Todo esse lance mágico durou 28 segundos. Tão eternizados, que foram eleitos pela Fifa como o gol mais coletivo de todos os tempos. Minha mãe salta e, ao cair, quebra o sofá. Mas não era por menos. O Brasil balançava pela quarta vez as redes da Itália, aos 41min do segundo tempo, e sacramentava a conquista da Taça Jules Rimet. Era tricampeão mundial na Copa do México’1970.
Pouco depois, o gramado é invadido por torcedores, que agarram os jogadores brasileiros. Tomam a chuteira de Carlos Alberto. O lateral foi ao vestiário, vestiu-se novamente e retornou para receber e erguer a taça, repetindo um gesto feito pela primeira vez por Bellini, outro capitão da Seleção Brasileira, em 1958.
“No sentido objetivo, o gol não valeu nada, pois já era uma vitória indiscutível por 3 a 1. Mas o lance foi uma apoteose que coube justamente ao capitão. Tinha algo de mágico ali, como se existisse um roteiro escrito para o desfecho ser daquele jeito: uma celebração do futebol coletivo, da posse de bola, do virtuosismo”, sintetiza o escritor mineiro Sérgio Rodrigues, autor de O Drible.
Carlos Alberto, morto ontem, aos 72 anos, não era apenas o capitão da Seleção. Era um líder dentro de campo. Chamava a atenção de qualquer jogador. Até mesmo de Pelé. Gérson, o “Canhotinha de Ouro”, costuma dizer que a palavra de Carlos Alberto era a final, que ninguém contestava.
Foi ele o responsável por uma nova era para os laterais-direitos, que passaram a apoiar o ataque. Até sua geração, jogador dessa posição não podia atuar ofensivamente. Mas mesmo com ordem contrária dos treinadores, o “Capita”, como era chamado por muitos companheiros, não obedecia. Era o quinto atacante. Ajudava a armar o time. Cruzava como poucos.
INFLUENTE Parte do sucesso da Seleção Brasileira de 70 inegavelmente se deve a ele. Pois interferiu diretamente na escalação. Zagallo havia acabado de assumir o comando técnico, substituindo João Saldanha. Mudou a escalação. Colocou Roberto de centroavante, tirando Tostão. Isso não agradou ao capitão, então aos 25 anos. E na fase final de treinamento, antes do amistoso contra o León, no México, ao lado de Gérson e Pelé, chamou Zagallo num canto e disparou: “Vai jogar o Tostão no lugar do Roberto. Estamos mais acostumados. Assim é melhor para o time.” O Brasil entra em campo e novamente a dupla que fez sucesso nas Eliminatórias de 1969, Pelé e Tostão, estava junta. O restante entrou para a história. E Carlos Alberto é, definitivamente, uma de suas melhores representações simbólicas.
LINHA DO TEMPO
1944
Nasce em 17 de julho, no Rio
1962
Estreia no profissional pelo Fluminense
1963
Campeão pan-americano com a Seleção Brasileira
1964
Campeão carioca pelo Fluminense
1965
Transfere-se para o Santos. Em duas passagens, até 1976, foram nove títulos: duas Taça Brasil (1965 e 1968), cinco paulistas (1965, 1967-1969 e 1973), um Rio-São Paulo (1966) e uma Recopa (1968)
1968
Marca seu primeiro gol pela Seleção, na vitória sobre a Tchecoslováquia por 3 a 2, em Bratislava. Conquista a Taça Rio Branco
1970
Capitão da Seleção Brasileira, tricampeã mundial no México
1971
Tem uma curta passagem de três meses pelo Botafogo, emprestado pelo Santos
1975
No retorno ao Fluminense, conquista dois títulos cariocas (1975-76)
1977
Volta à Seleção para a disputa das Eliminatórias. É vendido ao Flamengo e, ao fim do ano, troca o rubro-negro pelo Cosmos, de Nova York
1980
Conquista o tricampeonato norte-americano
1982
Depois de curto empréstimo ao Newport Beach, da Califórnia, ganha o quarto título pelo Cosmos, antes de encerrar a carreira
1983
Como técnico, é campeão brasileiro pelo Flamengo
1984
Campeão carioca pelo Fluminense
1988
Eleito vereador no Rio pelo PDT
1993
De volta ao futebol, conquista a Conmebol treinando o Botafogo
1998
Treina o Atlético em 26 partidas, com 12 vitórias, oito empates e seis derrotas
2005
Última experiência como treinador, no Paysandu
2016
Morre na manhã de 25 de outubro, aos 72 anos, vítima de infarto
REPERCUSSÃO
“Ele era um legítimo capitão. Era um líder nato. Na adversidade, durante um jogo, animava todo mundo, jogava o time pra cima.”
DIRCEU LOPES
“Passamos de 1969 a 2011 sem nos falar. ele comprou uma briga minha com o Saldanha. Mas nos encontramos numa comemoração do tri e ele falou que não sabia por que éramos brigados. Eu disse que também não sabia. a partir daí, sempre nos falávamos.”
DARIO
“Jogamos juntos no Fluminense. Era o maior lateral do mundo, que começou essa história de o lateral apoiar o ataque. contra a Seleção Russa, o Flu estava invicto. Se não perdêssemos, ganharíamos uma semana paga em Roma. Mas o ponta não poderia ficar solto. O Carlos Alberto acabou com ele. Fomos para Roma.”
PROCÓPIO
“Era legal. mandava no time. Na excursão da Seleção em 67, eu estava no banco. Perdíamos para a Alemanha. Ele se virou para o Aimoré Moreira e disse que era para me colocar, pra virar o jogo. Entrei. Terminou 1 a 1. Fui titular o resto da excursão.”
NATAL
“Foi o primeiro lateral que apoiava o ataque. Era um brincalhão. A gente dizia que só tinha tamanho, pra irritar, porque o técnico no juvenil chegou ao absurdo de dizer que ele não daria nada. Mas o Carlos Alberto ajudava o treinador a acertar o time.”
EVALDO