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Cruzeiro: jornalistas de Portugal traçam perfil de técnico Pepa

Superesportes conversou com profissionais de imprensa que acompanharam o trabalho do técnico do Cruzeiro por clubes portugueses. Confira as respostas

24/03/2023 09:00 / atualizado em 24/03/2023 12:14
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Pepa tem o desafio de reconduzir o Cruzeiro a bons resultados
foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Pepa tem o desafio de reconduzir o Cruzeiro a bons resultados


Jornalistas de Portugal traçaram, a pedido do Superesportes, o perfil do técnico Pepa, que chega a Belo Horizonte com o desafio de resgatar a confiança dos jogadores do Cruzeiro e conduzir o time a uma boa campanha na Copa do Brasil e no Campeonato Brasileiro. Os profissionais de imprensa foram unânimes ao destacar a boa relação do treinador com os atletas e a preferência dele por uma equipe de posse de bola e estilo ofensivo.

Pepa no Cruzeiro: veja fotos do primeiro treino



“Pepa é um treinador com método. Muito minucioso, atento aos prognósticos e demonstra cuidado na preparação das equipes. Constrói uma relação forte com os jogadores, gosta de ter o vestiário na mão. Não quero fazer grandes comparações, mas tem semelhanças na forma de trabalhar com Abel Ferreira, do Palmeiras”, analisou José Miguel Machado, do jornal Record.



“É um treinador muito rápido a agir nas definições, penso que tem vitalidade para lidar com pressão e estar em clubes com objetivos fortes. O trabalho dele passa por um jogo de posse, de muita pressão, mas joga em função das características dos jogadores que possui no grupo. Ele molda o perfil de acordo com as características dos atletas”, destacou Pedro Cadima, ex-jornal A Bola e atualmente em O Jogo.

Bruno Freitas, do jornal Record e da Rádio Santiago, de Guimarães, citou atletas revelados no Vitória de Guimarães sob o comando de Pepa. “O treinador teve papel importante para potencializar jovens, caso de Miguel Maga, lateral-direito que aparece na equipe principal do Vitória, e jogadores como Afonso Freitas, André Amaro e Hélder Sá”.

João Maia, do jornal O Jogo, compartilhou um relato pessoal envolvendo o pai, José Manuel Maia das Neves, ex-jogador e ex-presidente da Associação Desportiva Sanjoanense, clube pelo qual Pepa iniciou a trajetória “sênior” nas divisões distritais de Portugal, em 2013/2014.

“Destaco-lhe as qualidades humanas, pois Pepa teve um gesto que jamais esquecerei. No seu segundo ano de Sanjoanense, esteve para ser despedido, mas os jogadores, com salários em atraso, pediram-lhe para ficar e vieram ter com o meu pai, que já tinha sido presidente e chefe do departamento do futebol, para que terminasse a época. O meu pai voltou ao clube e construiu uma grande relação de amizade com o Pepa, que se manteve até à data do seu falecimento, a 12 de maio de 2022”.



Leia a íntegra das análises


João Maia, jornal O Jogo


Pepa, enquanto treinador, é, seguramente, dos poucos casos em Portugal de alguém que veio do Distrital até à I Liga. Como jogador, foi um nome relativamente conhecido por ter prometido muito no início da carreira. No primeiro jogo pelo Benfica, marcou um gol e não tardaram a surgir comparações a Eusébio. Apesar dessa notoriedade precoce, nunca conseguiu comprovar o potencial que lhe preconizavam e, tal como o próprio já admitiu em várias entrevistas, o pior que lhe aconteceu foi ter marcado naquele dia de janeiro, em 1999, contra o Rio Ave. Teve várias lesões, gastou muito do que recebeu, como jogador, e talvez tudo isto o tenha lançado para uma carreira de treinador logo após ter pendurado as chuteiras.

