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HOMOFOBIA

Rara no Brasil até início de campanhas, camisa 24 é usada naturalmente no futebol internacional

Flávio, do Bahia, Nenê, do Fluminense, e Tailson, do Santos, passaram a usar número em campanha dos clubes contra homofobia

postado em 06/02/2020 11:03 / atualizado em 06/02/2020 11:15

(Foto: Lucas Merçon/Fluminense)

Historicamente associado de maneira preconceituosa à homossexualidade, o número 24 estava quase extinto do futebol de São Paulo no início do ano. Prova disso foi a primeira rodada do Campeonato Paulista. Um jogador entre os 334 relacionados para as oito partidas iniciais usou a numeração. O cenário pode mudar a partir de campanhas dos clubes contra a homofobia e em homenagem a Kobe Bryant, ex-jogador de basquete da NBA morto em acidente de helicóptero que usava a camisa 24. 

O volante Flávio, do Bahia, personificou uma ação do clube contra a homofobia vestindo a camisa na Copa do Nordeste. Literalmente. Terça-feira, Nenê, do Fluminense, usou a 24 no jogo contra o Unión La Calera, pela Copa Sul-Americana. No último domingo, o atacante Tailson, do Santos, também aderiu ao número - o jogador vinha usando o 39.

O único camisa 24 da rodada inicial do Paulistão foi Kauan Tomé Firmino Silva, terceiro goleiro do Novorizontino. "Em alguns lugares, a discriminação existe, mas nunca percebi isso aqui. No Novorizontino, a gente não liga para isso", disse o goleiro de 18 anos, formado na base do clube. "Não fiquei incomodado em usar o número. Foi a primeira partida na qual eu fui relacionado e isso tem um valor especial", afirma.

No clube de Novo Horizonte, a escolha do número está inserida na formação das categorias de base, que inclui palestras contra discriminação, por exemplo. Além disso, a ação coloca em prática as ideias das campanhas educativas. "Nós conversamos sobre a adoção da camisa 24 e fizemos o que tinha de ser feito. O clube é contra qualquer forma de discriminação", afirma Genilson da Rocha Santos, presidente do Novorizontino desde 2012.

A partir da terceira rodada do Campeonato Paulista, Kauan ganhou a companhia do corintiano Victor Cantillo. Mas a escolha revelou como a ausência do 24 pode ser uma manifestação velada de discriminação. Dono do número no Junior Barranquilla, seu ex-clube, o jogador foi tema de polêmica quFUTEBOL ando o diretor de futebol Duílio Monteiro Alves deu uma declaração homofóbica na apresentação do reforço. "Vinte e quatro aqui não", disse.

Diante da repercussão negativa, o diretor usou as redes sociais para se desculpar. O clube, então, mudou de posição e decidiu deixar Cantillo com a 24. "Em 2012, quando eu também era diretor de futebol, fomos campeões invictos da Libertadores e nosso goleiro Cássio usou essa camisa", disse. 

O terceiro goleiro do Corinthians no início da Libertadores de 2012 era Cássio. Ele ganhou espaço com a camisa 24. No segundo semestre, passou a usar a 12. "Um esporte tão popular resiste a esse esforço civilizatório pela liberdade de gênero e opção sexual", opina o psicólogo Hélio Roberto Deliberador, da PUC/SP

Uma das explicações para a aversão ao 24 está associada ao Jogo do Bicho. Na loteria criada em 1892 e inspirada no Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, a quadra estipulada ao animal veado é a 24.ª, contendo os números 93, 94, 95 e 96. Rogério Baptistini, sociólogo da Universidade Mackenzie, afirma que o número acabou se tornando um estigma. "Após a segunda metade do século 20, a dezena do jogo serviu para marcar os homossexuais. E o futebol, com a adoção da numeração nas camisas, sendo um ambiente carregado de preconceitos, não ficou imune", disse.

CAMPANHA - O número 24 costuma ser utilizado pelos clubes somente em competições nas quais a numeração de camisas é fixa. Na Libertadores e na Sul-Americana, por exemplo, os 30 jogadores devem estar numerados com camisas de 1 a 30.

Nas últimas semanas, várias ações tentam combater a homofobia. A LiGay, liga de futebol LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais e assexuais), vestiu a estátua do Pelé, em Santos, com a camisa "proibida" em 16 de janeiro.

O movimento para que os atletas usem a camisa 24 esteve entre os assuntos mais comentados na última semana, ação ganhou o apoio da cervejaria Brahma e virou a campanha "Número de Respeito". A revista Corner lançou a ação "Pede a 24".

CAMISA 24 PELO MUNDO 

Na Europa, rejeitar a camisa 24 por questões relacionadas à homossexualidade está fora de cogitação. Considerando-se os times classificados às oitavas de final da Liga dos Campeões, todos os 16 clubes têm jogadores que utilizam o número rejeitado no futebol brasileiro. Os exemplos englobam atletas de diferentes nacionalidades. São os casos do lateral Florenzi (Roma), do espanhol Dani Ceballos (Real Madrid) e do inglês Brewster (Liverpool). 

A realidade é a mesma nos países da América do Sul. Nos principais clubes argentinos (Boca Juniors e River Plate) e uruguaios (Peñarol e Nacional), os elencos têm atletas que vestem a camisa 24. O mesmo acontece com os finalistas do campeonato norte-americano, o campeão Atlanta e o Portland. "Apenas no Brasil o número 24 traz essa mácula para quem o utiliza no futebol. Isso é próprio da nossa cultura, não de outra", afirma Rogério Baptistini, sociólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O especialista lembra que o número é comum em outros esportes. Kobe Bryant, morto em um acidente de helicóptero na Califórnia, usou a camisa 24 ao longo de seus 20 anos de carreira pelos Los Angeles Lakers. 

Outro fator que justifica a exclusão de alguns números é a superstição. O ex-jogador e hoje técnico Maradona determinou que não fosse mais usada a camisa 13 no Gimnasia. Para ele, o número traz má sorte.

Também existem outros fatores. Na Alemanha, por exemplo, há a tradição de não se usar a camisa 12, uma homenagem às torcidas que representariam o papel do 12º jogador da equipe.

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