None

Da bola ao escândalo

Depois das seis prisões por suposta ligação com pedofilia envolvendo peneiradas no futebol, polícia chega ao perfil das vítimas. A maioria é de famílias de baixa renda

postado em 17/04/2012 08:54 / atualizado em 17/04/2012 10:45

Enviado especial

Jair Amaral/EM/D.A Press.
Caratinga
– A Polícia Civil abriu investigação para apurar exclusivamente a participação do cantor Agnaldo Timóteo no esquema de pedofilia desarticulado pela Operação Contra-Ataque, em janeiro. A solicitação partiu da promotora Flávia Alcântara e as apurações não têm prazo para terminar. “O Ministério Público nos enviou uma cópia do processo pedindo para direcionar as investigações contra o Agnaldo Timóteo, pois seu nome surgiu muito próximo ao Maguila. Agora, as atividades serão retomadas para saber qual o seu grau de envolvimento”, afirmou o delegado regional da Polícia Civil, Gilberto Simão Melo.

A casa de Agnaldo no Rio era utilizada pelo treinador, que frequentemente viajava com os jovens à capital carioca. “O Maguila ludibriava esses jogadores com a falsa promessa de levá-los ao Botafogo, Flamengo, Vasco. E, em duas vezes, ficaram na casa do cantor”. O artista foi ouvido pela delegada Nayara Travassos e testemunhou a favor do técnico, a quem conhece há muitos anos e dava apoio irrestrito aos projetos. Segundo Timóteo, Maguila levou 30 jovens no fim de 2011 para testes no Rio e ele teria ajudado bancando parte das despesas.

Maguila mantinha contatos com vários clubes do Rio e Minas e circulava com crianças e adolescentes com frequência. Ele é figura bastante conhecida na cidade, mantinha ações em diversos bairros carentes em parceria com a Secretaria Municipal de Esportes e conhecia as malandragens do futebol. Além de ter entrada nas peneiradas de grandes clubes, praticava a ação conhecida no futebol como “gato”. Na casa dele foram apreendidos documentos de menores, selos de cartórios e diversos carimbos para a suposta falsificação e adulteração da idade.

Depois de quase sete meses de investigação, a polícia chegou à conclusão de que Maguila aliciava jovens, aproveitando-se da proximidade e repassava-os a clientes, entre eles cinco presos: Wanderlei dos Reis Paulino, de 44 anos, Fábio Mafra da Fonseca, 43, David Henrique Cristóvão Serra, 23, Celso Nunes Pereira, 46, e João Vieira de Carvalho, conhecido como João Maranhão, de 47, que mantinha uma escolinha de futebol no Maranhão. Fábio é de Santa Bárbara do Leste, Celso de Ubaporanga, ambas no Vale do Rio Doce, e os demais de Caratinga. Nenhum deles tinha passagem pela polícia.

OLHO NO FUTURO O perfil das sete vítimas citadas no inquérito é bem parecido. Meninos com idade entre 14 e 17 anos, moradores de regiões periféricas do município – alguns de bairros considerados perigosos pela polícia, como o Morro da Antena –, de baixa renda. A esperança era se tornarem arrimos de família. O conhecimento de Maguila sobre o mundo do futebol fazia com que pais e garotos confiassem em seu trabalho.

“O pai permite que o jovem entre em um time de futebol acreditando que ele vai ter sucesso e ajudar a família, que geralmente é muito pobre. Aí, esse pai descobre que o filho teve relação homossexual. Para ele é muito difícil admitir. Durante a investigação, tivemos casos de pais que não queriam acreditar. Queriam até pensar que a polícia estava inventando, para não admitir. Perante a sociedade, isso é muito difícil. É um assunto extremamente delicado”, interpreta o delegado.

ENTENDA O CASO
Julho/2011
Um casal procurou a Delegacia Especializada de Orientação e Proteção à Família de Caratinga e denunciou que o filho de 14 anos e um amigo haviam viajado com estranhos à Região dos Lagos, no Rio de Janeiro.

Julho/2011
O Ministério Público fez a requisição para que a Polícia Civil apurasse outra acusação, dessa vez anônima, via 181, o Disque Denúncia.

13/1/2012
Após seis meses de investigação, a Polícia Civil deflagrou a Operação Contra-Ataque, prendendo seis pessoas e apreendendo vários objetos, como preservativos e material pornográfico.

26/1/2012
Citado por Maguila e por dois garotos, o cantor Agnaldo Timóteo depõe como testemunha e nega qualquer participação.

2/2/2012
O inquérito com cerca de 1 mil páginas foi concluído e encaminhado ao Ministério Público, pedindo o indiciamento de Maguila por falsificação de documentos e exploração sexual de menores, além de formação de quadrilha, item em que os cinco outros detidos também estão incursos.

25/3/2012
O MP pediu a instauração de inquérito para apurar o envolvimento de Agnaldo Timóteo no caso.

PALAVRA DE ESPECIALISTA
José Raimundo Lippi, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Prevenção e Tratamento das Ofensas Sexuais

Um ambiente profícuo
“A pedofilia é um transtorno de preferência sexual catalogado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É uma alteração de personalidade, um transtorno mental que faz o adulto ter preferência sexual por uma criança. Geralmente, as vítimas são as de maior fragilidade, que estão em busca de alguma realização. O esporte é um ambiente profícuo para o pedófilo, que tradicionalmente procura a pedagogia ou as escolinhas de esporte para ter proximidade com as crianças e perceber as potenciais vítimas.”