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"Os outros não perceberam"

Às vésperas do 100º jogo à frente do Cruzeiro, Marcelo destaca: vários comandados estavam no mercado e quem enxergou que poderiam dar certo juntos se deu bem

Rodrigo Clemente/EM/D.A Press

Marcelo de Oliveira Santos jamais dirigiu times no exterior. Sem o ar professoral que caracteriza sua classe no país que já deixou de ser do futebol, não é chegado aos holofotes, como a maioria. Esse mineiro típico, nascido há 59 anos em Pedro Leopoldo, completa 100 jogos oficiais à frente do Cruzeiro neste domingo, às 16h, contra o Santos, no Mineirão, pela 15ª rodada do Campeonato Brasileiro. No clube das cinco estrelas, ele se sente tão integrado quanto foi no Atlético – era um dos destaques do timaço que brilhou na segunda metade dos anos 1970, formado por Telê Santana e Barbatana. Com mais de um ano e oito meses de trabalho, é o treinador há mais tempo no cargo na elite do futebol do Brasil.

Campeão nacional em 2013 e líder em 2014, ano em que seu time já conquistou o Estadual, Marcelo se tornou o principal nome da nova geração de técnicos do Brasil e chegou a ter o nome cogitado para comandar a renovação na Seleção, depois do retumbante fracasso na reta final da Copa do Mundo. “A Seleção não é uma obstinação, algo em que fico pensando. Só de ser lembrado, fiquei feliz”, garante, em entrevista. Nela, confessa a frustração de ter visto San Lorenzo e Nacional-PAR decidindo uma Copa Libertadores na qual a Raposa, que sonhava alto, foi eliminada prematuramente. E manifesta a satisfação pelo trabalho na Toca da Raposa que tantos elogios lhe têm rendido: “É uma grande honra estar há tanto tempo no Cruzeiro, numa cultura brasileira que troca de técnico a todo momento”. Sobre o badalado elenco celeste, observa que vários jogadores estavam disponíveis no mercado, mas alguém teve o mérito de enxergar mais rápido que, uma vez reunidos, poderiam dar certo. “Eles estavam aí mesmo e os outros não perceberam.”

Confira a entrevista de Marcelo Oliveira:

Como se sente com essa marca que atingirá contra o Santos?
É uma grande honra estar há tanto tempo no Cruzeiro, um ano e oito meses numa cultura brasileira que troca de técnico a todo momento. Mais orgulhoso ainda por ter o trabalho reconhecido pelo torcedor, sempre com palavras de carinho e apoio e jogando junto. Mas é um trabalho conjunto. Tenho de exaltar o trabalho de todos: diretoria, estrutura, comissão técnica, tanto os que vieram comigo quanto os profissionais fixos do clube, e os jogadores, que criaram um ambiente muito bom para as conquistas. Esperamos brindar o fim do ano com mais um título ou dois. Não é fácil, mas é possível quando se trabalha intensamente. No ano passado, o time se encaixou de forma muito rápida. Já no Campeonato Mineiro, apesar de termos perdido, houve reconhecimento do torcedor. Jogamos de forma envolvente, com um time competitivo, que nos levou ao título brasileiro depois de 10 anos. A partir daí, há o trabalho diário de não acomodação, tentando agregar novos valores para acumular mais vitórias. Fala-se muito na conquista, que é um resultado efetivo. Mais que isso, porém, conseguimos trazer novos jogadores da base. Agregamos valores na medida em que indicamos jogadores que se tornaram ídolos. E há esse aspecto de criar um ambiente bom, estabelecer objetivos importantes.

A que atribui esse longo período no clube?
É uma combinação de coisas. Viemos com muita vontade e uma felicidade imensa de trabalhar no Cruzeiro, por tudo que a instituição representa. É um clube com estrutura administrativa e física, uma torcida imponente e fiel, que nos empurra muito. Ficar tanto tempo assim é sinal de que o trabalho está muito bem. Só fica a interrogação no Brasil, onde tem sempre esse questionamento: estamos aqui há tanto tempo em função do trabalho ou foram os resultados que nos mantiveram? Mas não interessa, importante é estar feliz, gozando o momento.


Qual a maior decepção: a eliminação na Copa do Brasil ou na Libertadores?

A frustração que ficou vendo a final da Libertadores foi o sentimento de que poderíamos estar lá, decidindo o título no Mineirão. Ficou o ensinamento. Fomos inconstantes, tivemos falhas que não eram normais. Fizemos grandes partidas também, mas não suficientes para seguir em frente. Ficou a lamentação de não termos conquistado a Libertadores, que era possível. Sempre que se trabalha muito, é com perspectiva de ganhar, conquistar vitórias... É claro que uma conquista internacional poderia nos dar a oportunidade de disputar o Mundial, importante para o clube, uma valorização para o trabalho, para os jogadores. Infelizmente, não foi possível. Na Copa do Brasil, fomos amplamente superiores no Mineirão. O Flamengo jogou melhor no Maracanã e avançou.

