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Noriega: que Bia Haddad não seja mais um cometa no tênis brasileiro

O tênis profissional brasileiro lembra os cometas. De vez em quando aparece um corpo brilhante no céu: magnífico, inspirador

07/06/2023 19:39 / atualizado em 08/06/2023 12:18
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Bia Haddad, 14ª colocada do mundo, está na semifinal de Rolanda Garros
foto: Iconsport

Bia Haddad, 14ª colocada do mundo, está na semifinal de Rolanda Garros


 
Cometas são corpos celestes formados basicamente por gases congelados e rochas. Eles vagam pelo Universo em órbitas irregulares. Aparecem para nós, terráqueos, muito de vez em quando. O mais célebre deles, o Halley, dá as caras em média, a cada 70 anos, e segue por aí, passeando pelo Cosmos.

O tênis profissional brasileiro lembra os cometas. De vez em quando aparece um corpo brilhante no céu: magnífico, inspirador. Mas quando se espera que deixe muitos rastros de semelhante magnitude, escapa de nosso campo de visão.

O Brasil teve cometas de rara beleza no tênis: Maria Esther Bueno e Guga. A Rainha Maria viveu seu auge antes da era profissional. Foi a melhor tenista do mundo quando não existia a classificação da WTA (Women´s Tennis Association), em cujo ranking, criado em 1973, sua melhor posição foi a 29.

Guga Kuerten foi número um do mundo durante 43 semanas. Quando venceu Roland Garros pela primeira vez, em 1997, uma multidão se reuniu para ver o jogo em um telão no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Surgiu como um cometa graças a seu incrível talento, o sacrifício de sua família e os treinamentos de Larry Passos. Guga deixou no ar o sonho de uma dinastia. Mas é até hoje o único tenista brasileiro a figurar entre os dez melhores do ranking mundial. Abaixo dele na classificação aparecem Thomaz Belucci, número 21, e o ídolo dos anos 1960 e 1970 Thomaz Koch, cujo melhor ranking foi 24.

Bia Haddad, semifinalista do Aberto da França (o mais tradicional e charmoso dos Grand Slam, os maiores torneios do tênis) é a brasileira mais bem ranqueada na história do tênis profissional. Em fevereiro deste ano ela alcançou a décima-segunda posição. Maria Esther Bueno foi a maior tenista brasileira de todos os tempos na época amadora. Estava no fim da carreira quando o sistema profissional ainda engatinhava. 
 
 

Em termos de classificação, antes de Bia Haddad as brasileiras com os melhores rankings foram Niége Dias, 31; Teliana Pereira, 43, e Patrícia Medrado, 48. Com a vaga na semifinal, Bia assegura mais 780 pontos no ranking. No mínimo ela ganha 3.200 pontos, o que lhe oferece a oportunidade de voltar ao chamado “Top Ten”. Trabalho espetacular dela e seu treinador, Rafael Paciaroni. 

Bia Haddad enfrentou uma série de lesões e um caso de doping que a tirou das quadras por uma temporada. Doping do qual foi inocentada porque um suplemento que ela utilizou estava contaminado.

Que o sucesso desta tenista de jogo de fundo de quadra sólido, constituição física privilegiada e grandes capacidades mental e tática possa mudar a história do tênis brasileiro. Os efeitos dos “cometas” Maria Esther, Guga, Thomaz Koch sucumbiram à opção preferencial pelo negócio feita pelo tênis brasileiro lá pelos anos 1990.
 
Nessa época havia torneios profissionais toda semana no Brasil, com transmissão em TV aberta e farta cobertura da mídia. Luiz Mattar, Jaime Oncins, Fernando Meligeni e Andréa Vieira foram alguns expoentes do período.

Academias sofisticadas foram abertas, empresários e clientes famosos surgiram. Jamais houve um plano consistente de captação de talentos e popularização do esporte. Em vez disso, uma sequência de escândalos administrativos, boicotes e outros vexames regados a vaidade e individualismo.

Que o desempenho histórico de Bia Haddad não seja mais uma passagem de cometa. É fácil festejar de forma ufanista o sucesso de atletas que lutam praticamente sozinhos em suas carreiras. Difícil é recordar quantas vezes os dirigentes ficam apenas olhando para o céu admirando a visita de um brilhante corpo celeste a quem nem o convite enviaram.

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