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JUDÔ

Um ippon nos desafios

De origem carente, atleta enfrenta maratona para treinar três vezes por semana em BH e colhe os frutos, como o vice-campeonato mineiro. Ela diz que sonha com as olimpíadas

postado em 26/04/2014 11:00 / atualizado em 26/04/2014 11:04

Ivan Drummond /Estado de Minas

 (ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS)

Há quem diga que a paixão pelo esporte, assim como a fé, move montanhas. Foi isso o que uniu uma judoca, Sabrina Isabely Silva, de 19 anos, a um professor, Geraldo Brandão. De uma academia simples, ela se sagrou vice-campeã mineira na categoria meio-pesado (acima de seu peso), na semana passada. Em 2013, foi campeã dos Jogos de Minas Gerais na categoria médio, o que lhe garantiu a classificação para os Jogos Abertos Brasileiros (JABs). Não foi nada fácil chegar a esses resultados. Filha de uma empregada doméstica, com recursos financeiros limitados, ela vive em Lagoa Santa, na Grande BH, com a mãe e dois irmãos. Foi praticamente “adotada” pelo mestre, que lhe assegura o dinheiro de dois ônibus e uma passagem de metrô para que possa treinar três vezes por semana, na Academia de Judô São Geraldo, em Belo Horizonte.

A história de Sabrina com o judô começou aos 12 anos, em 2007, quando foi para o Projeto Avançar, da Infraero, instalado no Aeroporto de Confins. “Eu estudava na Escola Herculano Liberato, aqui no Bairro Aeronautas, em Lagoa Santa. Eles deram um prêmio aos bons alunos, indicando para o Avançar. Tinha notas boas e, por isso, pude participar. Ainda mais que era o judô, que queria muito. Fiquei com medo de não ser escolhida. Ficava perguntando para as minhas colegas se iria ser aceita. Veio o grande dia e eu estava entre as escolhidas. Foi um dos melhores dias da minha vida.”

Sabrina passou a treinar de segunda a sexta-feira. Tinha a ajuda da Prefeitura de Santa Luzia, que oferecia transporte e lanche. O quimono era bancado pela Infraero. Aos 15 anos, ela passou a trabalhar no Avançar, ajudando na parte administrativa. “Era para ter saído, mas fui ficando. Nem todo mundo chega aos 18 anos dentro do projeto.”

E veio o dia do adeus. Com maioridade em janeiro do ano passado, recebeu a notícia de que seria desligada. “Fiquei triste, muito triste, pois minha vida é o judô. Tenho uma grande paixão pelo esporte.” Mas não desistiu. “Comecei a procurar academias, mas não conseguia nenhuma. Fui atrás do Luciano Corrêa. Falei com ele que queria muito continuar lutando. Ele tentou me ajudar. Disse que no Minas não daria, pois a equipe já estava montada. No projeto dele, numa escola no Bairro Sagrada Família, também não daria, por causa da idade. Foi então que tive a ideia de procurar o sensei Brandão e ele me ajudou.” Ela o conheceu durante competições.

 (ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS)

O lugar para treinar estava resolvido, mas havia um problema: a falta de recursos para viajar de Lagoa Santa a Belo Horizonte. Veio a ajuda do professor. Para fazer essa viagem, era preciso R$ 20 por dia. Sabrina usa, primeiro, um ônibus de horários irregulares, que a leva de casa até a rodoviária de Lagoa Santa. São 15 minutos de percurso. Na rodoviária, o segundo coletivo – mais 40 minutos até a Estação Vilarinho do Metrô. Dali, 20 minutos até a Estação Santa Inês, de onde faz 10 minutos de caminhada até a academia.

“Antes de descobrir o metrô era pior, pois ia até a rodoviária e depois tomava o ônibus para o São Geraldo. De casa até o treino eram mais ou menos umas três horas. O treino começa às 19h. Então, para chegar a tempo, tinha de sair às 15h”, conta.

A volta para Lagoa Santa também é complicada. “Hoje tenho carona até a rodoviária. No início, o sensei ficava procurando, entre os alunos, quem ia me levar”. De lá, são dois ônibus. “Se conseguir pegar o das 21h40, chego lá pelas 23h em casa. Se não, só à meia-noite.”

Sabrina mora perto da madrinha, Edna Lopes, de 64 anos, que se preocupa com ela. “Ele chega tarde do treino. Desce na pracinha e vem a pé, uns 10 minutos. É perigoso, pois o caminho é muito ermo e tem muito lote vago no trajeto. Mas Deus vai ajudar que tudo vai dar certo na vida dela.”

 (ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS)
A vida de sabrina também é feita de sonhos. Quer seguir com o judô e, claro, ser uma campeã. “Eu conquistei o título dos Jogos de Minas, em Varginha. Estou classificada para o JABs. Quero muito ir. A partir daí, acho que posso pensar em ir mais à frente. Tenho o sonho olímpico.”


EQUILÍBRIO ACIMA DE TUDO
A relação do sensei Brandão com Sabrina é quase de pai e filha. Um dia, quando ia embora do treino, já no Centro de BH, se dirigindo a pé para a rodoviária, dois homens tentaram abordá-la. Assustada, ela começou a andar apressadamente e ligou para Brandão. Quem imaginava uma reação explosiva, se enganou. Ele mandou que ela corresse. Sabrina conseguiu chegar ao destino depois de pedir ajuda a dois policiais. “Não fiquei mais sossegado. Ficava tentando ligar, para saber como ela estava. Eu aqui no São Geraldo e ela no Centro. Só fiquei tranquilo quando ela me disse que estava tudo bem”, conta Brandão. Com ela não foi diferente. “Só pensei nele, em ligar para saber o que fazia.”


“Fico muito chateada com a falta de ajuda. Eu tive de sair do Projeto Avança, assim como um monte de gente, por causa da idade. O problema é que a maioria não tem como arcar com a despesa de treinar em BH. Minha irmã, Letícia, de 18 anos, é uma dessas pessoas que largaram o judô por falta de condições”

“Eu quero muito continuar lutando. Queria treinar todos os dias. Não tenho condições para isso. Quero disputar o Mineiro, o Brasileiro, chegar a um Grand Prix, um Grand Slam, um Mundial, ser campeã olímpica. Alimento esses sonhos e espero conseguir. Não sei como, mas não vou desistir nunca do judô”

“Minha vida vai ficar mais complicada, pois já resolvi que vou fazer um curso técnico, de informática, que vai terminar por volta das 11h. Depois disso, vou ter um estágio nessa área. Aí, depois, quero ir para o treino de judô, com o sensei Brandão. Não sei como vai ser isso, mas vou fazer. Quero muito”