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Historiador cita plano Brandi do Cruzeiro para América voltar a ser grande

Para o doutor Marcus Vinícius Costa Lage, pesquisador da história alviverde, o Coelho deveria se abrir às minorias e deixar de ser o "time para poucos"

23/02/2022 05:00 / atualizado em 23/02/2022 13:14
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Historiador fala sobre a trajetória do América e caminhos para voltar ao primeiro patamar do futebol
foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press

Historiador fala sobre a trajetória do América e caminhos para voltar ao primeiro patamar do futebol


Riscado da lista dos grandes clubes brasileiros desde o início do profissionalismo, nos anos 1930, o América vive na atual temporada um dos momentos mais importantes dos seus 109 anos, com a disputa do seu primeiro jogo de Copa Libertadores, nesta quarta-feira (23). O historiador Marcus Vinícius Costa Lage, que estudou o "mito da decadente história americana" no doutorado, na UFMG, diz que o Coelho pode se inspirar em uma estratégia utilizada pelo rival Cruzeiro na década de 1960 para conquistar novos torcedores e deixar de ser o "time da família" ou o "time para poucos", como dizem as campanhas de marketing do clube nos últimos anos.  

"Enquanto Atlético e Cruzeiro brigam pelo epíteto de 'clube do povo', o América é colocado para escanteio como o clube de um grupinho metido a besta. Isso é muito ruim em termos de marketing. Por outro lado, acredito que o América possa crescer, e muito, ao virar esse jogo simbólico e se projetar como o clube das minorias, das resistências. Como as rendas do América tornam os jogos deficitários, não vejo motivos para diretoria do clube não colocar para dentro do campo quem não tem acesso a lazer", disse Marcus Lage, em entrevista ao Superesportes.




Brandi dirigiu o clube de 1961 a 1982, conquistando o Campeonato Brasileiro de 1966, a Copa Libertadores de 1976 e dez Campeonatos Mineiros (1961, 1965, 1966, 1967, 1968, 1969, 1972, 1973, 1974 e 1975).

Visionário, o dirigente construiu a Toca da Raposa I, em 1973, quando os clubes ainda não davam tanta importância ao centro de treinamento, e fez ações de marketing nas escolas. Nesse período, a torcida celeste cresceu e se tornou uma das maiores do Brasil.

"Como o América ainda não acabou depois de tantos fracassos? É porque o lugar do América está bem delimitado. O que falta é deixar para trás o personalismo, a decadente aristocracia, e ir atrás das minorias, das periferias, dos trabalhadores. Há uma narrativa de que o Felício Brandi levava o time do Cruzeiro para distribuir material escolar alusivo ao clube nas escolas de Belo Horizonte nos anos 1960 e 1970. É sobre isso: ir para rua e levar quem quer para o Indepa", explica Lage. 

Marcus Vinícius Costa Lage e a família no Independência
foto: Divulgação / Arquivo Pessoal

Marcus Vinícius Costa Lage e a família no Independência


América: do domínio ao declínio


O América chegou a ser o time dominante em Belo Horizonte no início do século XX. De 1916 a 1925, o Coelho ostentou o seu polêmico decacampeonato mineiro, feito até hoje inigualável em Minas Gerais – o time alviverde foi homologado campeão de 1925 pela Federação Mineira de Futebol (FMF) em 2012, em um torneio que acabou de forma abrupta e com a tabela indefinida.

A partir dos anos 1930, o América entra em decadência. No período de ouro do futebol brasileiro, entre os anos 1950 e 1970, quando a Seleção vence o tricampeonato mundial (1958, 1962 e 1970), o Coelho já não era mais o mesmo, e Atlético e Cruzeiro passaram a brigar pela hegemonia do futebol no estado.

"O significado de 'clube grande' variou ao longo do tempo. O América já foi grande, nos anos 1910, 1920, 1930, por ter forte presença nas Ligas, Associações e Federações que controlaram o futebol em Minas. E, também, por vencer as principais competições da época. A grandeza que hoje se valoriza, ligada ao espetáculo, às torcidas, aos títulos, por sua vez, é forjada nos anos 1950, 1960 e 1970, e, nesse contexto, o América não era exatamente protagonista em relação a estes aspectos", disse o pesquisador.

O ponto mais baixo do Coelho foi a disputa do Módulo II do Campeonato Mineiro, em 2008. O time acabou na última colocação do Estadual de 2007, com cinco pontos (uma vitória, dois empates e oito derrotas) em 11 jogos, e foi rebaixado para a Segundona do Mineiro.

América grande de novo?

Fotos do novo uniforme do América



Nos últimos anos, o América tem conseguido se reestruturar, com centro de treinamentos e estádio modernos. Agora, com a Copa Libertadores, o clube disputará sua primeira competição internacional. Marcus Lage disse que este pode ser um momento decisivo na história do Coelho. 

"Estou muito entusiasmado com essas últimas temporadas do América. E, quando digo isso, refiro-me à última década. Tivemos vários acessos, um Campeonato Mineiro (2016), uma Série B (2017), além da fantástica campanha na Copa do Brasil de 2020 e da vaga para Libertadores. Torço muito para que, daqui em diante, isso só melhore. E este momento pode representar um divisor de águas na história do clube. Quanto mais estivermos sob holofotes, jogando as principais competições, com boas performances, promovendo espetáculos atrativos e não excludentes, melhor", disse.

Alguns pesquisadores, como Arlei Damo (UFRGS), acreditam que a grandeza de um clube de futebol no Brasil é medida não apenas pelos títulos e pelo tamanho de sua torcida, mas também pelo sistema de representações simbólico articulado em torno dele, capaz de produzir sentimentos de afeição e repulsa.

O América ainda parece distante da rivalidade entre Atlético e Cruzeiro, que pode ser vista em brincadeiras em casa e no trabalho, bem como em brigas entre torcedores. Uma pesquisa feita por um jornal mineiro neste ano apontou o Coelho com 1,1% da torcida no estado, bem distante do Cruzeiro (28,2%) e do Atlético (19,5%). Apesar disso, os adeptos alviverdes começam a fazer barulho e aumentar a presença nas redes sociais.

"Rivalidade vem da disputa pela sobrevivência, pela água, pela margem do rio (do latim, rivales). Fazendo uma analogia, diria que ainda somos (americanos) um grupo pouco numeroso, mas que tem, cada vez mais, frequentado as festas dos grandes rios que são as principais competições do país. E atleticanos e cruzeirenses defendem seu território com unhas e dentes. As trocas de farpas entre americanos e torcedores da dupla nas redes sociais são uma evidência disso. São exemplos de que, aos poucos, isso tem mudado", disse o pesquisador.

América jogará primeira partida de Copa Libertadores da sua história
foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press

América jogará primeira partida de Copa Libertadores da sua história



Por causa do bom momento contra o Cruzeiro, com quatro vitórias seguidas do América, a disputa entre os clubes cresceu, diz o pesquisador americano. "Os cruzeirenses dirão que é forçação de barra. Essa reação só confirma minha impressão. E isso é bastante salutar. Mobiliza a cidade, as torcidas e estimula a disputa, a rivalidade, que é o grande barato do futebol. O que não pode acontecer é permitir que alguns pratiquem crimes de ódio em nome do jogo, como os ataques sofridos pela Duda Oliveira, uma adolescente americana, bem ativa no Twitter".

América enfrenta o Guaraní, do Paraguai, nesta quarta-feira (23), às 19h15, no Independência, em Belo Horizonte, pela segunda fase da Copa Libertadores. 

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