Gustavo Nolasco
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DA ARQUIBANCADA

'Corre, Felício! O Zé Carlos chegou'

O passista da camisa 8 não virou estrela, pois assim já nasceu. Só foi viver no céu, seu novo estádio, onde para sempre brilhará

postado em 13/06/2018 08:00 / atualizado em 12/06/2018 21:50

Rilton Rocha/Revista O Cruzeiro/1973


Zé Carlos descansou. Deixou a Terra, ou melhor, o seu gramado. Lugar onde não errava passes. Mas o passo do coração falhou e lançou-lhe ao infinito. O passista da camisa 8 não virou estrela, pois assim já nasceu. Só foi viver no céu, seu novo estádio, onde para sempre brilhará. 

Ontem, quando ascendeu, logo ouviu uma voz conhecida a gritar: “Corre, Felício! O Zé Carlos chegou”. Era Carmine avisando ao amigo que o menino de Juiz de Fora estava surgindo no céu. O eterno presidente celeste, Felício Brandi, escondido, enxugou os olhos marejados de lágrimas (de alegria), colocou o melhor paletó e foi ao portal de entrada receber seu pupilo.

Enquanto isso, na fila, um anjo ia fazendo a entrevista:

- Nome?
- José Carlos Bernardo.
- Profissão?
- Jogador de futebol.

Quando o anjo levantou o olhar, tomou um susto. Em respeito, baixou as asas e tremendo, disse baixinho:

- Você que jogou doze anos no Cruzeiro, vestiu 633 vezes a camisa das cinco estrelas e ainda marcou 87 gols? 

Zé Carlos confirmou, rindo com o seu marcante sorriso sem excessos, o qual carregou por toda a vida, dos tempos de moleque, quando trabalhava na fábrica de cobertores, até a glória de gênio alcançada no Cruzeiro e no Guarani de Campinas. 

Ao abraço de Felício e Carmine Furletti, um filme passou na cabeça de Zé Carlos. Lembrou do dia em que, às 11 horas da noite, acordou ao barulho do pai recebendo estranhos na sala da casa no bairro dos ferroviários. “Levanta, filho. Eles querem levá-lo para o Cruzeiro”. 

Felício sempre ia a Juiz de Fora, pois lá tinha um fornecedor para a sua fábrica de massas Orion. Mas, naquela noite de 3 de novembro de 1965, não foi farinha que trouxe. Ele, Furletti, Toia e Zé Paulo, diretores do maior clube de Minas Gerais, foram contratar a joia negra do Barro Preto. No carro, pela BR-040, foi-se o moleque Zé Carlos, a tornar-se o jogador de linha que mais vestiu o manto sagrado em toda a história do Cruzeiro/Palestra. 

“O senhor lembra da primeira vez que me convidou?”. Impressionava como Zé Carlos sempre manteve a voz baixa e carregada de simplicidade.

“Como eu poderia esquecer do quanto você foi genial naquele Torneio do Bispo, no campo do América, menino?”, disse Felício, lhe dando um tapa nas costas. Calado, ainda matutou. “E pensar que Fluminense e Flamengo tiveram esse gênio e não aproveitaram. Ufa!”.

Logo Furletti percebeu Zé Carlos procurando algo por entre as nuvens. Apontou-lhe um canto onde anjos corriam em algazarra e disse: “Vai. Ele está lá”. 

Ainda se acostumando a seu novo gramado, branco e suave do céu, Zé Carlos viu ao fundo o amigo a driblar com uma bola de algodão. Ela, a redonda, acabou correndo para fora do campo e foi cair exatamente aos seus pés. O passe, evidentemente, foi perfeito. Diretamente no peito do camisa 7. “Zelão! Quanta saudade!”, correu Roberto Batata a lhe abraçar, como tantas vezes fizeram ao fim de seus gols no Mineirão.

O dia corria feliz. O recém-chegado dava informes sobre os amigos lá da Terra. “O Procópio continua aquela enciclopédia e o coração gigante”. “Dirceu? Ainda parece menino. A mesma cara!”. Felício, Furletti e Batata perguntavam sobre todos.

As risadas e as memórias terminaram quando Zé Carlos quis saber sobre um antigo conhecido. “Pessoal, até agora não vi. Por onde anda o Armando Marques?”.

Felício quis responder com seu sangue italiano fervendo. Furletti mordeu o lábio de raiva, mas segurou o presidente. “Queria tanto que ele me explicasse porque anulou aquele meu gol contra o Vasco em 1974 e tirou nosso título”, continuou o camisa 8. 

Paciente, Batata puxou Zé Carlos para o lado e foi lhe revelando a verdade. “O Armando Marques nunca apareceu aqui no céu. Deve estar pagando os pecados em algum canto desse firmamento, mas esquece, mestre. São tantos títulos, passes certos, gols e genialidade que você desfilou lá embaixo que vai faltar eternidade para conseguir contar tudo para os anjos. A gente é Cruzeiro, Zelão! Bem vindo, meu amigo”.

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