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Conheça templo sagrado do judô em Tóquio, onde Mayra e japoneses brilharam

'Judo is coming home': modalidade, que entrou no programa olímpico em 1964, é disputada no Nippon Budokan, onde atletas tentam quebrar hegemonia japonesa

30/07/2021 00:27 / atualizado em 30/07/2021 01:55
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Nippon Budokan: o templo sagrado do judô

O som dos grilos e o verde das árvores centenárias contrastam com o cenário urbano a poucos passos dali. Andar pelo Parque Kitanomaru é como sentir a essência de uma Tóquio de décadas atrás, que resiste em meio à tecnológica megalópole que se esparrama do centro à periferia e simboliza o processo de gentrificação das grandes cidades globais. É neste ambiente bucólico e até um pouco místico onde fica o Nippon Budokan. O templo sagrado do judô japonês marca a soberania dos donos da casa na modalidade, mas também já viu brasileiros brilharem nos Jogos Olímpicos. E foi assim com Mayra Aguiar.

A gaúcha de 29 anos viveu um ciclo olímpico desafiador até conquistar a histórica medalha de bronze na madrugada de ontem (tarde no Japão) na categoria até 78kg. Em novembro, Mayra se viu obrigada a fazer uma cirurgia no ligamento cruzado anterior no joelho esquerdo. A gravidade da lesão quase a tirou dos Jogos de Tóquio.

Mayra Aguiar conquistou a medalha de bronze em Tóquio ao vencer a sul-coreana Hyun-Ji Yoon
foto: Júlio César Guimarães/COB

Mayra Aguiar conquistou a medalha de bronze em Tóquio ao vencer a sul-coreana Hyun-Ji Yoon

Pensar nisso logo a emocionou. "Nunca chorei tanto. Estava chorando igual criança ali. É que está muito entalado. Tudo o que eu vivi, foi muito tempo de superação, uma atrás da outra. E, hoje, poder concretizar com uma medalha é muito importante para mim. É a maior conquista que eu já tive em toda a minha carreira. Por tudo o que aconteceu, tudo o que vivi, poder estar com isso concretizado é muito gostoso, está sendo muito bom", desabafou.

E não havia lugar melhor para a brasileira coroar a volta por cima na carreira. Feito para os Jogos de Tóquio de 1964, o Budokan é, mais que tudo, um lar espiritual. Do lado de fora, o projeto arquitetônico faz lembrar construções do Japão antigo. O espaço está localizado nas proximidades do Palácio do Imperador e do Santuário Yasukuni, centenário templo xintoísta.

Com o resultado em Tóquio, Mayra Aguiar soma três medalhas olímpicas - também conseguiu o bronze em Londres-2012 e Rio-2016
foto: Franck Fife/AFP

Com o resultado em Tóquio, Mayra Aguiar soma três medalhas olímpicas - também conseguiu o bronze em Londres-2012 e Rio-2016

O primeiro passo ao adentrar a arena é suficiente para ver um enorme painel com explicações sobre o Budô (em japonês, o "caminho marcial"). O Budokan recebeu, ao longo das últimas décadas, eventos de judô e karatê. "O Budô tem origem no tradicional espírito marcial do judô. Ao longo dos séculos de mudanças históricas e sociais, as formas culturais se transformaram de lutas (Bujutso) a modos de evolução pessoal (budô)", lê-se numa das placas do local.

São mais de 11 mil lugares disponíveis nas arquibancadas. Quase todos estiveram vazios ao longo do dia de competições. Quase. Quando chegou a hora das finais, o número de jornalistas presentes se multiplicou - os japoneses eram maioria. Do outro lado das tribunas, atletas que não competiram naquele dia vibravam pelos amigos e companheiros de delegação. O esporte é tão amado por aqui que há momentos em que voluntários, trabalhadores e até policiais deixam seus trabalhos para acompanhar as lutas decisivas.

