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TIRO LIVRE

O peso das palavras

Figuras públicas em geral, e do futebol em especial, muitas vezes só se dão conta do peso de suas ações e declarações depois de acompanhar a repercussão que geram - principalmente negativa

postado em 11/05/2018 10:00 / atualizado em 11/05/2018 09:11

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

Há um provérbio de autoria desconhecida (há quem considere sabedoria popular chinesa) que diz que existem três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida. Tirando a flecha lançada, palavras e oportunidades, em alguns casos, são até reversíveis. Basta um pouco (ou seria um tanto?) de humildade para reconhecer o equívoco e refazer a caminhada.

Figuras públicas em geral, e do futebol em especial, muitas vezes só se dão conta do peso de suas ações e declarações depois de acompanhar a repercussão que geram – principalmente negativa. Por mais legítimo que seja, por vivermos (ainda) sob regime democrático e, portanto, com liberdade de expressão, eles muitas vezes confundem personalidade e coragem com inconsequência, até desrespeito. Resultado: estrago feito, prejudicam não apenas a própria imagem como a do clube que representam.

Em pouco mais de seis meses na presidência do Atlético, Sérgio Sette Câmara já se viu no meio de um furacão duas vezes, dando explicações em rede nacional a respeito de atitudes e palavras que colocaram o Galo em meio a um vendaval. Em ambas, se viu num duelo não com a crônica esportiva ou com adversários. Pior do que isso: com o próprio torcedor alvinegro.

A primeira foi no episódio Oswaldo de Oliveira/Leo Gomide, em que o então treinador atleticano quase agrediu o repórter e, em vez de apagar a fogueira, o mandatário atirou mais gasolina, cerceando a entrada do jornalista no clube. Uma censura descabida em tempos de (ainda) regime democrático. Três meses se passaram e nova polêmica, com o desdém em relação à Copa Sul-Americana após a desclassificação para o San Lorenzo. A maneira como ele desqualificou a competição, chamando-a de “Segunda Divisão da Copa Libertadores” e listando motivos financeiros para tal pensamento (após a eliminação, ressalte-se) extrapola explicações como a questionável opção de mandar reservas a campo. Atingiu, diretamente, a razão de ser do Galo: sua torcida.

Por premissa, clubes de futebol não são propriedades particulares. Vivem em função de seu torcedor. Sem torcida, não há time, não há receita (direta e indiretamente), não há razão de a equipe existir. Quem está no comando de um clube precisa compreender esta engrenagem. Ter sensibilidade para entender que está ali para servir à torcida, comandar por ela, não para o bem próprio. Todas as suas ações têm como fim o torcedor, verdadeiro “dono” do clube.

Tivesse o presidente explicado o grau de (des)interesse do Atlético na Sul-Americana antes mesmo da estreia da equipe na Argentina, talvez o peso de suas afirmações pós-eliminação não seria tamanho. Talvez. Pelo menos, ele já alertaria o torcedor e o faria pensar duas vezes ao gastar seu dinheiro, por vezes suado e contado, em ingresso para o jogo. Não o levaria a se deslocar para o Independência à noite para ver a partida. E a retornar para casa tarde, muitos deles de madrugada, precisando acordar cedo no dia seguinte para trabalhar e tirar o sustento de sua vida e de sua família. Entende o tamanho do desrespeito?

Em tempos de tanta animosidade, virtual e real, de tanta intolerância e desprezo nas relações pessoais, é preciso que o mandatário de um clube tenha empatia ao lidar com a paixão da torcida. Afinal, antes de ocupar diretorias, ele era mais um anônimo na arquibancada, a acompanhar o Atlético por amor. A esperar, em troca, dedicação do time, respeito à camisa e, por consequência, títulos. Na centenária trajetória alvinegra, não foram poucas as vezes em que faltaram taças, mas, ainda assim, as arquibancadas estavam cheias.

Se Sette Câmara tivesse optado pelo silêncio – e todos nós, de modo geral, precisamos aprender quão precioso ele é em vários momentos na vida –, a imagem que ficaria da eliminação na Sul-Americana seria a de reservas que respeitaram a camisa atleticana, que buscaram o gol, que se entregaram até o último minuto e foram castigados pelo erro da arbitragem, que ignorou um pênalti claro.

Mas o que deu o tom nas rodas de conversa Brasil afora foram as declarações do presidente do Galo. Tudo de bom que o técnico Thiago Larghi conseguiu extrair daquela equipe naquela noite ficou ofuscado.

O mandato de Sette Câmara está só no início, e é visível a preocupação dele com o saneamento do clube. Há um longo caminho a percorrer, conquistas podem sim fazer parte dele. Mas nenhuma história estará completa se o Atlético não tiver, ao seu lado, a Massa que ajudou a construir sua história. Nas alegrias e nas tristezas.

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