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CRUZEIRO X ATLÉTICO

O clássico das ausências: homenagem a torcedores vítimas da COVID-19

Cruzeiro x Atlético terá vazio muito maior que o das arquibancadas: o deixado nos corações de parentes e amigos de vítimas da pandemia

postado em 11/04/2021 07:00 / atualizado em 11/04/2021 10:11

Passados 13 meses desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou como pandemia a disseminação do novo coronavírus, a COVID-19 já matou cerca de 351 mil brasileiros. Muitos deles, vozes que se calaram nas torcidas de Cruzeiro e Atlético, e que hoje já não acompanharão o grande clássico mineiro – o primeiro desde o início da crise global de saúde.

São pais, irmãos, filhos, avós que vivem agora nas memórias de familiares e amigos. Exemplos de amor aos clubes de coração, faziam loucuras para ver as equipes em ação. Viveram glórias e também choraram maus resultados, inclusive contra o maior rival. Angariaram adeptos, influenciaram companheiros, riram e foram vítimas de piadas, sentiram toda a emoção que o futebol é capaz de proporcionar.

Neste domingo, a partir das 16h, quando a bola rolar no Mineirão pela nona rodada do Campeonato Mineiro, esses torcedores serão lembrados mais uma vez, na certeza de que onde estiverem, torceriam para o azul e branco ou para o alvinegro. Representando essa torcida agora silenciosa, o Superesportes e o Estado de Minas lembram as histórias de uma seleção de apaixonados pelo futebol. Pois o vírus é perigoso, tira vidas, mas não mata as memórias. Nem a paixão.

 
(Foto: Arte de Paulinho Miranda)
 

Pablito


(Foto: Arquivo pessoal)


Pablo Roberto Quirino Soares Peruhype era filho de pais cruzeirenses, mas adotou o time celeste como religião por influência do narrador Alberto Rodrigues. Fez parte da Torcida Fanati-Cruz e se tornou um dos maiores influenciadores da China Azul na internet. Segundo o amigo Marcelo Aguiar, nos últimos meses perdia noites de sono pensando em como ajudar o clube a se reerguer. Não perdia um jogo do Cruzeiro, principalmente os clássicos, aos quais gostava de chegar cedo. Morreu em 23 de março, aos 39 anos, deixando a mãe, Maria José, e o filho Gabriel, além de legião de amigos, sendo dos poucos com trânsito livre entre organizadas celestes que não se entendiam bem.
 

Biagio Peluso


(Foto: Igor Sales/Cruzeiro)


Integrante de uma das mais tradicionais famílias italianas no Cruzeiro, Biagio Teodoro Francesco Peluso se associou ao clube ainda nos anos 1960. Sempre teve participação ativa, tendo sido vice-presidente entre 2006 e 2011 e de junho do ano passado até a morte, em 13 de dezembro de 2020, aos 71 anos, tendo acumulado, nesse último período, a Diretoria Executiva. “Homem de bem, que topou o desafio de voltar (à direção) no momento mais difícil da história do nosso clube”, escreveu o presidente Sérgio Santos Rodrigues. Outro vice, Edson Potsch, prestou homenagem: “Biagio Peluso, você que honrou o nome do Cruzeiro, estará eternamente na nossa história e corações”.
 

Ítalo Márcio Batista Astoni


(Foto: Arquivo pessoal)


Ítalo Márcio Batista Astoni nasceu em Joaquim Felício, região Central-Norte de Minas, e cultivou a paixão pelo Cruzeiro desde 1960, ano em que se mudou para BH para trabalhar. Logo, viu de perto os feitos e títulos do time formado por Raul, Procópio, Piazza, Zé Carlos, Dirceu Lopes, Tostão, Evaldo, Natal e cia. Na década seguinte, vibrou com a conquista da Libertadores e o gol do ídolo Joãozinho. Assíduo no Mineirão, sempre fez questão de levar os filhos Ítalo Jr, Túlio e Sílvia aos jogos e formou, em casa, uma nova geração de cruzeirenses. Nos dias de descanso, seu refúgio era a Toca da Raposa III, como chamava o sítio em Caeté, na grande BH. No local, uma grande caixa d’água, estampada com o escudo celeste, atraía os olhares de quem passava. Ítalo morreu por complicações da COVID-19 em 30 de janeiro, aos 73 anos. Deixou a esposa, Cida, os três filhos e quatro netos: Tiago, Gabriela, Luísa e Lucas.

