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Mineirão: repasses do governo à Minas Arena atingem R$ 1 bilhão; confira

De 2013 a fevereiro deste ano, o Estado repassou à administradora do Gigante da Pampulha R$1.020.111.285,37 pelo contrato de reconstrução da arena

04/04/2022 05:00 / atualizado em 04/04/2022 08:52
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Mineirão: estádio moderno e altos custos aos cofres públicos
foto: Secopa/Divulgação

Mineirão: estádio moderno e altos custos aos cofres públicos


Desde 2013, o governo de Minas Gerais já repassou à Minas Arena mais de R$ 1 bilhão (R$ 1.020.111.285,37) pelo contrato de reconstrução e administração do estádio Mineirão. Só em janeiro a administradora recebeu R$ 6.786.642,11. Os dados, obtidos com exclusividade pelo Superesportes, são oficiais e consideram os pagamentos feitos até fevereiro último.

A empresa ainda será remunerada pelos cofres públicos por um longo período. De acordo com o contrato, o Estado mineiro gratificará a Minas Arena todo mês durante o tempo de vigência da concessão: 27 anos – esse prazo pode ser prorrogado para 35 anos. 

O depósito da maior parcela mensal pelo governo à Minas Arena ocorreu em janeiro de 2013, quando houve o início do repasse: R$ 13.199.193,49.

Em todos os meses de 2013, os valores mensais ficaram acima dos R$ 11 milhões cada. O mesmo ocorreu em 2014 e 2015. Em 2016, a quantia dos depósitos do governo começou a cair. A partir de abril, atingiu o valor de R$ 8,8 milhões ao mês. Entre 2017 e 2020, ficou entre R$ 7 milhões e R$ 9 milhões mensal. No ano passado, os repasses atingiram R$ 6 milhões.

Veja todos os dados na tabela abaixo:



O dinheiro foi usado pela administradora para o pagamento da obra de modernização do estádio, que foi fechado em junho de 2010 e reaberto em dezembro de 2012, bem como para a sua manutenção. Na época, o valor assinado do contrato foi de R$ 677.353.021,85.

A Minas Arena é o consórcio formado pelas empresas de engenharia Construcap, Egesa e HAP. Em 2011, o grupo de empreiteiras assinou contrato de financiamento no valor de R$ 400 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com taxas de 2,34% ao ano naquela época, para tocar a obra.

Para facilitar empréstimos, o governo federal criou o programa BNDES ProCopa Arenas, com juros baixos. De acordo com informações do BNDES à reportagem, a Minas Arena "liquidou as obrigações financeiras do contrato integralmente no dia 30 de julho de 2020".

O Mineirão visto de cima, desde a sua construção

Entenda o cálculo para a remuneração


A Minas Arena recebe duas parcelas mensais do governo: remuneração pelos investimentos realizados pela concessionária (Pa), mais a gratificação pela execução do objetivo e por parte dos aportes feitos que excedam o montante citado anteriormente (Pb) e o fator por desempenho da concessionária (i), além de um ajuste sazonal anual.

Dessa forma, a parcela mensal é calculada com a seguinte fórmula: PM = Pa + (Pb * i). Todas essas informações estão no contrato, que é público.

Em todos os meses a parcela (Pa) foi paga. Segundo o acordo, a Pa terá duração de 120 meses e se refere ao investimento feito pela concessionária. Sendo assim, este é o último ano de vigência deste repasse de modo que, a partir de 2023, a concessionária será remunerada apenas com base em seu desempenho operacional.

Já a Pb, que mede a avaliação do Mineirão, só não foi depositada em dois meses desde o início do contrato.

Quando há superávit (margem operacional positiva) acima do valor de referência estabelecido contratualmente, ocorre o compartilhamento de receitas da Minas Arena com o Estado. Houve compartilhamento de receitas em apenas dois meses: novembro (R$ 2.281.660,50) e dezembro de 2021 (R$ 567.817,35).

Veja na tabela abaixo:



O contrato diz que os repasses para pagamento da parcela de investimento (Pa) foram calculados "com base nos critérios estabelecidos pelo BNDES para financiamento de operações diretas, cujas condições financeiras estimadas são: taxa de juros final ao tomador de 8,3%". Essa taxa é superior ao juros que a concessionária pagou (2,3%) ao BNDES.

A parcela Pb é paga de acordo com mensuração do desempenho da Minas Arena, que leva em consideração margem operacional da empresa e índices de desempenhos, como qualidade, disponibilidade, conformidade e financeiro.

