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O resgate de Fratus: 'Amor, diálogo e compreensão' salvaram atleta do pior

Após frustração no Rio, nadador viveu angústia e pensou em suicídio, mas recuperou a alegria de nadar e viver. Agora, faz apelo por cuidado à saúde mental

Nadador Bruno Fratus conquistou o bronze nos Jogos Olímpicos de Tóquio nos 50m livre
foto: Attila Kisbenedek/AFP

Nadador Bruno Fratus conquistou o bronze nos Jogos Olímpicos de Tóquio nos 50m livre

"O primeiro passo para você ser ajudado de fato é você querer ser ajudado. Escrevam isso, por favor, porque pode fazer a diferença para alguém que não esteja conseguindo ser ajudado".

A frase de Bruno Fratus aos jornalistas foi dita minutos depois da conquista da medalha de bronze na natação nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Mas antes da consagração, o velocista se viu encurralado pelos próprios pensamentos.

Bruno viveu meses em um pesadelo que parecia não ter fim em 2016. No celular, recebia dezenas de ameaças diariamente. E sentiu. Pensou até em abreviar a própria vida.

"Nos dois meses depois do Rio, estava na pior depressão da minha vida, considerando sumir completamente da face da Terra, se é que vocês entendem, de vez", desabafou, minutos depois de conquistar o tão sonhado bronze na noite deste sábado (manhã de domingo no Japão).

Fotos do bronze de Bruno Fratus nos 50m livre

A vida de Bruno Fratus nunca mais foi a mesma depois do sexto lugar nos 50m livre da natação nos Jogos do Rio de Janeiro, em 2016. A decepção por ficar fora do pódio em casa, quando era líder mundial do ranking, deu início a um quadro de depressão.

Ele não conseguia tirar da cabeça a angústia por não ter alcançado o sonho. Na saída da piscina do Estádio Aquático Olímpico, em 2016, não se conteve e respondeu de forma ríspida a uma pergunta da repórter Karin Duarte, do SporTV.

"Sai chateado?", perguntou a jornalista. "Não, estou felizão, né. Fiquei em sexto. Desculpa, né, mas...tô, bastante", ironizou o nadador, visivelmente irritado com o questionamento e o próprio desempenho na piscina.

Nadador viveu drama no ciclo olímpico de Tóquio, onde conquistou o bronze
foto: Oli Scarff/AFP

Nadador viveu drama no ciclo olímpico de Tóquio, onde conquistou o bronze

Nas competições seguintes naquele ano, Fratus nadou para tempos muito piores do que os que costumava fazer. E o corpo sentiu o abatimento psicológico: o nadador foi de 80kg para 92kg.

A partir daquele momento, foi difícil dormir. As autocobranças se misturaram com críticas alheias pelo comportamento na entrevista. Bruno estava sem chão.

O resgate


Mas ele não estava sozinho. O apoio familiar, dos amigos e, em especial, da esposa Michelle Lenhardt o reergueu.

"Foi amor, diálogo, compreensão, a Michelle, meus pais, meu técnico. Eu sou o atleta mais abençoado da face da Terra, porque tenho pais que me incentivaram desde o primeiro momento da minha carreira e sou treinado por minha esposa e por meu melhor amigo", disse.

Ex-nadadora olímpica, a companheira é nove anos mais velha e cumpriu papel fundamental na recuperação psicológica do atleta do Minas Tênis Clube. E passou a trabalhar como treinadora de Fratus.

'Amor, diálogo, compreensão' diz Fratus sobre recuperação psicológica
foto: Odd Andersen/AFP

'Amor, diálogo, compreensão' diz Fratus sobre recuperação psicológica

"A medalha foi construída desde 2016, quando estavam os dois no tapete da sala chorando, sem saber o que ia ser do futuro", conta Michelle.

O resgate de Bruno foi passo a passo. Consultou-se com a psicóloga do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carla di Pierro. E encontrou nas pequenas atividades do dia a dia a força para voltar a sorrir e esquecer a ideia de suicídio.

Em casa, nos Estados Unidos, Bruno e Michelle se divertem cozinhando juntos e cuidando dos cachorros Carlos e Harisson. "São vira-latas. Eu sou totalmente 'adote, não compre'. É difícil não pegar o terceiro, quarto, quinto, sexto (cachorros)", conta o nadador, que também viu na meditação uma forma de lidar com as críticas.

Mas ainda era preciso convencê-lo a seguir em frente para voltar a nadar. E conseguiram. Em 2017, ele aceitou participar do Mundial. Em Budapeste, na Hungria, conquistou a medalha de prata e ganhou um novo ânimo para prosseguir a carreira. E renovou o sonho olímpico para 2021.

A consagração


Quando ouviu seu nome anunciado nas caixas de som do Tokyo Aquatics Centre neste sábado, Bruno não conseguiu esconder o que sentia. A alegria do fluminense de Macaé contagiava quem o via pelas câmeras ou das tribunas na capital japonesa.

Ele estava pronto para viver aquela final intensamente. E desfrutá-la. Aos 32 anos, estava leve e muito menos pressionado do que quando competiu em casa.

Percorreu os 50m da piscina em 21s57. Segundos que tiraram o fôlego e o fizeram entrar para a história. À frente dele, apenas dois velocistas lendários: o estadunidense Caeleb Dressel (21s07) e o francês Florent Manadou (21s55).

Ao se perceber na lista de medalhistas, Bruno não quis sair da piscina. Precisava aproveitar cada instante da tão sonhada consagração.

Bruno Fratus abraçou e beijou o número 3 da raia em que nadou para o bronze
foto: Oli Scarff/AFP

Bruno Fratus abraçou e beijou o número 3 da raia em que nadou para o bronze

Sem companhias conhecidas por perto - em função do protocolo da COVID-19 -, abraçou o número 3 da raia em que nadou para o bronze. Depois, agarrou um trabalhador japonês que nem conhecia e saltou de felicidade.

"Feliz, aliviado, saiu um caminhão das costas, sabe? Estou muito feliz. Aliás, eu tô 'felizão', mas acima de tudo estou muito grato", brincou, em referência ao fantasma de 2016.

Antes de receber a medalha, fez carinho no pódio. Depois, mostrou o bronze aos jornalistas, posou para fotos, beijou a esposa. E sorriu.
 

Fotos: todas as medalhas do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio

 

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