Cruzeiro
None

CRUZEIRO

Com a bola toda

Biografia de Alex mostra com maestria as qualidades que consagraram o craque nos gramados, sem concessões e com casos saborosos. Obra será lançada no dia 19 em BH

postado em 08/11/2015 11:00 / atualizado em 08/11/2015 11:01

Auremar de Castro / Estado de Minas
Talentoso, habilidoso, solidário, líder... Características que marcaram a carreira de Alex, encerrada no ano passado, aos 37 anos. Que deslumbraram as torcidas do Coritiba, do Palmeiras, do Cruzeiro e do Fenerbahce. Que mereciam ter sido apreciadas na maior das vitrines da bola: a Copa do Mundo. Mas, a exemplo de outro cruzeirense ilustre, Dirceu Lopes, ao craque paranaense foi negada a possibilidade de exibi-las às plateias de todo o planeta. Futebol tem dessas coisas.

O jornalista carioca Marcos Eduardo Neves, que já havia marcado dois golaços literários com Anjo ou demônio – a polêmica trajetória de Renato Gaúcho e Nunca houve um homem como Heleno, acerta mais uma vez na meta ao transpor para as mais de 250 páginas de Alex, a biografia a fulgurante carreira de Alexandro de Souza. O livro contando a trajetória do ídolo cruzeirense da tríplice coroa de 2003, que terá na terça-feira o primeiro de seus quatro lançamentos, expõe com clareza as quatro características expostas acima.

Alex conduz o livro. Assim como ditava o ritmo dos seus times em campo, é ele o fio condutor da história, quase toda recheada com suas declarações. Mas não é uma obra em primeira pessoa. E aí está o mérito do autor. Como um técnico que, acima de tudo, respeita as características dos seus jogadores, Marcos Eduardo Neves dá toda a liberdade ao craque para brilhar. Amarra com simplicidade e competência os assuntos, tocando a bola com precisão para quem sempre soube tratá-la como ninguém. Com o notável reforço de dois gênios do futebol: Tostão, na quarta capa; Zico, na orelha.

Das páginas de Alex, a biografia, emerge outra personagem: Daiane, que começou a namorar o jogador aos 13 anos e com quem se casou ainda menor de idade. Sempre presente na vida do marido, ela não se furta a comentar as passagens da vida dele. Mas como um complemento, não como imposição. A triangulação Marcos-Alex-Daiane surte efeito, dá dinâmica à leitura – alia, digamos, a capacidade individual à força do conjunto.

Nada é deixado de lado. A infância pobre, o início no futsal, a precocidade nas categorias de acesso, a chegada ao Coritiba, o namoro com a filha de um dirigente (Daiane), a origem do nome de guerra (dado por Paulo César Carpegiani), a venda ao Palmeiras. Tudo em tabelinha, sem poupar personagens (nem o principal). Com a humildade que também o caracterizou, Alex reconhece episódios em que errou ou se excedeu, o que ajuda a ressaltar o lado humano do ídolo, que não se põe em nenhum pedestal, mas não se rebaixa. Que desde cedo aprendeu que em palavra de cartola não se deve confiar – seja ele brasileiro, italiano ou turco.

A longa novela para se desembaraçar da poderosa Parmalat – com direito até a falsificação de assinatura do jogador, promovida pela nada ética multinacional dos laticínios e desmascarada por um legista – também está exposta em riqueza de detalhes. Novela essa que lhe permitiu defender o Cruzeiro pela primeira vez, depois de passagem inócua pelo Flamengo e breve retorno ao Palmeiras. Mas, ao mesmo tempo, impediu de mostrar o seu talento em Minas. Situação agravada pela relação conflituosa com o técnico Marco Aurélio. Eles não se gostam, e o técnico se recusou a falar sobre o jogador ao autor do livro.

A segunda, e gloriosa, passagem de Alex pelo Cruzeiro é um dos pontos altos da obra. Ele próprio avalia que foi onde jogou melhor. A construção do esquadrão que dominou o futebol brasileiro de ponta a ponta em 2003 é mostrada amplamente, com pequenos e saborosos episódios, momentos que marcaram uma grande volta por cima de um atleta.