De acordo com a cláusula 26 do contrato com o Estado, "a concessionária deverá compartilhar com o poder concedente os ganhos econômicos que obtiver pela execução do contrato, sejam os decorrentes da eficiência empresarial da concessionária na exploração do Complexo Mineirão, sejam os decorrentes de novos empreendimentos comerciais desenvolvidos sob sua responsabilidade".

Imagens da cerimônia de reinauguração do Mineirão

Posição da Minas Arena


Com mais de R$ 1 bilhão de repasse, a Minas Arena já conseguiu reaver seus investimentos? A empresa enviou uma nota à reportagem com a seguinte resposta: "O período para a recuperação do investimento ainda está em curso. Os repasses acontecem exatamente como foram previstos no edital da licitação e no Contrato de PPP, sendo as parcelas mensais um ressarcimento dos valores investidos na reforma, modernização e operação do estádio, que acontecerão durante a vigência da concessão. Vale lembrar que uma parte deste pagamento depende do desempenho da concessionária. Ou seja, se a Minas Arena não tiver um bom desempenho, ela ainda pode sofrer cortes nestas parcelas mensais".

A empresa ainda alega que, "desde 2013, apurou várias vezes margem operacional positiva na mensuração de seu desempenho, o que acarretou compartilhamento de ganhos com o Estado e consequente desconto no valor dos repasses realizados à Minas Arena".

A reportagem ainda questionou o que a Minas Arena tem feito para ter uma administração sustentável financeiramente. "O Mineirão é uma arena multiuso, reconhecida nacionalmente como a mais bem-sucedida arena entre os 12 estádios da Copa do Mundo de 2014. Planejado inicialmente para receber preferencialmente jogos de futebol, o estádio se tornou um palco multiuso referência no país, que realiza mais de 200 eventos por ano, alguns deles de forma simultânea a jogos, em seus diferentes espaços. Para 2022, estão previstos mais de 20 festivais e quase 50 shows, sendo sete atrações internacionais. O Mineirão, ao mesmo tempo, não perdeu sua essência, contribuindo diretamente para as conquistas regionais, nacionais e internacionais de Atlético e Cruzeiro nos últimos anos", disse a empresa, em nota.

O futuro promete ser mais incerto para o Mineirão em rendas que não sejam públicas, pois o Atlético já marcou data para inaugurar o seu estádio: 25 de março de 2023. O Galo diz que a Arena MRV será a mais tecnológica da América do Sul. Dessa forma, o Gigante da Pampulha terá novo concorrente em jogos e eventos, em Belo Horizonte.

Quais são os caminhos do Mineirão diante dessa nova realidade? "O Mineirão se reinventou e virou referência como casa de shows e espetáculos, além do futebol. Mesmo que tenha sido reformado com a prerrogativa de que receberia os dois maiores clubes de Minas Gerais, entre 2013 e 2019, o Mineirão trabalhou sem a presença do Atlético como cliente fiel. Caso o Atlético tenha o seu estádio próprio, a Minas Arena continuará explorando o Mineirão como uma arena multiuso, realizando os mais diversos eventos, e manterá sua relação com o Cruzeiro e demais times mineiros, como sempre fez no futebol", disse a Minas Arena, em nota.

Fotos noturnas das obras do Mineirão


Noticiário negativo


Foi corrente no noticiário dos últimos anos suspeitas de irregularidades envolvendo o Mineirão. Em 2011, um relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE ) de Minas Gerais apontou indícios de superfaturamento nas reconstrução do estádio. Na época, a Minas Arena negou qualquer improcedência. A acusação não teve prosseguimento.

Em 2017, o empresário Joesley Batista afirmou à Procuradoria-Geral da República (PGR) que pagou R$ 30 milhões em propina a Fernando Pimentel (PT) para suposto caixa 2 de campanha via a HAP Engenharia, uma das empresas do consórcio Minas Arena. "Ele [Pimentel] me recebeu lá no hangar mesmo, R$ 30 milhões, tudo bem. Para viabilizar, ele me apresentou um sujeito, que era o dono de uma construtora, que me vendeu 3% de um estádio (Mineirão)", disse Batista na delação.

Ainda naquela época, a Minas Arena afirmou que J&F e JBS não são acionistas do estádio e alegou não ter recebido autorizações necessárias para formalização de compra e venda de ações. Por sua vez, Pimentel negou as acusações. O caso não prosperou na Justiça.

Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a investigação sobre o dinheiro público destinado ao Mineirão sempre foi assunto entre os deputados, mas nunca avançou. Em 2019, os políticos coletaram as assinaturas necessárias para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a Minas Arena. 

Em maio daquele ano, houve a instalação da comissão – autorização para a investigação parlamentar. Apesar disso, o comitê de inquérito nem sequer chegou a funcionar na ALMG. Para que isso ocorra, é preciso que haja sessão inaugural, na qual são escolhidos presidente, vice-presidente e relator.

A concepção da parceria público-privada para a construção do Mineirão teve origem no governo de Aécio Neves (PSDB), que ficou na gestão do Estado de janeiro de 2003 a março de 2010. As obras foram iniciadas e concluídas no governo de Antonio Anastasia, então no PSDB (março de 2010 - abril de 2014).

Também passaram pela Cidade Administrativa e cumpriram o contrato com os pagamentos à Minas Arena: Alberto Pinto Coelho, então no PP (abril de 2014 - dezembro de 2014), Fernando Pimentel (2015 - 2018) e Romeu Zema, do Novo (2019 - 2022).

Mineirão: a ascensão do futebol mineiro

Cruzeiro surpreendeu o mundo ao bater o Santos de Pelé
foto: Arquivo/O Cruzeiro

Cruzeiro surpreendeu o mundo ao bater o Santos de Pelé



O Gigante da Pampulha foi inaugurado em 1965 e representou uma nova fase para o futebol mineiro. Os estádios Alameda, na área hospitalar, do América; Antônio Carlos, em Lourdes, do Atlético; Juscelino Kubitschek, no Barro Preto, do Cruzeiro; e o Independência, no Horto, do Sete de Setembro, comportavam públicos modestos e havia uma inquietude na capital mineira para construir um estádio grande para o futebol no estado.

Logo nos primeiros anos após a inauguração do Mineirão, Atlético e Cruzeiro mostraram que iriam polarizar a força esportiva em Minas Gerais.

Em 1966, o Cruzeiro conquistou a Taça Brasil, agora reconhecida como Campeonato Brasileiro. Aquela geração de ouro celeste, que tinha Raul, Procópio, Piazza, Tostão, Evaldo e Dirceu Lopes, entre outros, chamou atenção do Brasil ao vencer, de forma avassaladora, o Santos na decisão da Taça Brasil. O time praiano exercia uma soberania nacional de cinco anos. Liderado por Pelé, conquistou os brasileiros de 1961, 1962, 1963, 1964 e 1965, além de ter vencido o Mundial em 1962 e 1963. Toda a campanha passou pelo Gigante da Pampulha.

Por sua vez, o Atlético conquistou o primeiro título de campeão brasileiro em 1971, originalmente denominado Campeonato Nacional de Clubes pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Por muito tempo, esse foi considerado o primeiro Brasileirão. No triangular final, o Atlético conseguiu bater um gigante do Rio de Janeiro (Botafogo) e outro de São Paulo (São Paulo). Aquele Galo era formado por bons jogadores, como Humberto Ramo, Ronaldo e Dario, entre outros, além do brilhante técnico Telê Santana.

Mineirão lotado para jogo entre Galo e São Paulo em 1971
foto: Arquivo/Estado de Minas

Mineirão lotado para jogo entre Galo e São Paulo em 1971



Com o passar dos anos, Atlético e Cruzeiro conquistaram várias taças e se tornaram dois dos maiores clubes do Brasil. Tudo isso, com o Mineirão como palco das voltas olímpicas da dupla do estado. Comer o tradicional tropeiro e acompanhar o jogo do time de coração no Gigante da Pampulha virou um hábito cultural dos torcedores do estado. 

Em várias oportunidades, o Mineirão recebeu a Seleção Brasileira. Desde a inauguração, foram 27 jogos: 19 vitórias, cinco empates e apenas três derrotas. O Brasil marcou 60 gols e sofreu 30. A derrota mais vexatória da história da equipe brasileira foi disputada no Gigante da Pampulha. A goleada sofrida pela Alemanha, por 7 a 1, na Copa do Mundo de 2014, virou um jogo que nunca será esquecido.

O maior de todos os tempos também deixou sua marca no Mineirão. Entre 1966 e 1974, Pelé jogou 17 vezes no Mineirão (sete vitórias, dois empates e oito derrotas). Nascido em Três Corações, o Rei do Futebol balançou as redes do principal estádio de seu estado natal cinco vezes, sendo duas pela Seleção Brasileira.

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