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Abusos, denúncias e sucessão: Gilvan avalia crise na gestão de Wagner no Cruzeiro

Ex-presidente apoiou Wagner Pires de Sá na última eleição; hoje, é líder da oposição e vê renúncia como caminho para salvar o Cruzeiro

postado em 30/09/2019 07:00 / atualizado em 30/09/2019 02:37

<i>(Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)</i>
Dois anos depois de ajudar a conduzir Wagner Pires de Sá à principal cadeira do Cruzeiro, o ex-presidente Gilvan de Pinho Tavares vê a renúncia em bloco do atual mandatário, dos vices e de toda a diretoria executiva como único meio de livrar o clube de sua maior crise institucional. 

Gilvan vê relação direta entre as denúncias graves contra a gestão de Wagner e o mau momento do time em campo, com risco de rebaixamento no Campeonato Brasileiro. Para ele, a falta de recursos e a perda de crédito dos dirigentes, investigados pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, fizeram desandar a harmonia na Toca da Raposa II. 

“A gente sabe sim que o Mano (Menezes) saiu contrariado, mas não com os jogadores, mas sim pela falta de crédito da diretoria. Isso vai minando as coisas lá dentro. Quem não sabe comandar, não sabe comandar (em referência à diretoria). Vai desagregando, atrapalhando. Isso é fácil de consertar. Basta eles saírem”, argumentou.

A única saída deles, hoje, é a renúncia. Do contrário, vão cair de podre. Vai ser ruim demais ver essa gente que nunca fez nada pelo Cruzeiro e deixar o Cruzeiro na segunda divisão. A renúncia seria uma saída até honrosa”, disse Gilvan.

Nesta entrevista ao Superesportes, Gilvan de Pinho Tavares analisa a crise no Cruzeiro, a divisão política no Conselho Deliberativo, as denúncias contra a gestão de Wagner Pires de Sá e a chance de mudança em 2020.

Ele ainda comentou as declarações de Wagner durante feijoada no último sábado, no Parque Esportivo do Barro Preto. Segundo o atual presidente, o Cruzeiro é hoje um ‘bagaço’ e vários de seus antecessores entraram no clube para enriquecer. (Veja vídeo abaixo)



“Dói na gente ver o clube passar por essa situação. Eles fazendo farra, bebendo, comendo feijoada, tudo certamente na base do 0800. Ora é feijoada, ora é caldo para ver se agradam os outros. Isso é uma vergonha. (...) Entrei no Cruzeiro nos anos 1950 como atleta e nunca vi nada igual como essa crise de hoje.”, declarou Gilvan.

Como recebeu a declaração do Wagner de que Cruzeiro hoje é um bagaço e que a maioria dos presidentes enriqueceu no clube?

“Eu examinei o vídeo e achei aquilo até hilário. A gente sabe da dificuldade que ele tem para se expressar, tanto que ele fala pouco, delega muito para os outros, exatamente porque não tem facilidade de se expressar. E naquele vídeo ele estava numa farra, devia ter bebido muito e acabou se expressando de forma inconveniente. Ele sabe que faltou com a verdade, porque não pegou bagaço no Cruzeiro. Até porque ele nunca tinha ocupado direção de clube, foi eleito porque apoiamos ele, não tinha prestígio para se eleger. Com o nosso prestígio, a gente o elegeu, mas com o compromisso com as pessoas que estavam do nosso lado de não colocar o Itair Machado no futebol. Ele deu a palavra de honra que não colocaria, e nós acreditamos. Trabalhamos por ele. Dois dias depois de eleito, faltou com a palavra e colocou Itair no futebol. Rompemos com ele. E ele teve nas mãos um time de futebol montado, que tinha acabado de ser campeão da Copa do Brasil. Deixamos tudo pronto, tanto que esse elenco que nós deixamos acabou sendo campeão mineiro em 2018, campeão da Copa do brasil em 2018 e campeão mineiro em 2019. O mesmo time que deixei para ele. Com incompetência - por isso que não queríamos aquelas pessoas lá -, eles se desfizeram de peças importantes, estão desmantelando o time, e deixando o time nessa situação de risco de rebaixamento. Ele faltou com a verdade.