E a trajetória de Mayra rumo ao pódio foi digna do local onde a trilhou. A brasileira avançou bem na primeira luta, contra a israelense Inbar Lanir. Depois, foi eliminada no golden score para a alemã Anna-Maria Ger Wagner - que também conquistaria o bronze. A repescagem foi diante da russa Aleksandra Babintseva. Depois, na decisão do bronze, Mayra se impôs com um ippon por imobilização sobre a sul-coreana Hyunji Yoon.

O feito é histórico. Mayra se torna a primeira brasileira com três medalhas olímpicas em esporte individual. Antes, conquistou o terceiro lugar nos Jogos de Londres, em 2012, e no Rio de Janeiro, quatro anos mais tarde. Ela agora é, de forma isolada, a recordista de pódios na modalidade mais vitoriosa do Brasil na Olimpíada. O judô tem 24 conquistas. A gaúcha tem três, acima de todos os outros.

Em Tóquio, além de Mayra, o também gaúcho Daniel Cargnin conquistou a medalha de bronze. Ele faturou o terceiro lugar ao superar o israelense Baruch Shmailov na categoria até 66kg.   

Japoneses dominam


Historicamente, japoneses já dominam as premiações na modalidade durante os Jogos Olímpicos. Para esta edição, a expectativa e a pressão foram maiores sobre os donos da casa. E até agora as coisas estão saindo como o planejado. Em 12 categorias disputadas (seis masculinas e seis femininas), o país-sede levou dez medalhas (oito de ouro, uma de prata e uma de bronze).

As capas dos principais jornais japoneses estampam, quase diariamente, fotos dos campeões. Entre os ouros conquistados, chamam atenção os que os irmãos Abe conseguiram num mesmo dia. Primeiro, Uta subiu ao lugar mais alto do pódio entre as mulheres na categoria até 52kg. Minutos depois, foi a vez de Hifumi brilhar no grupo de atletas com no máximo 66kg. 

"Tivemos muita determinação, esta é a razão. Este era o nosso sonho desde a infância", disse Uta, após a final. "Sim, eu vi a luta da minha irmã. Tinha certeza de que ela ganharia e que daria forças para a minha vitória. Fiquei mais determinado para vencer, não me senti pressionado, entrei com mais espírito combativo", reforçou Hifumi.

A expectativa é que o número de pódios do Japão cresça nos dois últimos dias de disputa da modalidade, que se encerram amanhã. O judô está, enfim, de volta para casa.

O budô


Artigo 1: Objetivo do budô - Por meio de treinamento físico e mental nas artes marciais japonesas, os expoentes do budô buscam construir seu caráter, realçar seu senso de julgamento e se tornar pessoas disciplinadas capazes de fazer contribuições para a sociedade em geral.

Artigo 2: Keiko (treinamento) - Quando estão treinando num budô, atletas devem sempre agir com respeito e cortesia, aderir às prescrições fundamentais da arte e resistir a tentação de perseguir movimentos meramente técnicos e, ao invés disso, buscar a perfeita união entre mente, corpo e técnica.

Artigo 3: Shai (competição) - Se estiver competindo numa luta ou fazendo formas paradas (kata), exponentes devem externalizar o espírito dominante no judô. Eles devem fazer o melhor de si em todos os momentos, ganhando com modéstia, aceitando a derrota e exibir constantemente o autocontrole.

Artigo 4: Dojô (local de treinamento) - O dojô é um lugar especial para treinar mente e corpo. No dojô, praticantes de judô devem manter a disciplina e mostrar próprias cortesias e respeito. O dojô deve ser quieto, limpo, seguro e mostrando sempre self-control

Artigo 5: Ensinando - Professores de budô devem sempre encorajar outros a se esforçar para ficarem melhores e treinarem suas mentes e seus corpos, enquanto continuam a aumentar seu conhecimento nos princípios do budô. Professores não devem permitir que o foco esteja em ganhar ou perder uma competição ou numa habilidade técnica. Acima disso, professores têm a responsabilidade de serem exemplos.

Artigo 6: Promovendo o budô - Pessoas promovendo o budô devem manter olhos e mente abertos. Eles deveriam fazer o máximo de esforço possível para contribuir com pesquisa e ensinamento e fazer o máximo para levar o budô adiante.

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