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Galo: especialista vê dificuldade de unificar torneio de 37 ao Brasileiro

Atlético pretende enviar dossiê à CBF para que a conquista do 'Campeão dos Campeões' seja reconhecida como o primeiro Brasileiro

23/02/2022 12:00 / atualizado em 23/02/2022 14:42
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A capa do jornal Estado de Minas exaltava o título do Atlético em 1937
foto: Divulgação / Estado de Minas

A capa do jornal Estado de Minas exaltava o título do Atlético em 1937



O jornalista e historiador Odir Cunha foi o grande responsável por criar o dossiê que unificou a Taça Brasil e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa ao Campeonato Brasileiro, em 2010, ano em que a CBF oficializou os títulos nacionais de 1959 a 1970. Em entrevista ao Superesportes, Cunha disse que a missão do Atlético de tornar o 'Campeão dos Campeões' o primeiro Brasileirão será muito mais difícil.

O Galo pretende enviar um dossiê à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para que a conquista de 1937 seja reconhecida como o primeiro Brasileiro. Cunha elogia a tentativa de o Atlético valorizar o seu passado, mas vê uma série de fatores que podem inviabilizar o pedido alvinegro: pouca representatividade de estados do Brasil no torneio, a extinção da federação organizadora do evento, a ausência dos grandes clubes de São Paulo e a possibilidade de reconhecimento de outros torneios similares ao 'Campeão dos Campeões'.

"Acho legal o esforço do Atlético, tem que valorizar a sua história e tentar sim reconhecer o Torneio dos Campeões como Brasileiro. Não há dúvida que é um torneio nacional, acho legítimo. Mas acho difícil", disse Cunha. 

"Esta competição foi organizada não pela CBF ou pela CBD, mas pela FBF. Essa federação foi extinta em 1941, teve vida curta. Então, é impossível ouvir estes dirigentes sobre os reais objetivos do torneio. Em relação aos participantes, a Taça Brasil, por exemplo, tinha abrangência muito grande. Em 1959, o Brasil tinha 20 estados. Desses 20, 16 participaram da primeira Taça Brasil. Era aberto para o campeão de cada estado, era o critério de seleção, como há critérios para todos os torneios. Essa abrangência não existia no torneio de 1937, porque não havia representantes do Rio Grande do Sul, que sempre foi um estado forte no futebol, e nenhum representante do Paraná, nem do Nordeste. Não havia times da Bahia, nem de Pernambuco, nem do Ceará, que poderiam ser representados porque sempre foram mais representativos no futebol do que o estado do Espírito Santo", acrescentou.

O campeonato foi organizado pela Federação Brasileira de Futebol (FBF), que foi criada em 1933 e extinta em 1941 pelo Estado Novo para a centralização do poder na Confederação Brasileira de Desportos (CBD).

O Torneio dos Campeões da FBF só teve uma edição e reuniu os campeões estaduais de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santos do ano anterior. Os principais times de São Paulo (Palestra Itália, Corinthians, Santos, Juventus, São Paulo) ficaram de fora, porque romperam com a Associação Paulista de Esportes Atléticos (Apea) e criaram a Liga Paulista de Futebol (LPF). A Portuguesa permaneceu na antiga liga e conquistou o Paulista de 1936. 

"Não houve continuidade, foi uma competição que se extinguiu. Quando a competição se extingue logo na primeira edição, é difícil ser considerada como as outras que tiveram continuidade, como a Taça Brasil. Além disso, o torneio dos campeões reuniu equipes parceiras da FBF. Isso diminuiu o nível técnico, porque em São Paulo a gente tinha APA e LPF. A primeira reunia os times menos fortes, como a Portuguesa; a segunda reunia os times fortes, tanto que o campeão foi o Palestra Itália, hoje Palmeiras. E foi a Portuguesa quem representou o estado de São Paulo neste torneio", destacou.

O Superesportes entrou em contato com o Atlético, que disse estar estudando todo processo com muita cautela e com o apoio de especialistas. Ainda não há data para o fechamento do dossiê, que será encaminhado para a CBF.

O clube se diz convencido de que a unificação do 'Campeão dos Campeões' ao Brasileiro é justa na medida em que outras já ocorreram, como a da Taça Brasil e do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, e pelo fato de grande parte da imprensa nacional ter reconhecido a conquista alvinegra – reportagem do Superesportes, em 15 de fevereiro, recorreu a arquivos de jornais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, que exaltaram a conquista do Galo.

Jornais noticiam título do Atlético em 1937


Outros títulos


Outros times também venceram torneios de campeões estaduais similares ao conquistado pelo Galo e, caso a CBF reconheça o torneio de 1937 como Brasileiro, outras competições devem ser unificadas, alega Cunha. 

