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Como Cuca montou taticamente o Atlético bicampeão brasileiro em 2021

Após um início irregular, treinador encontrou soluções e variações para tornar a defesa alvinegra sólida e fazer brilhar as individualidades ofensivas

04/12/2021 07:00 / atualizado em 04/12/2021 12:10
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Cuca fez profundas modificações no Atlético e levou time ao título brasileiro
foto: Pedro Souza/Atlético

Cuca fez profundas modificações no Atlético e levou time ao título brasileiro

Cuca não é exatamente daqueles técnicos que chegam, causam impacto imediato e já conseguem tirar dos seus times grandes rendimentos. O Atlético de 2011 e o Palmeiras de 2016 são exemplos claros disso. Demora, mas engrena. Com o Galo de 2021, não foi diferente: o treinador teve um início bastante contestável e encontrou dificuldades para transformar um elenco excelente em uma equipe competitiva. Com o tempo, porém, achou soluções para tornar a defesa sólida e fazer brilhar as individualidades ofensivas. Estrategista que é, apostou em variações para enfrentar diferentes adversários e comandou o grupo rumo ao sonhado título do Campeonato Brasileiro. Mas como ele fez isso? O Superesportes tenta, a partir de agora, destrinchar taticamente alguns pontos fundamentais do bicampeão nacional.

  

Variações ofensivas


Há estudiosos do futebol que costumam dizer que os esquemas (4-4-2, 4-2-3-1, 4-3-3 e por aí vai) não passam de uma sequência numérica para definir a posição inicial dos jogadores em campo. Na aleatoriedade organizada que é o esporte, mais importante que a disposição das peças é a ideia de jogo - ou seja, os parâmetros que definem a estratégia de um time nos diferentes momentos da partida.

Como cada atleta deve se comportar na construção ofensiva? E nas bolas paradas? Na transição defensiva? O time vai apostar no ataque posicional? Terá como prioridade a marcação firme e as saídas em contragolpe? Quais os padrões de movimento precisam ser respeitados? Tudo isso, de alguma maneira, ajuda a definir o modelo de jogo de uma equipe.

Apesar de mutáveis, as ideias principais de Cuca para o Atlético foram muito claras ao longo da campanha vitoriosa. O time se propõe a ser ofensivo. Afinal, com as peças que tem - Hulk, Nacho, Zaracho, Diego Costa, Keno, Savarino, entre outros -, não poderia ser diferente.

Everson teve papel fundamental na iniciação das jogadas ofensivas do Atlético
foto: Pedro Souza/Atlético

Everson teve papel fundamental na iniciação das jogadas ofensivas do Atlético


A construção das jogadas nasce com o goleiro Everson, que faz as vezes de jogador de linha com a bola nos pés. Ter o arqueiro como mais uma peça construtora facilita a saída do campo defensivo e é decisivo para uma estratégia de Cuca: atrair a marcação alta adversária e, com isso, apostar em lançamentos ou saídas rápidas pelo chão para explorar as costas adversárias. Não foram poucos os gols que surgiram assim.

Atacar o espaço, aliás, sempre foi marca dos times de Cuca. Com este Galo, isso se repetiu. Os contragolpes - quase sempre com três ou quatro jogadores - deram bons frutos ao time, especialmente aqueles puxados (ou concluídos) por Hulk, Nacho Fernández, Keno e Savarino. O gol da vitória por 1 a 0 sobre o Cuiabá no primeiro turno é um exemplo claro (veja abaixo).


Ao longo do campeonato, porém, os adversários começaram a entender melhor o funcionamento do time. Os espaços foram diminuindo tanto para contra-ataques, quanto para lançamentos longos. Aí é quando os jogos começam a ficar mais "amarrados", contra times que defendem com linhas baixas e muito compactas.

Então, surgem as variações encontradas pela comissão. Tecnicamente, o Atlético tem excelentes jogadores. Mas houve momentos, especialmente ao longo do Campeonato Mineiro, em que a construção contra equipes fechadas foi falha. Cuca, então, trabalhou movimentações fundamentais para quebrar defesas sólidas.

