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Bob Faria: 'Sobre sorrir e sofrer'

O problema, no futebol, é que da mesma forma que a alegria contagia no momento de vitória, no momento ruim o ódio se espalha

10/05/2022 07:50 / atualizado em 09/05/2022 21:51
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Bob Faria, colunista do Superesportes
foto: Gladyston Rodrigues/EM/DAPress

Bob Faria, colunista do Superesportes


Vez ou outra me pego pensando sobre a felicidade. E cada vez mais me convenço de que felicidade e momentos felizes são duas coisas completamente diferentes. A felicidade é um conceito utópico, metafísico, monástico e para poucos iluminados. A maioria dos seres humanos jamais experimentará a felicidade plena. Porém, e demos graças por isso, todos nós somos capazes de experimentar momentos de felicidade. E é fácil identificá-los. São aqueles momentos que nós gostaríamos que durassem um pouco mais, que nos trazem a sensação de que a vida pode ser boa e generosa. Um abraço gostoso, um beijo retribuído, um olhar tranquilo, ver alguém que a gente gosta sorrir... Essas coisas. Alguns de nós vivem estes momentos mais raramente, outros mais abundantemente, mas todos temos potencial.

Gosto de pensar isso especialmente nos meus momentos de angústia. Me dá esperança de que vai passar. Pode demorar, pode até parecer uma eternidade, mas a crença de que a vida pulsa me mantém de pé e faz a roda girar.

Vocês sabem como costumo fazer paralelos entre a vida e o esporte. Eu já disse várias vezes como enxergo o futebol como simulacro não só das relações humanas, mas do nosso próprio comportamento individual. Como vamos ao ataque às vezes, a exemplo de um time confiante, outras vezes, como uma equipe receosa por suas limitações, nos fechamos na defesa. Como temos momentos de iluminação como numa jogada individual, e vergonha como se tomássemos um gol por baixo das pernas. E assim a vida se constrói, como num jogo, em fases defensiva, de transição e de ataque.

Tudo isso para dizer o quanto é importante desfrutar dos bons momentos. Quando vem a vitória, quando vem o espetáculo, quando o sorriso se espalha pelo seu lado das arquibancadas, quando o gol faz explodir a boa emoção que há em você. Esses são momentos de felicidade. E estatisticamente, são mais raros do que os de frustração. O que é absolutamente normal.

Nelson Motta escreveu numa linda canção, que "Não haveria som, se não houvesse o silêncio. Não haveria luz se não fosse a escuridão". Eu digo que não haveria grito de gol se a bola estivesse na rede o tempo todo. Não haveria campeão se todos chegassem à frente ao mesmo tempo. A vitória, assim como o momento feliz, deve ser desfrutada, porque não sabemos quando haverá outro. Ou mesmo se haverá.

O problema, no universo do futebol, é que da mesma forma que a alegria contagia no momento de vitória, de felicidade e as pessoas se abraçam, pulam e gritam juntas, no momento ruim o ódio se espalha. E quem não sabe lidar com sentimentos tão naturais quanto frustração e tristeza, transforma isso em violência contra quem não tem nada a ver com a história. Violência verbal e física. E o que é pior, impune.

Pensemos sobre felicidade. Ninguém é feliz o tempo todo. Pensamos sobre sofrimento. Ninguém é infeliz o tempo todo. Mas somos humanos o tempo todo e temos o dever de nos respeitar. Na felicidade e na dor.

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