Depois de alguns anos em escalões de formação, a oportunidade de liderar uma equipe principal chegou em 2013/14, pela mão da Sanjoanense, que estava na I Divisão distrital de Aveiro. Pegou num grupo constituído, quase na sua maioria, por atletas da formação. Nessa altura, tinha 20 anos e estava na faculdade de Ciências da Comunicação, longe de imaginar que, mais tarde, seria jornalista de O JOGO. Contudo, por ser natural de São João da Madeira e adepto da Sanjoanense, segui de perto essas primeiras pisadas do Pepa.

Recordo-me do primeiro jogo que fez, na Taça de Portugal, em Ribeirão, um clube que estava numa divisão acima e era candidato à subida à II Liga. A Sanjoanense perdeu 6-0 e a qualidade do plantel era, de fato, muito abaixo do desejável. Não obstante, o Pepa fez daquele grupo, uma equipa de campeões e venceu o Distrital e a Supertaça Distrital de Aveiro. Na época seguinte, conseguiu a permanência.

O que mais retive desses primeiros tempos foi um treinador muito forte na comunicação. Trazia ar fresco e um discurso diferente. Mas também trouxe métodos evoluídos e uma forma de trabalhar superior a qualquer outra, num contexto de Distrital. Na carreira, conta com três despedimentos: um no Feirense, quando estava perto dos lugares de subida, um Moreirense (só orientou 12 jogos) e outro no V. Guimarães, às portas do início do campeonato desta temporada, em desacordo com a política desportiva do clube.

Conseguiu, quase sempre, cumprir com os objetivos nas equipas onde esteve. No Feirense, ficou a sensação que, se não saísse, o clube iria atingir, na mesma, a subida, algo que veio a conseguir. No Tondela, manteve o clube na I Liga durante os três anos que lá esteve. No Paços de Ferreira, entrou já com a carruagem em andamento, conseguiu a permanência e, no ano seguinte, qualificou o clube para as competições europeias.

É um treinador que consegue ter uma boa relação com os jogadores, sem abdicar de uma postura frontal e sincera. É forte na forma como consegue motivar a equipa e extrair o melhor de cada um e como consegue fazer dos grupos famílias. Vai ao mais ínfimo detalhe na preparação de cada treino e de cada jogo, porém precisa de tempo para incutir a sua ideia, o que nem sempre há no futebol. Se o tiver, podem contar ver um Cruzeiro que vai privilegiar o futebol apoiado, de posse, organizado e ofensivo.

Por último, destaco-lhe as qualidades humanas, pois Pepa teve um gesto que jamais esquecerei. No seu segundo ano de Sanjoanense, esteve para ser despedido, mas os jogadores, com salários em atraso, pediram-lhe para ficar e vieram ter com o meu pai, que já tinha sido presidente e chefe do departamento do futebol, para que terminasse a época. O meu pai voltou ao clube e construiu uma grande relação de amizade com o Pepa, que se manteve até à data do seu falecimento, a 12 de maio de 2022.

O meu pai lidou com uma doença oncológica durante cerca de seis anos e, na primeira vez que foi operado, recebeu a visita do Pepa no hospital, quando ele treinava o Tondela. Nunca se esquecia de, de vez em quando, mandar uma mensagem ou fazer um telefonema a perguntar pelo estado de saúde do meu pai. E continua a ser um treinador que não se esquece de quem o ajudou.

Pepa em seu primeiro dia de trabalho na Toca da Raposa II
foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Pepa em seu primeiro dia de trabalho na Toca da Raposa II



José Miguel Machado, jornal Record


Pepa é um treinador com método. Muito minucioso, atento aos prognósticos e demonstra cuidado na preparação das equipes. Constrói uma relação forte com os jogadores, gosta de ter o vestiário na mão. Não quero fazer grandes comparações, mas tem semelhanças na forma de trabalhar com Abel Ferreira, do Palmeiras.