À esquerda, o lateral Guilherme Arana tinha a liberdade de cair da ponta para o meio e entrar na área (veja no vídeo abaixo o gol de Zaracho no 2 a 2 com o Palmeiras, por exemplo). Com ele, os atacantes Eduardo Vargas (no começo) e Keno (na reta final), além do meia Nacho (deslocado para o setor), foram as saídas encontradas por aquele lado.


À direita, Zaracho (muitas vezes como ponta) e Hulk (saindo da posição de centroavante) arrastavam a marcação e abriam espaço para infiltrações internas. O volante Jair foi o elemento surpresa por aquele lado e participou de algumas jogadas de gol, como o cruzamento para Vargas marcar no empate por 1 a 1 com o Palmeiras no Mineirão - foi pela Libertadores, mas o lance exemplifica bem a movimentação do time.

O papel dos centroavantes também foi fundamental. Sobre Hulk, nem é preciso falar: craque e artilheiro do Brasileirão, fez gol de tudo o que é jeito. Centralizado (mas com liberdade de movimentação), cresceu de rendimento. Na reta final da competição, coube a Diego Costa - menos móvel, mas com muito poder de conclusão e força física para fazer o pivô - ocupar o setor. Em outros momentos, o inteligente Eduardo Sasha foi o 'falso 9' necessário para abrir espaços.

Craque e artilheiro do Brasileiro, Hulk foi fundamental na conquista do Atlético
foto: Pedro Souza/Atlético

Craque e artilheiro do Brasileiro, Hulk foi fundamental na conquista do Atlético


Com dois ou três atacantes, um ou dois centroavantes ou com meias abertos pelas pontas, o Atlético apresentou variações ofensivas. Não à toa, passou "em branco" em apenas três dos 35 jogos disputados. São 57 gols marcados, segunda maior marca da competição, atrás apenas do vice-líder Flamengo (66).

Bolas paradas


Por conta da pandemia de COVID-19, o Atlético não permitiu que a imprensa acompanhasse os treinamentos na Cidade do Galo. Pessoas que conseguem ver as atividades no CT alvinegro, porém, afirmam categoricamente que a atenção de Cuca às bolas paradas é um dos pontos altos do trabalho do treinador, a exemplo do que foi em 2012 e 2013.

Com o auxílio da comissão, o comandante disseca o comportamento das defesas adversárias e repassa as informações ao elenco. Isso vale para cobranças de falta e escanteio tanto ofensivas, quanto defensivas. Raríssimos foram os gols sofridos pelo Atlético nesse tipo de lance - embora o último ainda esteja fresco na memória do torcedor, a cabeçada de Manoel na vitória por 2 a 1 diante do Fluminense, nesse domingo.

Em geral, o treinador pede para que, nos escanteios adversários, oito ou nove jogadores do Atlético fiquem na área para marcar - um ou dois podem se deslocar em caso de cobrança curta. Na sobra, mais um ou dois atacantes de velocidade se posicionam para iniciar um eventual contragolpe.

Ofensivamente, as cobranças de falta ensaiadas ainda não deram tão certo como na primeira passagem de Cuca. As de escanteio, por outro lado, foram fundamentais para tirar o time do sufoco em partidas duras. A principal aposta é na estatura dos zagueiros e também do volante Jair com os cruzamentos fechados na primeira trave. O gol de Nathan Silva na derrota por 2 a 1 para o Atlético-GO exemplifica a jogada (assista abaixo).


Por baixo, também saíram boas tramas. Chamou atenção, por exemplo, o gol de empate na vitória por 2 a 1 diante do Cuiabá, no Mineirão. No lance, Keno cobra o escanteio rasteiro e se movimenta por trás da zaga para receber e cruzar rasteiro para Hulk só empurrar para as redes (veja no vídeo a seguir).


Num futebol com cada vez menos espaço, a bola parada decidiu muitos jogos para o Atlético. E essa é, sem dúvidas, uma das forças estratégicas do time campeão.

