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E-mails mostram que jurídico do Cruzeiro alertou sobre 'desequilíbrio' em contrato firmado com a Adidas; Itair pediu celeridade

Ex-vice-presidente de futebol, Itair Machado foi o responsável por reconduzir Adidas ao Cruzeiro e pediu celeridade no fechamento do acordo, mesmo com alerta do jurídico sobre cláusulas abusivas

postado em 27/12/2019 18:26 / atualizado em 27/12/2019 18:58

(Foto: Cruzeiro/divulgação)
As condições do contrato fechado com a Adidas surpreenderam o Núcleo Dirigente Transitório do Cruzeiro, a ponto de o CEO Vittorio Medioli manifestar o desejo de romper o contrato com a fornecedora de material esportivo antes mesmo de a coleção começar a ser comercializada nas lojas, em 2 de janeiro. Pelo acordo de três anos, o clube não tem receita fixa garantida, diferentemente do que prevalecia com a Umbro.

“Temos que encerrar o contrato com a Adidas. O contrato, não sei quais são as cláusulas, mas vai nos deixar falidos. Porque dá um contrato para a Adidas ganhar dinheiro, e o Cruzeiro segurar a brocha, não dá”, disse Medioli.

O responsável principal por fechar o acordo foi o ex-vice-presidente de futebol Itair Machado.

As reuniões entre Cruzeiro e Adidas começaram em 14 de fevereiro de 2019. No mesmo dia, foi assinada uma carta-proposta. Apesar disso, o contrato definitivo ficou pronto só em 26 de setembro. À época, o departamento jurídico cruzeirense alertou o presidente Wagner Pires de Sá de um “desequilíbrio contratual” que impunha ao clube “obrigações bem superiores e mais complexas do que a própria fornecedora, sem a merecida contraprestação”.

Em e-mail enviado a Wagner, em 26 de setembro de 2019, às 17h17, o diretor jurídico Fabiano de Oliveira Costa disse que não conseguiu ‘evoluir’ com o departamento jurídico da Adidas para melhorar as condições do contrato. Ainda assim, junto da minuta final, ele enviou ao presidente uma série de observações e ressalvas jurídicas não atendidas. Entre outros, foram copiados na mensagem eletrônica o então diretor-geral Sérgio Nonato, o diretor comercial Rene Salviano e o diretor financeiro Flávio Pena. O então vice-presidente de futebol Itair Machado, responsável por boa parte da negociação, não recebeu as ponderações.

Fabiano citou 16 cláusulas do contrato abusivas ao Cruzeiro e que protegiam a Adidas (veja no fim do texto). A mesma relação foi divulgada nesta sexta-feira, em primeira mão, pelo site Deus Me Dibre. O Superesportes teve acesso a ela e a outros e-mails.

Wagner Pires de Sá não respondeu às ponderações do departamento jurídico. O primeiro a se manifestar foi o então diretor-geral Sérgio Nonato. Em resposta enviada a todos os copiados, às 10h06, do dia 27 de setembro, ele se mostrou favorável a “rever algumas partes deste acordo”.



Ainda no dia 27, às 11h, o diretor comercial Rene Salviano enviou uma mensagem a todos e copiou, pela primeira vez, o então vice-presidente de futebol Itair Machado. A alegação era de que ele “acompanhou as tratativas (com a Adidas) desde o início”.

Rene informou no e-mail que a primeira reunião com a Adidas foi na Toca da Raposa II, em 14 de fevereiro de 2019, no ato da assinatura da Carta-Proposta. À época, ele alegava desconhecer as condições do contrato, mas disse que, ainda assim, o documento fora assinado. “Fiquei surpreendido e ao mesmo tempo feliz, pois como cruzeirense, sei do tamanho da paixão do nosso torcedor com a marca Adidas”, escreveu.

Em outro ponto do e-mail, Rene Salviano disse que tentou melhorar as condições do contrato, mas recebeu resposta “negativa” do Grupo Dass, responsável pela marca Adidas no Brasil. Ainda segundo a explicação do diretor comercial no corpo da mensagem, clubes como São Paulo e Internacional tinham “contratos idênticos” ao do Cruzeiro.