Em Portugal, (Pepa) teve excelente trabalho com o Tondela. Depois, deu um salto ao Vitória de Guimarães. No Vitória foi apenas uma época, porém de crescimento, pois o time melhorou e ficou mais parecido com ele. Depois, houve um diferendo com a direção para a segunda época.

Fiz uma entrevista com o Pepa quando ele estava no Al-Tai, da Arábia Saudita. Ele disse que não teve tempo para colocar as coisas como desejava. Um projeto demanda tempo, e faltou esse tempo no Vitória.

Pepa tinha certeza que a segunda época seria melhor que a priimeira, mas mesmo assim foi uma primeira época em que cumpriu o objetivo de qualificação para as provas europeias (Conference League).

No Cruzeiro será isso, ele precisará de tempo. Sei que no Brasil se dá pouco tempo aos treinadores e aos projetos, mas acho que o Pepa precisará de algum tempo para impor suas ideias, algo que possivelmente faltou na Arábia Saudita, pois ele acabou por sair muito cedo, quando a equipe não estava nem tão mal na classificação.

Se tiver esse tempo, conseguirá colocar o Cruzeiro a jogar bom futebol. É um treinador que valoriza uma equipe com posse de bola e joga habitualmente no 4-3-3, seu sistema predileto. Foi o que apresentou no Vitória e no Tondela.

Dentro disso, acredito que (Pepa) possa ter sucesso no Brasil, é mais um treinador português a dar um salto no Brasil. Se as coisas começarem a correr bem, pode deixar uma marca no país.

Comparo Pepa ao Abel, porque são traços idênticos de como lidar com o grupo, de passar mensagens. É um treinador que tem essa vontade de deixar marcas, de mobilizar os jogadores por meio do discurso. Pode ser por aí que possa vir a ter o sucesso.



Pedro Cadima, jornal O Jogo


É um treinador bastante interessante que subiu muito na carreira. Teve sucesso na Sanjoanense, na terceira divisão, depois no Feirense, na segunda divisão, e a partir daí começou a aparecer em destaque no Tondela, no qual conseguiu permanências com um orçamento limitado. Em clube afastado das grandes metrópoles, escondido, (Pepa) conseguiu fazer milagres.

Outro milagre foi com o Paços de Ferreira, no qual ele apanhou a equipe numa posição muito má, com poucas hipóteses de sair da linha de baixo e com um plantel curto, e a equipe conseguiu chegar.

Com o tempo, Pepa colocou a equipe a jogar bom futebol, a ter resultados interessantes e a permanecer de forma tranquila. Manteve-se o trabalho no Paços com uma posição muito boa na época seguinte. Depois, teve oportunidade no Vitória de Guimarães, em uma época mais mediana em relação aos objetivos da equipe.

(O Vitória é) um pouco mais ambicioso, um clube complicado e com conflitos internos. Um clube com dificuldade financeira nos últimos tempos, não teve meios para fazer melhor, pois o plantel era limitado e havia muitos jovens da formação. Faltou algo em Guimarães tanto em resultados quanto na capacidade emocional de ganhar algumas confidências e de lidar com algum tipo de fracasso.

Pepa é muito expressivo, muito capaz de explicar o jogo, atrevido e intenso a acompanhar o jogo. Em Guimarães ele teve essa intensidade, mas às vezes faltou algum registro diferente.

Em termos de oportunidade, é alguém que não faz atrito com jogadores e consegue unir bastante o vestiário. Os jogadores o apreciam, pois ele tem uma parte psicológica forte, sempre com alguma mensagem, eles elogiam isso, é um treinador que cria laços.

Embora não seja de atritos, (Pepa) dá seus murros na mesa quando os clubes não lhe oferecem condições que estão estabelecidas. Ocorreu isso em Guimarães, a administração da época bateu a porta quando entrou um novo presidente, as regras do jogo mudaram, e ele não quis ficar lá mais. A direção também não quis contar com ele porque ele não estava disponível para seguir as linhas traçadas. Houve uma ruptura.