Qual o segredo para manter o grupo unido, com tantos jogadores e sem lugar para todos?
O elenco é muito exaltado. O Cruzeiro tem bom elenco e isso faz diferença, mas é necessário também planejar. Quando chegamos aqui, pensamos em promover jogadores da Copa São Paulo de Juniores. Monitoramos esses garotos. Indicamos jogadores de patamar médio e de Série B, que poderiam vir com olhos brilhando, como a gente diz. E outros de qualidade já comprovada e mais experiência. Egídio tinha passado por várias equipes e não tinha se firmado. Mayke era apenas um júnior subindo, promissor. Bruno Rodrigo não estava jogando no Santos. Henrique também não. Éverton Ribeiro estava muito bem no Coritiba, mas não era assediado pelas grandes equipes. Eles estavam aí e ninguém percebeu. Criou-se um ambiente e todos cresceram juntos. No dia a dia, para manter esse nível bom, é a conscientização, valorizar todo mundo e mostrar que todos são importantes. Ganhando no final, todos se valorizam. Seria muito cômodo ter 18 jogadores e não ter problema. Completaria com a base. Mas o nosso objetivo é ter banco forte e manter o nível da equipe. Os jogadores entenderam bem. É bom saber que não temos problemas, porque os jogadores são de boa índole.

Rodrigo Clemente/EM/D.A Press
O futebol da Alemanha na Copa do Mundo foi muito exaltado, e o Cruzeiro chegou a ser comparado aos campeões mundiais. Que influência teve isso dentro da sua concepção de futebol?
Em relação à Alemanha, vamos lembrar sempre que é um trabalho de sete anos. Os clubes brasileiros são criticados, às vezes, por não praticar bom futebol, mas todos os trabalhos são muito curtos. Troca-se muito de técnicos e de jogadores. Fica difícil fazer time, não se cria lastro, entrosamento eficiente. Em relação ao estilo de jogo, fizemos isso também no Coritiba. Em 2011, fomos o melhor ataque do Brasil, ganhamos a maioria dos jogos no Couto Pereira, sempre com futebol envolvente e ofensivo. É um pouco de concepção e também de influência de trabalhos que tive lá atrás como atleta e até como técnico. O que a gente tenta fazer no Cruzeiro é que o time marque com jogadores técnicos. Se não marcar e não correr, fatalmente vai perder o jogo. É fazer com que jogadores técnicos se conscientizem de marcar. Tendo a bola, você terá a oportunidade de criar coisas boas.

Por que técnicos brasileiros têm poucas oportunidades no exterior, ao contrário dos argentinos?
Não tenho opinião formada, de forma exata. Os argentinos trabalham no México, na Espanha, há o fator da língua. Mas os brasileiros são grandes profissionais e, como qualquer outro profissional, precisam estar se reciclando e melhorando sempre. No Brasil, sempre queremos copiar o que está dando certo. Falavam da forma de jogar do Barcelona, com muita posse de bola e 500 ou 600 toques. Depois, a Espanha perdeu e agora é a Alemanha. Em algum momento, quando o Brasil ganhou, exaltava-se o que se fazia aqui. O Brasil e os técnicos perdem com essa instabilidade e porque os jogadores que vão se destacando acabam saindo. Isso atrapalha o trabalho a médio e longo prazo.

Como você procura se atualizar?
No Brasil, se tem pouca oportunidade de se reciclar com cursos. Assisto a muitos jogos. A visão do técnico é outra, porque observa muito taticamente. Leio muito sobre tudo e vejo entrevistas. No meu caso específico, procuro tirar proveito das experiências vividas, como Copa do Brasil e Libertadores. Estudei muito o que aconteceu, a forma como aconteceu, por que perdemos e o que poderia ser diferente. É parte da prática tirar ensinamento do que se pode ou não se pode repetir.

Você tem planos de trabalhar no exterior ou dirigir a Seleção?
Não faço planos a médio e longo prazo. Faço planos dentro do contrato que tenho, trabalhando hoje intensamente no Cruzeiro, buscando melhores resultados e agregar algo. A Seleção não é uma obstinação, algo em que fico pensando. Sempre, na minha vida, as coisas acontecem de forma natural. Só de ser lembrado, fiquei feliz. É o ápice de todo técnico poder selecionar os melhores jogadores e trabalhar com eles, jogar da forma como quiser. Meu grande objetivo agora é conquistar mais este Brasileiro e entrar para a história do Cruzeiro.