Rene destacou que conseguiu “alguns itens” que os demais clubes não tinham. “Colocar em contrato a prioridade nas verbas de leis de incentivo da Adidas; Colocar em contrato intercâmbio dos nossos Departamentos Comercial e Marketing com os clubes Real Madrid, Arsenal, Bayern e Manchester United; Colocar em contrato um adiantamento de royalties para janeiro/fevereiro no valor de R$ 2.500.000,00; Retirar do contrato itens de Umbranded, entregas de marketing e mídias sociais que julguei excessivos”, elencou Rene Salviano no e-mail enviado a todos os copiados.

Por fim, Salviano apontou falhas de atendimento da Umbro, fornecedora vigente, e exaltou o acordo com a Adidas em função do valor que a marca alemã poderia agregar à marca Cruzeiro. “Os nossos lojistas estão super empolgados com a possibilidade de vender outros produtos Adidas em nossas lojas, algo que não possuímos com a Umbro, tanto pela marca como pela ausência de produtos de valor agregado como tênis e vestuários de moda; Pelo alcance mundial que a marca tem, teremos intangíveis imensuráveis de imagem com esta reconexão com a marca; Sabemos que é um pedido do nosso torcedor a 30 anos; Existe uma forte demanda pela marca, observada facilmente em uma busca nas nossas mídias sociais. Reitero que fiz o meu máximo para melhorar um contrato existente e finalizado, mas deixo aqui também a minha opinião de que almejamos ser um sucesso esta reconexão com uma marca mundial após 30 anos, em pleno Centenário”, concluiu Rene.

Responsável principal pela assinatura do acordo com a Adidas, Itair Machado enviou resposta a Rene ainda no dia 27 de setembro, às 22h49, e se mostrou irritado pela “lentidão” na conclusão do acordo. O vice-presidente de futebol exigiu celeridade do diretor comercial para sacramentar o negócio. Itair ainda exaltou seu feito de reconduzir a Adidas ao Cruzeiro. "Gostaria de informá-lo que eu não só participei desde o início, como fui o responsável único e direto em trazer a marca Adidas como, fornecedora oficial de material esportivo, para o Cruzeiro".

Veja a resposta completa de Itair Machado a seguir:



Na resposta enviada a Itair Machado, com os demais envolvidos copiados, Rene Salviano estranhou o tom do vice-presidente de futebol e defendeu-se das acusações de ter assumido os méritos pelo fechamento do negócio com a Adidas.

“Em nenhum momento quis valorizar algum feito ou dizer que fiz algo sozinho, muito pelo contrário, ninguém no mundo faz algo sem ajuda do companheiro de trabalho. Eu estava apenas contando o passo a passo para todos entenderem que foi feito o máximo que podíamos. Expliquei cada passo para todos entenderem, afinal, estamos no mesmo time! Você não estava copiado nos outros emails, fiz questão de te copiar e deixar ciente justamente sabendo do seu envolvimento com o tema, mas acho que voce entendeu tudo exatamente ao contrario... Em relação à lentidão, procurei preservar o Cruzeiro para não haver ações jurídicas futuras por desrespeito à clausula de preferência do contrato atual existente, mesmo podendo não estar presente quando isto ocorresse. Apenas isto. De qualquer forma, estarei como sempre totalmente à disposição, de forma profissional, como sempre estive para cada um de todos aqui”.

A seguir, as ressalvas feitas pelo diretor jurídico Fabiano de Oliveira Cosa ao presidente Wagner Pires de Sá:



Detalhes do contrato

O acordo com a marca alemã vai até o fim de 2022, podendo ser ampliado até 2025.
 
No contrato firmado com a Adidas, o Cruzeiro não receberá um valor fixo, e sim um percentual por cada camisa vendida pela empresa aos lojistas. O valor por peça da fabricante para o comerciante seria de R$ 120. Além disso, há royalties de 7% das lojas oficiais do clube e da empresa de comércio eletrônico Netshoes.