O Wagner não pode falar em bagaço nunca, porque tudo que ele ganhou foi com o time que eu e minha diretoria montamos. Venderam todos que podiam e não conseguiram trazer as peças de reposição. Chegaram a contratar um treinador para ficar um mês e meio, e gastaram, pelo que consta, quase R$ 4 milhões do clube com salários e indenizações. Isso é um absurdo. E justamente nesse momento em que o Cruzeiro não tem receita nenhuma. O Rogério Ceni saiu porque não teve respaldo, não teve apoio. O Abel Braga já é o terceiro treinador que passa pelo Cruzeiro este ano. Como o clube vai aguentar isso?

O senhor se sentiu ofendido pela afirmação do Wagner de que a maioria dos presidentes enriqueceu no clube? E que ele é uma exceção, pois empobreceu no cargo?

Falou bobagem, estava na farra, estava bebendo, e vem dizer que as pessoas que passaram pela presidência entraram no Cruzeiro para ganhar dinheiro. É uma acusação gravíssima contra gerações e gerações que fizeram o Cruzeiro ser o que é, desde Palestra Itália até os dias atuais. Todos os presidentes fizeram o Cruzeiro crescer. Ele ofendeu a família Lemos; Felício Brandi; Furletti; os irmãos Masci, os irmãos Zezé Perrella e Alvimar de Oliveira Costa. Faltou com respeito comigo. Foi grave o que ele disse, inclusive sobre minha administração. Todos engrandeceram o Cruzeiro, clube que nunca foi rebaixado e que nunca passou tanta vergonha como agora, podendo até cair para a segunda divisão em meio a esses escândalos. Tudo isso pela péssima gestão do Wagner e das pessoas que ele levou pra lá, como esse Itair, sem contar outros. Isso está deixando a torcida preocupada.

E ele dizendo que chegou rico e que dirigentes anteriores enriqueceram às custas do Cruzeiro. Eu posso até convocá-lo, eu posso fazer isso, os presidentes anteriores também. Posso protocolar no Conselho Deliberativo as minhas declarações de Imposto de Renda de quando entrei no Cruzeiro e de quando saí. Não levei um centavo do Cruzeiro. Duvido que essa administração tenha coragem de fazer isso. A gente está vendo pela imprensa o tamanho dos salários desses dirigentes. Estão dividindo o dinheiro do Cruzeiro entre si. E o Cruzeiro com dificuldade de quitar a folha, porque dirigentes estão ganhando em dia salários maiores que muitos jogadores. E funcionários com salários atrasados, o elenco também. O Wagner fala muita bobagem, mas tem que levar em consideração que aquilo ali é uma farra, ele devia estar bebendo, devia estar bêbado.

O senhor deixou quais dívidas no Cruzeiro?

Tenho a dizer que deixei o Cruzeiro com dívidas fiscais pagas. Não antecipei cota de TV para que ele tivesse dinheiro para pagar salários. Eles me acusam de não ter pago o salário de dezembro de 2017), mas o salário de dezembro é pago em janeiro de 2018, quando eles já assumiram.

Você engana a muita gente durante muito tempo, mas não vai enganar a vida inteira. A torcida já sabe quem eles são. São péssimos. Não sabem mexer com futebol. Trouxeram um dirigente que estava acostumado com Ipatinga e que deixou o Ipatinga na terceira divisão. Agora quer colocar o Cruzeiro na segunda divisão.

Como o senhor avaliar essa crise no Cruzeiro e essa gestão, tendo como parâmetro gestões diversas desde os anos 1950, quando entrou no clube?

Entrei no Cruzeiro nos anos 1950 como atleta e nunca vi nada igual como essa crise de hoje. Primeiro, nunca houve uma divisão, um racha tão forte como esse. Nunca se passou tanta vergonha também. O Cruzeiro virou manchete policial, ora investigado pela Polícia Civil, ora pelo Ministério Público, ora pela Polícia Federal. O Cruzeiro saiu no Fantástico por essas denúncias graves, até de lavagem de dinheiro. Isso é um vexame nacional, uma vergonha. Enquanto isso, os dirigentes estão com esses salários enormes, estão pagando conselheiros. Estão acabando com tudo.

