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Músicas de Atlético e Cruzeiro mostram que LGBTfobia nunca foi caso pontual

Jogo da Série B no último domingo ficou marcado por cantos homofóbicos no Independência, mas episódios são mais frequentes do que as punições

12/05/2022 04:00 / atualizado em 12/05/2022 13:44
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As arquibancadas cheias do Independência pulsavam, mas não apenas em alegria pela vitória do Cruzeiro. O tom, em certos momentos, era outro: de ódio e LGBTfobia direcionados ao povo gaúcho e ao Grêmio, rival histórico e adversário da tarde pela Série B. O 'troco' dos torcedores visitantes foi no mesmíssimo nível.

Os cantos homofóbicos entoados por cruzeirenses e gremistas no último domingo geraram críticas, debates e denúncias. Mas episódios como esse não são pontuais. Pelo contrário: ocorrem com muito mais frequência do que as punições para combatê-los (assista no vídeo acima).

"Existe no Brasil uma lei que criminaliza (a LGBTfobia). Esses casos que aconteceram recentemente podem se tornar uma forma de conscientizar as pessoas. Com crianças e jovens, nós educamos. Com adultos, a gente aplica a lei para puni-los", pontua o pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) João Martins, que tem experiência em estudos de gênero e sexualidade.

Em Minas Gerais, torcidas dos dois principais clubes cantam músicas que propagam LGBTfobia, machismo e outros tipos de preconceito. Toda quarta-feira e domingo, as arquibancadas do Mineirão ou do Independência dão lugar ao discurso odioso travestido de 'brincadeira'.

"As pessoas tendem a reproduzir (nos estádios) esse comportamento dito 'hétero', machista, que é o violento, o grosseiro, o desrespeitoso. Porque a gente vem de uma cultura que associa o masculino a ser o forte, o viril, o que xinga, o que mostra força", analisa o professor.

Bandeira LGBTQIA+ em estádio de futebol
foto: AFP

Bandeira LGBTQIA+ em estádio de futebol


Músicas das torcidas de Atlético e Cruzeiro


Pelo Brasil, raras são as torcidas que não cantam músicas que reproduzem a LGBTfobia. Em Minas Gerais, não é diferente. Dos lados azul ou alvinegro do estado, há vários exemplos de cânticos com esse tom.

"Pau no ** do Cruzeiro
Bicharada a cantar"

"Chupa **** e dá o **
Ei, Galo, vai tomar no **"     

"Esses palavreados de certa forma chulos que as torcidas tem é para associar a imagem do time aos homossexuais, que praticam um certo tipo de ato sexual. Isso, mais uma vez, quer colocar essas pessoas como inferiores, de humilhação. Isso é reproduzido todo dia, não só no futebol", explica João Martins.

Na mesma esteira da LGBTfobia, a inferiorização das mulheres é outro tema frequente de músicas das arquibancadas. Termos como 'franga', para se referir ao Atlético, e 'Maria', em menção ao Cruzeiro, estão presentes nas canções.

"Franga 
Sua camisa é rosa
Flanelinha na mão
Torcidinha horrorosa
Do expresso da paixão
Xalaia laia xalaia laia
Chacota do Mineirão"

"Só nesse trecho tem tantas palavras que remetem a preconceitos... Quando fala 'franga', está relacionado à questão de feminilizar as pessoas, como se a mulher fosse inferior ao homem", pontuou o professor.

"Quando citam a camisa rosa que o Galo utilizou... É apenas uma cor, mas tem um significado poderoso, porque quer dizer o lugar que cada um é colocado. É uma normatização posta de sexualidade, gênero e criação que separa o que é de homem (azul) e o que é de mulher (rosa). O ser humano é muito mais diverso que isso. Não é uma cor que vai me definir", prosseguiu.

Do lado atleticano, o cenário é muito semelhante. Há músicas que trocam a palavra 'Cruzeiro' por 'Maria', também para inferiorizar a mulher.

"Maria, eu sei que você treme
Sempre que o Galo vai jogar
Eu vi Riascos ir pra bola
E o Victor de bico isolar"

"Tanto uma torcida, quanto a outra, reproduz esses estereótipos de gênero e de uma formação de longa data. 'Maria' é um nome feminino. Então, para você, mulher é inferior ao homem. A gente vive em uma sociedade machista, heteronormativa e preconceituosa de todo tipo: de raça, etnia, sexualidade, gênero", prosseguiu João Martins.

"A gente tem que questionar essa visão de mundo única, patriarcal, e pensar o mundo de uma forma diversa. O ser humano não cabe em uma caixa. Ele é diverso e pode ser o que quiser ser. E obviamente isso se transpõe em sua forma de torcer, existir e no seu direito de torcer e praticar determinada modalidade, como é o caso do futebol", finaliza.



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