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Cortina de silêncio

Abafado pelo medo e a vergonha, caso de abuso sexual de meninos de Caratinga que sonham com o sucesso no futebol tem um treinador preso e envolve o nome de Agnaldo Timóteo

postado em 17/04/2012 08:46 / atualizado em 17/04/2012 11:12

Enviado especial

Jair Amaral/EM/D.A Press
Caratinga –
“Vocês não vieram aqui falar do Maguila não, né?” A recepção inóspita de um jovem que rodeava o Campo dos Rodoviários, no Santa Zita, bairro da periferia de Caratinga, Vale do Rio Doce, reflete o clima entre os moradores quando o assunto é o treinador de futebol Cláudio Rogério Alves, o Maguila, preso em janeiro por induzir e seduzir jovens a atos sexuais, vendendo-lhes a falsa ilusão de conseguir espaço em algum grande clube do país.

Detido preventivamente desde que a Operação Contra-Ataque, da Polícia Civil, desarticulou esquema de pedofilia na região, indiciando seis pessoas, Maguila, de 49 anos, casado e pai de dois filhos, se valia da proximidade com os jogadores, oferecendo-lhes dinheiro e materiais esportivos antes de disponibilizá-los para uma rede de clientes.

Em cinco pastas pardas sobre a mesa do delegado regional Gilberto Simão Melo, o resultado do inquérito, com cerca de 1 mil páginas, contém fotos, interceptações telefônicas, depoimentos de vítimas e familiares e uma peça que surpreendeu os próprios investigadores: o suposto envolvimento do cantor Agnaldo Timóteo, vereador em São Paulo (PP), amigo de Maguila, citado pelo treinador e por duas crianças durante a investigação. Interrogado em 26 de janeiro, o artista, nascido na cidade, ratificou a amizade de longa data com o treinador, mas negou qualquer participação em atos de pedofilia. Há 15 dias, o Ministério Público fez requisição à Polícia Civil para apurar exclusivamente a participação de Timóteo.

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Jackson Romanelli/EM/D.A Press
Uma cortina de silêncio paira sobre a cidade. Os sete jovens citados no inquérito como vítimas não falam sobre o assunto. À exceção de comentários e rumores nas rodas de conversa, o caso Maguila é um tabu. A mãe de um dos garotos, que denunciou o esquema em julho, teme represálias. “Fiquei com medo de procurar a polícia. A gente trabalha na rua e é muito perigoso. Nunca se sabe quem vai encontrar”, explicou Maria (nome fictício), de 42 anos, que trabalha em uma das ruas mais movimentadas da cidade.

Os meninos que treinavam com Maguila em diversos campos da periferia temem não ter mais oportunidade no futebol e desconversam quando questionados sobre o ex-treinador, que os levava para as peneiradas em clubes do Rio. “Para a gente, foi um choque. Muitos meninos que vinham aqui para treinar, depois que ele foi preso, desistiram”, conta um garoto, que evitou se identificar.

O silêncio e o medo de não ter o sonho concretizado são os principais impedimentos para que as denúncias sejam feitas. Na semana passada, o país deu importante passo contra esse crime. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade a Lei Joanna Maranhão, que prevê mais tempo para as vítimas denunciarem seus agressores. “Hoje carrego a bandeira da luta. É possível viver além da triste experiência de um abuso sexual”, escreveu em seu blog a nadadora pernambucana, finalista olímpica dos 400m medley em Atenas’2004, que revelou ter sido abusada aos 9 anos por um ex-treinador.

A história dos meninos de Caratinga se repete Brasil afora, mas são abafadas pela conveniência, pelo medo e a vergonha. A pedofilia é uma mancha que, mesmo acobertada, macula o esporte.