Segundo números obtidos pelo Superesportes, o Cruzeiro embolsará, em 2020, 24% do dinheiro proveniente da comercialização das peças de fábrica. Em 2021, ano do centenário do clube, a comissão sobe para 27%. 

Assim, em uma camisa com preço de custo de R$ 120, o Cruzeiro tem direito a 24% - ou seja, R$ 28,80. Já o uniforme vendido pelo lojista, por R$ 249,99, a participação seria de 7% - R$ 17,50. Na somatória, poderá faturar mais de R$ 46 por camisa.

As vendas da nova coleção começam nas lojas oficiais em 2 de janeiro, dia do aniversário de 99 anos do Cruzeiro. As camisas serão comercializadas a R$ 249,99, nas versões masculina e feminina, e R$ 229,99, no modelo infantil.

Adiantamento

Para conseguir quitar a folha de pagamento do mês de agosto do elenco, o Cruzeiro já antecipou R$ 2,5 milhões do contrato com a Adidas. Conforme apurou o Superesportes, o valor será descontado do royalty que a companhia alemã pode repassar para a Raposa pela comercialização dos uniformes.

O alerta do jurídico ao presidente Wagner

Prezado Presidente, Wagner, boa tarde.
 
Após reiteradas análises e discussões sobre a minuta do novo contrato de patrocínio de material desportivo, informarmos que encerraram-se as deliberações, e a versão final da minuta encontra-se anexa, sob o nome de “Minuta Cruzeiro x Adidas – Versão Adidas”.
 
Como já havíamos manifestado anteriormente, temos muitas ressalvas a respeito deste contrato, inclusive sobre suas condições gerais, entre elas de um desequilíbrio contratual, na assunção, pelo Cruzeiro, de obrigações bem superiores e mais complexas do que a própria fornecedora, sem a merecida contraprestação.
 
De toda forma, não conseguimos mais evoluir com o Depto. Jurídico da Adidas, de modo que nos cabe, neste momento, apenas esclarecer à V. Sa. a respeito das principais ressalvas do ponto de vista jurídico, considerando que não nos cabe avançar, como se sabe, nos aspectos comerciais e negociais do contrato.
 
Assim, seguem anexos as duas minutas para seu conhecimento e comparação, caso queira: a “Minuta Cruzeiro x Adidas - Versão Jurídico Cruzeiro” (que contém todas nossas observações autoexplicativas), e a versão “Minuta Cruzeiro x Adidas – Versão Adidas”, que é exatamente aquela que foi possível avançar junto à empresa patrocinadora, tratando-se, pois, da versão final que se pretende assinar, se assim for decidido.
 
De todo modo, apenas para resumir, os nossos principais pontos de observações e ressalvas jurídicas são:
 
Cláusula 1.1- Acessórios de Futebol – Entendemos que a expressão “outros esportes” deveria ter sido suprimida do Contrato, uma vez que o Cruzeiro estende à adidas direitos que reguramente não são concedidos nessa modalidade de contrato e podem corresponder a prejuízo futuro, inclusive sob nossa reprovação, neste mesmo sentido, da Cláusula 4.1 “a”, “b”, “c” e “d” e Cláusula 4.2 que, além de cláusula abusiva, configura desequilíbrio contratual e sujeita o Clube ao arbítrio da adidas a aprovação de peças de outros esportes.
 
Ainda neste item, entendemos que deveriam ser suprimidas a enorme quantidade de itens e acessórios, uma vez que tal abrangência prejudica a realização de futuros contratos comerciais pelo Cruzeiro.
 
Cláusula 1.1- Marcas do Clube – Entendemos que a designação das Marcas do Clube referidas no Contrato são demasiadas e extrapolam o objeto do contrato de Patrocínio e podem, portanto, serem prejudiciais ao Cruzeiro.
 
