antônio, titular do Cruzeiro nesse tempo, e João Leite, do Atlético.

E como o divertido era fantasiar, eu tinha uma mania meio besta, mas que hoje acho muito significativa. Calçava sempre as luvas recebidas de presente de um desses grandes goleiros apenas em uma das mãos. Assim jogava, por exemplo, com a do João Leite na direita e a do Luiz Antônio na esquerda. E aí vinha a brincadeira que mais me aproximava do meu futuro. Se eu defendia com a direita eu dizia "pega João Leite!!". Se fosse com a esquerda era "pega Luiz Antônio!!". 

Bem, para desgosto dos meus patronos famosos, a bola passar era mais comum do que o desejável. Mas me diverti muito assim. Parei de brincar de bola quando comecei a me envolver com música e notei que se eu machucava o dedo tinha que ficar afastado da minha guitarra por muitos dias. Sem contar os acidentes um pouco mais dolorosos, como quando o travessão caiu sobre a minha mão fraturando alguns ossos. O que me custou mais uma das incontáveis visitas ao consultório do Dr. Neylor Lasmar, que se revezava com o também querido Dr. Ronaldo Nazaré, na inglória missão de recolocar meus ossos no lugar cada vez que eu caía de um muro, de uma bicicleta ou coisa que o valha (sim... eu já usei tanto gesso que acho que daria para reformar uma casa!). Dessa vez ele me deu uma bronca e me advertiu a nunca mais tentar me dependurar na trave. Foi o meu fim no futebol.
           
Mas viver nesse universo era minha sina. E cresci ao lado de quem fez da vida a arte de contar a história de quem joga. Aprendi com os mestres. E uma das mais valiosas lições que aprendi com eles é a de tentar sempre ter a sensibilidade de olhar o ser humano por trás do atleta.

Veja, é uma tendência até compreensível, diante dos feitos dessas pessoas (refiro-me aos atletas de alto desempenho), que pensemos que são máquinas. Pois bem, não são! Apesar de suas habilidades extraordinárias, se comparados a gente como eu e você, eles também têm os seus limites de humanidade. E como humanos, padecem de males comuns a todos nós.

Outro dia, conversando com o Dr. Rodrigo Lasmar, hoje médico não só do Atlético mas também da Seleção Brasileira, pesquei uma frase que me fez refletir. Disse ele: a imprensa noticia muito quando um atleta sofre uma lesão muscular, fratura um osso, ou rompe ligamentos. Mas nem se dá conta de que às vezes a queda de rendimento de um jogador pode ser por outra causa que não é tão visível quanto um joelho operado. E citou a depressão como uma doença que atinge muitos e que ninguém fica sabendo.

Uma parte importante do condicionamento de um atleta de alta performance, como um jogador de futebol profissional, está muito além de ossos e músculos. Está no cérebro. E qualquer desequilíbrio pode, e altera muito, o rendimento deles em campo.

E nós dizemos o quê? Que o sujeito está desmotivado, que se sentou nas conquistas da última temporada, que não tem foco, e o que é pior: que não está com vontade de jogar!

Precisamos urgentemente fazer uma reflexão sobre como observamos, avaliamos e julgamos os atletas. Apesar da sua destreza especial para realizar aquela tarefa. São seres humanos, que sofrem, ficam doentes, se decepcionam, e às vezes choram escondido. Como todos nós.


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