Dudu


(Foto: Arquivo pessoal)


Apenas 27 dias depois de completar 45 anos, Eduardo Alves Lopes entrou para as estatísticas das vítimas da COVID-19, na terça-feira. A paixão do belo-horizontino pelo Cruzeiro veio de família e, aos 10 anos, ele já integrava o Movimento Azul Cruzeirense. Dois anos depois, já estava na estrada para incentivar o time fora de BH, como conta Jacqueline Santos, viúva do torcedor. Ele deixou também a filha Paola, de 5 anos, a mãe e dois irmãos. No Mineirão, ficava sempre no último degrau do setor amarelo. Em casa, o ritual durante as partidas incluía sentar sempre no mesmo lugar e colocar outras camisas, além da que estava usando, sobre o sofá, como se tivesse companhia de outros torcedores.

Marcolino


(Foto: Arquivo pessoal)


Marcos Aurélio dos Santos Tomé era funcionário da Prefeitura de Raposos, onde comandou a Liga de Desportos. Mas ligação mais forte com o mundo esportivo era mesmo o Cruzeiro. Uma das maiores alegrias foi a conquista da Libertadores de 1997, batendo o Sporting Cristal-PER na final, à qual acompanhou da arquibancada do Mineirão. “Foi uma festa linda”, dizia. Nos clássicos, gostava de vaticinar vitórias celestes e não desgrudava do radinho, mesmo vendo o jogo pela TV. Morreu em 12 de julho de 2020, no dia em que completava 55 anos. Deixou a esposa Judith; os filhos Talita, Michael, Talisson e Tainá; além das netas Mariana, Maria Júlia, Alice e Maria Laura e Cecília.


(Foto: Arte de Paulinho Miranda)

Dudi


(Foto: Arquivo pessoal)


Até 3 de abril, quando morreu aos 39 anos, Marcelo Passos tinha duas grandes paixões: primeiro o Atlético, depois, o jiu-jitsu. Segundo os companheiros, não perdia um jogo em Belo Horizonte, e ainda acompanhava a equipe Brasil afora sempre que podia. Assim, esteve em São Paulo, Rio, Curitiba, Goiânia, além de cidades do interior de Minas. Certa feita, na capital paranaense, perdeu o ônibus de volta para BH depois de um jogo, mas não se apertou e aproveitou para conhecer melhor a cidade. Pelas amizades que fez, ingressou na Galoucura, onde, a despeito da fama das torcidas organizadas, sempre pregou a paz. “Era exemplo”, dizem os amigos. Partiu deixando a mãe, Eunice, e a esposa Iracema.

Seu Bahia ou Seu Cita


(Foto: Arquivo pessoal)


Francisco de Assis Bahia de Carvalho nasceu em Córrego Danta, Centro-Oeste mineiro, onde já torcia pelo Atlético. Na década de 1950, ao se mudar para BH a fim de trabalhar como contador, conheceu a esposa, Rosa, e ficou mais próximo do clube do coração. Ia a jogos no estádio Antônio Carlos e, a partir de 1965, no Mineirão. Em 1971, foi em caravana para o Rio, onde testemunhou a conquista do Brasileiro. Na infância dos filhos Anderson, Eloara e Alisson - que foi mascotinho -, seu Bahia gostava de passar pela Charanga do Galo para sentir a emoção e transmitir a paixão pelo Alvinegro aos pequenos. Já com idade avançada, deixou de frequentar o estádio e via as partidas pela TV. Desde o início da pandemia, tinha a máscara do Galo como companheira. Francisco morreu em 25 de março, aos 88 anos. Deixou a esposa, os três filhos e seis netos: Giorgio Lucca, Giulia Gabriella, Rafael, Luiza, Thor e Lívia.