Cláusula 1.1- Membros – Entendemos que o conceito de membros inserido no contrato é também demasiado extensiva e alcança pessoas, que supostamente estariam obrigadas ao contrato, às quais o Clube não tem como ter ingerência ou que colidiriam com outros interesses comercias.
 
Tal conceito gera efeitos em outras obrigações contratuais, inclusive do item “a” da Cláusula 4.3, que também não foi suprimida e pode gerar multas ao Clube
 
Cláusula 1.1 – Produtos – Entendemos que itens de “lazer” não deveriam estar inseridos neste contrato por escaparem de seu objeto e prejudicam o clube de firmar contratos desta natureza com terceiros, ou seja, estamos cedendo direitos sem devida contraprestação.
 
Cláusula 2.2 -  Havíamos sugerido a supressão dos itens d, e, 6.6,9, 11 e 12.7 da referida Cláusula, considerando que as mesmas não deveriam subsistir os direitos descritos após o término do contrato.
 
Cláusula 3.3 – Trata-se de Cláusula que perdoa a dívida da adidas com o Clube na hipótese do Clube não enviar fatura válida dentro do prazo estipulado pela adidas (6 meses).
 
Cláusula 3.4 – Trata-se de Cláusula que autoriza a adidas a reter valores do Cruzeiro caso eles entendam haver qualquer descumprimento contratual por parte do Clube, configurando abuso e desequilíbrio contratual.
 
Cláusula 4.3 item “c” – Entendemos como abusiva a Cláusula que obriga o Clube a submeter produtos Unbranded à aprovação da adidas.
 
Cláusula 5.2 – Discordamos da possibilidade de utilização da Verba Cooperada para utilização em publicidades da marca, uma vez que os custos deveriam ser apenas da patrocinadora.
 
Cláusula 6.4, item “d” -  Entendemos que traz ao Clube uma obrigação de fato de terceiro do qual o Clube não poderia se obrigar.
 
Cláusula 8.1 “c” – Consideramos abusiva a Cláusula que autoriza a rescisão unilateral do contrato em razão de punição de federação esportiva ou organização nacional ou internacional sofrida pelo Clube no caso de grave violação, principalmente se observarmos a atual situação do Clube.
 
Cláusula 8.6 “d” – A Cláusula obriga o Cruzeiro de ressarcir à adidas custos “razoáveis”, termo este subjetivo e de difícil valoração, o que possibilita cobranças indevidas e com altos valores.
 
Cláusula 8.7 “a” -  Possibilita que a adidas rompa unilateralmente o contrato caso o Clube caia para a série B do Campeonato Brasileiro, o que demonstra um risco contratual diante da atual situação do Clube.
 
Cláusula 10.1 -  As multas decorrentes de descumprimento contratual são aleatórias, abusivas e com valores excessivos. Embora a multa seja bilateral, a formatação do contrato outorga um número muito maior de obrigações ao Cruzeiro, de modo que este ficaria mais passível de descumprimento.
 
Cláusula 17.1 e 17.1.1. – Embora seja uma Cláusula justa e necessária, consignamos nossa preocupação de sua implicação no atual momento em que o Clube é alvo de investigação, ou seja, ainda que se admita a remota hipótese de qualquer intercorrência, caso esta ocorra no futuro, poderá ser justificativa para rescisão do Contrato.
 
Anexo V – item 11 “e” – A Cláusula obriga que o Cruzeiro o uso dos dois primeiros técnicos do time do Clube para realizar sessão de treinamento, sem restar definido que esta ocorrerá apenas com a concordância dos profissionais e nas datas autorizadas pelo Clube
 
Portanto, diante dessas importantes considerações e ressalvas das quais a Adidas não acolheu nossos pedidos, submetemos à sua apreciação e deliberações para, ao final, nos informar sobre quais medidas deveremos tomar, seja para insistir nas alterações propostas por nós, seja para aceitá-las para devida assinatura.
 
Atenciosamente,

Fabiano de Oliveira Costa
Diretor Jurídico

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