O Pepa, quando as coisas não estão bem, não fica de bico calado. Ele fará a defesa do grupo se for necessário. Polêmico não será, mas eventualmente é muito emotivo no jogo, tem algumas expulsões, vive o jogo, pode perder um bocadinho a razão com alguns árbitros, mas faz parte da exigência dele.

É um treinador muito rápido a agir nas definições, penso que tem vitalidade para lidar com pressão e estar em clubes com objetivos fortes. O trabalho dele passa por um jogo de posse, de muita pressão, mas joga em função das características dos jogadores que possui no grupo. Ele molda o perfil de acordo com as características dos atletas.



Bruno Freitas, jornal Record e Rádio Santiago


O Pepa chegou muito bem referenciado ao Vitória, um clube que, depois dos três grandes - Benfica, Porto e Sporting -, leva mais adeptos ao estádio. O Vitória tem uma rivalidade muito grande com o Braga e, embora tenha lhe faltado alguns títulos, conta com o apoio de sua massa e sem dúvidas é o quarto grande.

Quando Pepa chegou ao Vitória, em 2021, depois de uma passagem por um clube modesto, o Paços de Ferreira, disse que seria o maior desafio de sua carreira como treinador. O Vitória é um time que eventualmente luta pelo top 5 da classificação e tem ambições em estar nas finais da Taça de Portugal e da Taça da Liga. Por isso Pepa disse que seria um grande desafio.

Esse desafio teve algumas contrariedades, pois o plantel não tinha os jogadores que ele desjava. Acabou por encontrar o clube em um ano de mudança: foi contratado por um presidente, Miguel Pinto Lisboa, que foi substituído por António Miguel Cardoso em uma eleição feita aqui em Guimarães de três em três anos.

O Pepa acabou por ter que lidar com essa turbulência criada pelas eleições. Percebeu-se também que ele condicionou o seu trabalho. Ainda assim, ele cumpriu grande parte dos objetivos e ajudou a potencializar jovens jogadores para a equipe principal.

Em termos de campeonato, não foi além de um sexto lugar, aquém das expectativas da diretoria. Ainda assim, o Vitória acabou por conseguir chegar às competições europeias, na Liga Conferência Europa.

Pepa tinha mais um ano de contrato com o Vitória, mas, no verão, com a temporada já a ser preparada, acabou por ser demitido com alguma surpresa. Mas já se percebia um mal-estar entre Pepa e a atual administração do Vitória. Ele foi substituído por Moreno Teixeira, que dirigia a equipe B do Vitória.

O que ficou desse legado do Pepa? Pelos números, percebeu-se que foi uma época mediana para as ambições do Vitória no que diz respeito ao campeonato, embora a equipe tenha passado por momentos muito bons durante a época, mas oscilava com outros menos constantes que levaram a equipe ao sexto lugar, não agradando tanto os adeptos.

Nas taças o Vitória também ficou aquém daquilo que era pretendido, sobretudo na Taça de Portugal. É sempre uma ambição do clube estar na final da Taça de Portugal, porém caiu na quarta eliminatória, tendo disputado apenas dois jogos na competição. Na Taça da Liga também acabou por ser eliminado precocemente.

O treinador teve papel importante para potencializar jovens, caso de Miguel Maga, lateral-direito que aparece na equipe principal do Vitória, e jogadores como Afonso Freitas, André Amaro e Hélder Sá.

No Vitória, acabou por ser o 'copo meio vazio e o meio cheio'. Há quem olhe que ele conseguiu grande parte dos objetivos, e outros pensam que ele poderia ter alcançado algo mais.

Ele entusiasmou os adeptos do Vitória em grande parte da temporada, mas na reta final acabou por não conseguir mais que um sexto lugar. E o Vitória luta pelo menos por um lugar entre os cinco mais bem colocados.

Pepa no Cruzeiro? Técnico vira meme



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