Marcação e pressão pós-perda


O time repleto de estrelas ofensivas ficou marcado pelo forte poder defensivo. Em 35 jogos disputados até aqui, sofreu 25 gols - ótima média de 0,71, a melhor do campeonato. Para conseguir isso, Cuca implementou mudanças bruscas em relação ao falho sistema adotado por Jorge Sampaoli na temporada 2020, quando o Atlético foi vazado 45 vezes em 38 rodadas (média de 1,18).

Com o argentino, o time se expunha demais. Avançava as linhas e ficava sobrecarregado defensivamente quando perdia a bola. Não à toa, a dupla de zaga - formada na época por Junior Alonso e Réver, que não são rápidos - sofria com os contragolpes e lançamentos rivais.

Assim que chegou à Cidade do Galo, Cuca resolveu modificar a base estrutural da defesa. Com Sampaoli, o sistema era baseado nos encaixes por setor: ou seja, cada atleta era responsável, a princípio, por uma faixa específica do campo. O adversário que aparecesse por ali, portanto, deveria ser marcado pelo jogador designado para aquele espaço. O argentino, como bom bielsista, fazia de tudo para gerar superioridade numérica e, assim, sair vencedor dos embates.

Cuca prefere outras fórmulas. Com ele, a marcação setorizada deu lugar aos encaixes individuais ou a uma marcação híbrida (individual e por setor). Não foram raros os momentos em que se viu jogadores do Atlético deslocados para espaços do campo que, teoricamente, não preencheriam.

Zaracho teve papel fundamental não apenas no ataque, mas também na marcação do Atlético
foto: Pedro Souza/Atlético

Zaracho teve papel fundamental não apenas no ataque, mas também na marcação do Atlético


A versão 2021 do Galo tem na agressividade da marcação outro ponto forte. Especialmente nos jogos em casa, quando o placar ainda não é favorável, o time avançava as linhas (sim, ao estilo Sampaoli), mas com outras estratégias. A pressão pós-perda da posse de bola foi fundamental na construção de vários resultados. Era algo que já se via na temporada anterior, mas foi aprimorada este ano.

Não era, porém, a única forma usada. Ao longo da partida - especialmente após abrir o placar -, o Atlético recua e deixa o adversário trabalhar a bola. Nesses momentos, com a defesa mais compacta, o time tenta explorar os contra-ataques, já mencionados no texto. Raros foram os gols sofridos com essa estratégia em andamento.

O sistema foi, sim, o grande protagonista. Mas não dá para deixar de elogiar o desempenho individual de vários atletas. No gol, Everson viveu o melhor ano da carreira. Fundamental na construção das jogadas, fez também o que mais se exige de um goleiro: apareceu em momentos decisivos com defesas muito importantes.

Na lateral direita, Mariano substituiu Guga, titular indiscutível na temporada anterior. Com atribuições majoritariamente defensivas, o experiente jogador de 35 anos deu a segurança necessária e facilitou o trabalho do ala oposto, Guilherme Arana, no momento ofensivo do time.

O "miolo" da zaga já havia dado sinais de melhora quando a dupla era formada por Igor Rabello e o capitão Junior Alonso, mas atingiu um patamar de excelência quando Cuca decidiu chamar de volta Nathan Silva, que estava emprestado ao Atlético-GO. Estreou diante do Flamengo, já como titular, firmou-se como parceiro ideal do paraguaio e não saiu mais da equipe.

À frente, um trio de meio-campistas completos também teve papel fundamental no ótimo ano da defesa alvinegra. Allan, Jair e Matías Zaracho, cada um com suas características, deram a solidez necessária ao setor mais importante do jogo de futebol.

O primeiro foi o "cão de guarda", principal marcador daquela zona, e contribuiu com qualidade na saída de bola; o segundo se livrou de problemas físicos e brilhou na defesa e também como peça surpresa no ataque; já o terceiro, incansável, percorreu vários setores do campo e foi essencial na criação e na destruição.

Dessa forma - e com vários e vários outros "segredos" de Cuca -, um grande elenco se tornou um time campeão.

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