Gustavo Nolasco
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DA ARQUIBANCADA

Um acalento para o órfão Fábio

Os redutos cruzeirenses são como orfanatos onde a dor comum é estar longe do Mineirão

postado em 28/02/2018 08:30 / atualizado em 28/02/2018 11:40

Ramon Lisboa/EM/D.A Press


Fábio,

sua dor pela partida de seu pai, Seu Docão, ditou o nosso cântico embargado de choro ontem, ecoado em Avellaneda e nos redutos celestes espalhados pelo mundo. Por isso, escrevo essa carta para lhe contar uma história sobre ser órfão. 

Há exatamente uma semana, na Toca da Raposa II, você autografou uma camisa para ser enviada a um torcedor especial. Um órfão de 65 anos, cujo o sonho a acalentar seu coração há mais de seis décadas é o de um dia encontraro pai que o abandonou num orfanato. O nome “Valdemar” é a única pista que ele possui. Esse órfão é Seu Lúcio, o cruzeirense cego da floresta amazônica e que terá sua incrível história transformada em filme por nós do coletivo MEMÓRIA CELESTE. 

Seu Lúcio é completamente alucinado pelo Cruzeiro. E adivinhe quem é o grande ídolo dele? No livro que diariamente escreve num quartinho repleto de pôsteres e faixas de campeão em sua casa, na cidadezinha de Novo Airão, ele digita e escuta a máquina de autodescrição repetir o nome “Fábio” centenas de vezes. 

Ontem, ele viajou conosco. Cortamos a floresta, atravessamos o Rio Negro e chegamos a Manaus para escutarmos juntos a partida contra o Racing. Ao longo do dia, Seu Lúcio, o velho órfão, lembrou do Seu Docão. Inocentemente, soprou uma mensagem de carinho para você, Fábio, como se o vento pudesse levá-la da Amazônia até o Mato Grosso do Sul, onde velava seu pai.

Chegou a noite. O jogo começou. Nas mãos, Seu Lúcio apertava a camisa que você lhe deu. Ele queria muito ter lhe ouvido em campo. “Fáááábio salva o Cruzeiro mais uma vez! A bola tinha endereço certo, mas Fábio fez o improvável, meu Deus!”. Você consegue imaginar quantas vezes, na escuridão da sua cegueira, Seu Lúcio sorriu ao escutar o narrador gritar essas frases?

É sobre acreditar no improvável, acalentar sonhos, que estamos falando, Fábio... Em algum momento do futuro, você sonhará com o milagre de ver novamente Seu Docão surgindo à sua frente para lhe dar um abraço carinhoso. Agora, imagina Seu Lúcio, que não tem sequer a lembrança de afeto do tal “Valdemar” para lembrar e mesmo assim vive feliz?

Fábio, ontem, enquanto acontecia a partida da qual a saudade de Seu Docão o impediu de atuar, Seu Lúcio estava cercado por outros órfãos, no Reduto Celeste Manaus. Os redutos da torcida cruzeirense são como orfanatos onde a dor comum é estar longe do Mineirão. Um lugar onde os órfãos, vestidos com seus mantos sagrados, se internam de forma voluntária. Onde buscamos iguais para trocar lembranças; manter vivas as esperanças pessoais; encontrar outros que também acreditam em milagres e principalmente, usar o amor pelo Cruzeiro como a maneira de construir um lar para chamar de seu. Os redutos celestes são verdadeiras famílias de órfãos.

Ontem, Fábio, no seu segundo dia de menino órfão de pai, o amor pelo Cruzeiro e a solidariedade por sua dor, fizeram Seu Lúcio esquecer um pouco a tristeza de nunca ter conhecido “Valdemar”. Por isso, ídolo, quando a saudade de Seu Docão apertar, lembre-se da sua camisa autografada apertada nas mãos do Seu Lúcio, o menino cruzeirense, órfão, que há seis décadas vive a amar o Cruzeiro e a esperar ao menos um abraço do tal “Valdemar”. 

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