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Bob Faria: 'Tempo, tempo, mano véio'

E se tivesse que arriscar, eu diria que o tempo mora no coração da gente. Naquela parte onde guardamos as coisas que nos são mais caras

16/08/2022 08:00 / atualizado em 15/08/2022 19:25
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Coluna do Bob Faria: ' 'Tempo, tempo, mano véio'
foto: Gladyston Rodrigues/EM/DAPress

Coluna do Bob Faria: ' 'Tempo, tempo, mano véio'


Versos proféticos e sintéticos sobre algo tão etéreo quanto o tempo. Já foi dito por muita gente o valor dos milésimos de segundo para quem disputa competições onde milésimos de segundo separam a vitória da derrota. E já foi dito do valor das milhares de horas para quem se prepara para uma tarefa que exige anos de estudo e experiência. O tempo é o senhor da existência, porque é algo inexorável e igualmente, supostamente balsâmico. Mas onde afinal de contas mora o tempo?

Não sou nenhum filósofo. Não pretendo responder a nenhuma grande questão primordial do universo, mas tenho cá minhas desconfianças. E se tivesse que arriscar, eu diria que o tempo mora no coração da gente. Naquela parte onde guardamos as coisas que nos são mais caras (ou difíceis de deixar ir embora).

Já pensou quanto dura o sorriso, ou o beijo de alguém que você ama de verdade? Estou falando daquele amor incondicional que tem move em direção à luz da vida.  Um segundo, dois? Que diferença faz? No seu coração ele durará eternamente. Ou pelo menos enquanto te for permitido se lembrar dele de maneira verdadeira.

É por isso que na tradição mimética do esporte em relação à vida, os feitos ficam impressos no nosso coração e desafiam a noção de tempo.

Na prática, quanto tempo leva um gol? Somente o suficiente para a bola cruzar completamente a linha de meta. Uma fração de segundo. Mas na sua memória, ele pode durar para sempre! Eternizado nas palavras de um narrador cuja voz ecoa na sua cabeça, na imagem impressa na sua retina, cada vez que vem à mente, no som do estádio explodindo em uníssono. Dura uma eternidade. É o tempo se dobrando ou desdobrando como numa teoria incompreensível de física.

Assim, o que mede nosso tempo é a intensidade com que nos aquecemos em nossos corações. E não estou dizendo que sejamos obrigados a nos tornar prisioneiros da nostalgia. Mas somos frequentemente convidados a medir a nossa vida pela quantidade de memórias que conseguimos acumular. Eu pelo menos sou.

O desafio, e não é dos mais simples, é fazer valer cada segundo, como se fosse o último. Porque de fato pode ser. Há tantas coisas na vida que se soubéssemos que seriam nossas últimas vezes, as teríamos feito com muito mais capricho, entrega, prestado mais atenção, dito mais claramente o que deveria ser dito. Eu tenho várias. Você as tem?

É como num jogo. Como desses que temos visto ultimamente com certa frequência, em que tudo se decide no último minuto, na última jogada, na última batida da bola. Tudo parece definido e de repente, uma curva, alguém no meio do caminho e o que parecia um empate frio e relegado ao esquecimento torna-se uma vitória memorável.

Por isso não importa o tempo, o cronológico ou o metafísico. O mostrado no relógio ou o medido em alegria ou dor. O primeiro minuto precisa ser jogado com tudo que se tem, assim como o último. Porque nunca se sabe quando virá a vitória, ou quando acabou de verdade. O tempo é amigo, balsâmico, porque te dá oportunidade de se curar e continuar tentando. Mas pode ser cruel e implacável, te derrubando no final. Então precisamos saber lidar com ele.

Afinal, entre chegar e ter que partir, tudo é apenas uma questão de tempo.

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