Rafa "Pinguim"


(Foto: Arquivo pessoal)


Entre torcedores, Rafael Bruno Bitencourt ganhou o apelido de Pinguim. Não perdia clássicos, a ponto de, em 7 de março do ano passado, avisar à família que só ficaria até 15h no almoço de comemoração dos seus 29 anos. “Tem jogo do Galo”, justificou. Segundo a irmã Bruna, só vestia camisas relacionadas ao clube. “Era realmente a segunda pele”, diz ela, recordando o aniversário de um sobrinho cruzeirense, ao qual todos deveriam ir de azul ou branco: “Ele foi com a camisa do Atlético”. Morreu em 2 de abril, aos 30 anos, e foi sepultado com a camisa de que mais gostava, ao som do hino atleticano. Deixou pais, irmãos e a noiva, com quem se casaria em 12 de junho.

Os Ataíde


(Foto: Arquivo pessoal)


A família Ataíde perdeu dois de seus pilares quase simultaneamente em setembro, quando se foram José Paulo Silveira Ataide, então com 74 anos, servidor público aposentado, e Juscelino Eustáquio Ataíde, o Tino, 73, aposentado. O Atlético perdeu dois dos mais fervorosos torcedores. Eles eram os mais velhos de 15 irmãos e dividiam o laço sanguíneo, a amizade e o amor pelo Galo. Zé Paulo foi vereador, secretário de Saúde e candidato a prefeito de Brumadinho. Deixou viúva, quatro filhos e seis netos. Tino não deixou descendentes diretos. Nascidos em Piedade do Paraopeba, distrito de Brumadinho, foram trabalhar em Belo Horizonte na década de 1960, logo ganhando a companhia de outro irmão, Jesuíno, para eles Jeninho. A paixão pelo Alvinegro os fez pagar um táxi até o Rio para ver o jogo contra o Botafogo, no qual o Galo conquistou o Brasileiro. “Se somos atleticanos mesmo, temos que estar ao Maracanã”, disse Zé Paulo, antes de saber que não havia mais passagens rodoviárias ou aéreas para a capital fluminense. Contaram com a boa vontade de um taxista, que se dispôs a levá-los em troca do combustível, hospedagem, alimentação e, claro, o ingresso. Eram frequentadores assíduos dos jogos do Atlético, até a pandemia mudar tudo. Definitivamente.

Doutor Marcão


(Foto: Arquivo Pessoal)


O amor do pediatra Marcos Evangelista de Abreu vinha de berço e foi passado para o berço dos filhos, como bem explica Guilherme, de 17 anos. “Lembro a gente cantando junto o rap do Galo, quando eu era muito pequeno”, conta. Para vestir, quando não estava trabalhando, unia o branco da profissão ao preto, tendo “mais de 10 camisas do Galo”. Esteve presente no último clássico com torcida, em 7 de março de 2020, e vibrou muito com o gol de Otero, que deu a vitória ao alvinegro. Ultimamente, além do bom momento do time, estava entusiasmado com a construção do estádio próprio. Morreu aos 54 anos, em 22 de janeiro, deixando, além de Guilherme, a filha Natália e a mulher, Débora. 
 
 

O "anfitrião"


Gilberto


(Foto: Mineirão/divulgação)


Gilberto Fernandes de Almeida era um dos funcionários mais conhecidos do “novo” Mineirão. Afinal, a função de responsável pela área de competição do estádio o obrigava, desde que foi admitido, em 2013, a ser um dos primeiros a chegar e dos últimos a sair. Recebia as delegações, era responsável pelos vestiários, pelo apoio à arbitragem e a tudo que se relacionava ao campo de jogo. E, geralmente, “apagava” as luzes, pois conferia se todos os acessos à área de competição estavam fechados e acompanhava a saída do último profissional de imprensa e dos responsáveis pelo exame anti-doping. Nasceu no Rio, em 16 de março 1962, e se tornou uma das vítimas fatais da COVID-19 em 31 de março de 2020. Deixou a mãe, que mora em Anchieta (ES), as filhas Stephanie e Letícia, e dois netos, Bernard e Giovanna.


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