Outro destaque é a relação dos turcos com o camisa 10 do Fenerbahce. Ele conquistou o coração de uma das mais inflamadas torcidas do mundo, foi recebido pelo primeiro-ministro e tinha os passos vigiados atentamente pelos fãs, que lhe erigiram uma estátua e não perdoaram a direção do clube quando o ídolo foi dispensado, num caso explícito de ciumeira do treinador.

A volta ao Brasil para defender o Coritiba, time do coração, quase abalou seu casamento – e ele não doura a pílula. A desilusão cada vez mais frequente com os bastidores do esporte do país, o engajamento ao movimento Bom Senso F.C. e o fim da carreira encerram a obra, da qual resulta um ser humano com virtudes e defeitos, sem máscaras ou disfarces. Mérito também do autor, que permitiu ao craque reproduzir nas páginas o estilo com que venceu nos gramados e se transformou num dos maiores armadores da história do futebol brasileiro.

• Alex, a Biografia
• De Marcos Eduardo Neves
• Editora Planeta
• 256 páginas
• R$ 39,90
• Lançamento:
Terça-feira, em São Paulo; 19/11, Belo Horizonte; 24/11, Curitiba; 1º/12, Rio

TRECHOS

“Era uma aposta, um pacto que tracei com ele. Tanto eu quanto o Vanderlei precisávamos mostrar quem éramos. Ganhamos o estadual com os pés nas costas, mas comemoramos pouco. Se o meu objetivo primordial era me mostrar recuperado, o do clube era vencer o Campeonato Brasileiro.”
• Sobre a programação do craque e do treinador para recuperarem o prestígio em 2003, no Cruzeiro

“Não me intimidei com a massa rubro-negra que lotava o estádio. Após um passe do Deivid, abri o placar com um gol, também de letra, no qual me antecipei aos zagueiros no primeiro pau. A partida terminou 1 a 1 e a decisão ficou para o Mineirão.”
• Sobre o gol de letra contra o Flamengo, no Maracanã, na primeira partida da final da Copa do Brasil

“Me aproximei do banco e notei o Luxemburgo superconcentrado. 'Somos campeões, mestre!' Ao me ver, ele me xingou pra cacete. 'O que você está fazendo aqui?'. ‘Somos campeões, mestre; o Santos está levando uma goleada!’ Eu tentava abraçá-lo e ele me empurrava. 'Sai daqui, porra, me deixa trabalhar.' Numa hora, compenetrado, ele berrou: 'Tira esse moleque daqui'. Me tiraram e, inquieto, fiquei zanzando para lá e para cá.”

• Sobre a vitória contra o Paysandu, que sacramentou o título brasileiro. Suspenso, ele viu o jogo de uma cabine e desceu para o campo depois do segundo gol da vitória por 2 a 1

CURIOSIDADES DE ALEX NO CRUZEIRO

• Depois de duas gravidezes mal-sucedidas, a mulher, Daiane, fazia um tratamento em Campinas, que obrigava o craque a se deslocar às vezes para a cidade paulista, onde colhia sangue a ser injetado no braço da esposa. Só Luxemburgo tinha conhecimento disso e liberava seu capitão. O tratamento deu certo.

• Alex não se dava bem com Edu Dracena. Nem no Cruzeiro nem no Fenerbahce, onde também teve sério desentendimento com Deivid. O mesmo ocorreu com Zinho no Palmeiras. Com o atacante, com quem jogara na Raposa, ele voltou a se entender, e atuaram juntos ainda no Coritiba. Assim como com Zinho, quando este chegou para ser seu reserva no Cruzeiro.

• Ele jamais perdoou os irmãos Perrella pela maneira como o dispensaram depois da primeira passagem pela Toca da Raposa. Só voltou ao clube por insistência de Vanderlei Luxemburgo. O técnico disse à direção que bancava o retorno do armador e ela poderia descontar do seu salário se não desse certo. Ao regressar, o jogador aceitou ganhar pouco. Em janeiro de 2004, com o craque consagrado como o melhor jogador do ano anterior no país, o presidente Alvimar de Oliveira Costa aceitou as exigências do camisa 10 para renovar contrato.

Tags: cruzeiroec futnacional alex biografia