"Se esse reconhecimento existir para o Atlético, vai ter que abranger outros clubes que foram campeões de torneios similares. Isso é outro dificultador, porque você começa a abrir um leque para vários clubes fazerem a reivindicação", disse Cunha.

Além da conquista do Galo, os títulos do Paulistano e do Botafogo são considerados torneios nacionais. A primeira edição, com o nome de Torneio dos Campeões, ocorreu ainda no amadorismo, em 1920, organizada pela CBD e vencida pelo Paulistano, que bateu Fluminense, representante do Rio de Janeiro, e Brasil de Pelotas, do Rio Grande do Sul. A competição foi disputada no estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. 

Em 1931, ocorreu a Copa dos Campeões Estaduais. Os participantes definidos foram Botafogo, Brasil de Pelotas e Corinthians – este último, contudo, acabou não disputando. No único jogo, o Fogão venceu o Pelotas por 3 a 2, no Rio Grande do Sul.

"Acho que o torneio que o Atlético venceu é uma competição histórica e importante, porque os primeiros campeões nacionais surgiram nesse tipo de competição, isso deveria ser lembrado. Os primeiros campeões nacionais devem ser resgatados, com estudos, com livros e com a participação dos clubes. Mas equivaler ao Campeonato Brasileiro tem uma dificuldade grande", frisou Cunha.

Dificuldade na CBF


Os campeões de 1937: Floriano Peixoto (técnico), Kafunga, Florindo, Zezé Procópio, Lola, Bala, Alcindo, Quim, Clóvis. Agachados: Paulista, Alfredo, Guará, Nicola, Rezende e Elair
foto: Centro Atleticano de Memória

Os campeões de 1937: Floriano Peixoto (técnico), Kafunga, Florindo, Zezé Procópio, Lola, Bala, Alcindo, Quim, Clóvis. Agachados: Paulista, Alfredo, Guará, Nicola, Rezende e Elair



De acordo com Odir Cunha, a Taça Brasil e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa precisaram ser aprovados por três setores da CBF antes da homologação. "Nós tivemos que ter o consentimento de três departamentos da CBF: jurídico, histórico e técnico. Os três analisaram nosso dossiê e aprovaram a documentação", disse. 

"Uma coisa que ajudou naquela época foi a Copa do Mundo no Brasil. A gente argumentou: como explicar para um jornalista estrangeiro que Tostão, Pelé e Gérson, entre outros, não tinham sido campeões brasileiros? Como Pelé, que ganhou Libertadores e Mundial, não foi campeão brasileiro? Não tem como. O Pelé foi campeão brasileiro", frisou.

Além disso, pesa contra o Atlético o fato de agir isolado em busca do reconhecimento. O clube admite que não buscará o apoio de outras equipes vencedoras de torneios similares. Em 2010, Odir Cunha, que é santista declarado, teve apoio do Santos e de outros cinco clubes para a ação na CBF: Palmeiras, Cruzeiro, Bahia, Botafogo e Fluminense. Da união desses grandes clubes, nasceu o dossiê.


Apoio de Pelé


Outro ponto relevante foi o apoio de Pelé e de outros grandes craques à iniciativa da unificação da Taça Brasil e do Roberto Gomes Pedrosa.

João Havelange, ex-presidente da CBD e da Fifa, e Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, eram favoráveis à medida.

"Quem criou a Taça Brasil foi a CBD, que depois virou CBF, mas com o mesmo presidente: João Havelange. E conseguimos entrevistar o João Havelange, e ele também veio a público e deu uma coletiva falando que não entendia porque os campeões da Taça Brasil não eram considerados campeões brasileiros, porque ele criou a Taça Brasil com essa intenção, o campeão da Taça Brasil participava da Copa Libertadores, cujo primeiro nome era Torneio dos Campeões da América, porque só o campeão de cada país poderia disputar. E o campeão brasileiro era o campeão da Taça Brasil", disse Cunha.

Em evento da unificação da Taça Brasil e do Roberto Gomes Pedrosa ao Brasileiro, a CBF convidou Pelé, o grande homenageado da ação. "Fico feliz de estar aqui em nome de todos aqueles que passaram naquela época. Dos presidentes aos roupeiros, que limpavam as nossas chuteiras, é uma honra, uma alegria muito grande eu estar aqui representando a todos que fizeram isso ser possível. E espero que a garotada de agora, os jovens de agora, reconheçam esses títulos. A gente tratava aquelas competições como títulos nacionais", disse o maior jogador de futebol de todos os tempos.

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