É verdade que o senhor e um grupo de opositores tentaram convencer o Wagner e demais integrantes da gestão a renunciar?

A única saída deles, hoje, é a renúncia. Do contrário, vão cair de podre. Vai ser ruim demais ver essa gente que nunca fez nada pelo Cruzeiro, assumiram a gestão e deixar o Cruzeiro na segunda divisão. A renúncia seria uma saída até honrosa.

Mas o senhor acha que a renúncia é factível?

Não acho que vão fazer isso, mas seria uma grande solução. Mas eles têm que saber o que é melhor para eles. Dói na gente ver o clube passar por essa situação, eles fazendo farra, bebendo, comendo feijoada, tudo certamente na base do 0800 (de graça). Ora é feijoada, ora é caldo para ver se agradam os outros. Isso é uma vergonha.

<i>(Foto: Reprodução/Internet)</i>


Mesmo sem acreditar na renúncia, o senhor articulou a antecipação as eleições de 2020 para 2019?

Por causa desse vexame que o Cruzeiro está vivendo, dentro e fora de campo, estamos reunindo lideranças importantes do clube na tentativa de salva o Cruzeiro. Temos que tentar evitar esse rebaixamento. Por mim, quem está hoje no comando sairia, abriria espaço para uma nova gestão formada por esse grupo unido. Mas eles precisariam renunciar. Acho difícil isso acontecer.

Pedro Lourenço, patrocinador do clube e dono da redes Supermercados BH, seria mesmo o candidato proposto pelo senhor? Ele seria capaz de unir o clube?

Se eles renunciassem, poderíamos lançar um candidato único. Um integrante dessa diretoria deles se encontrou comigo um dia, por acaso, e perguntou se haveria uma solução para reerguer o Cruzeiro. Eu sugeri que eles saíssem para darem lugar a uma pessoa de consenso entre todos nós. Hoje, essa pessoa é o Pedro Lourenço. É a pessoa em condição de assumir o Cruzeiro e livrar o clube dessas dificuldades. Não tenho interesse em ser presidente de novo, já dei a minha contribuição. O Zezé Perrella também não tem interesse. O Pedro é o nome. Tínhamos que nos dar as mãos para livrar o Cruzeiro dessas pessoas que estão aí. Essa diretoria deixou o Cruzeiro manchado, totalmente dividido, com ranço político. Dificilmente vão chegar a um final feliz. Seria bom se eles se afastassem.

No passado, o nome do Pedro Lourenço sempre foi comentado. Mas ele, de fato, nunca se candidatou. O que garante ao senhor que ele topará se candidatar em 2020 ou até mesmo antes, se houver uma renúncia em bloco do grupo do Wagner?

O Pedro nunca roeu a corda em relação a desistir de assumir o Cruzeiro no passado. Ele só nos disse em outros convites que fizemos anos atrás, que não poderia naquele momento, mas que poderia na próxima eleição, em 2020. O Wagner, por exemplo, nunca seria meu candidato. Era o último nome, eu não queria ele de forma nenhuma naquele momento. Mas o Pedrinho não poderia. O Pedrinho sempre foi fiel, sempre ajudou o clube na minha gestão, lutou sempre para o Cruzeiro estar entre os melhores clubes do país, para estar no mais alto dentro das competições. Agora, só falta um ano e ele quer ser candidato. Queríamos até que ele entrasse antes, mas todos precisam renunciar.
O que mudou de 2017 para agora na vida do Pedro Lourenço que dá ao senhor a garantia de que ele topará assumir essa condição de candidato da oposição?

O Pedrinho não podia antes porque ele estava preparando os filhos e os irmãos para assumir as funções dele nos negócios. A empresa dele (Supermercados BH) é muito grande. Ele precisava formar as pessoas. Hoje, ele diz ter essa condição de assumir o Cruzeiro.

O senhor viveu o clube até 2017. Acha que a crise no campo, com o risco de rebaixamento, é consequência da crise institucional e política?

A gente que está fora não consegue fazer uma análise do que está acontecendo nos bastidores, no vestiário. Como presidente, eu estava em todos os treinos, com jogadores, com treinador, estava no vestiário. A gente sabe sim que o Mano (Menezes) saiu contrariado, mas não com os jogadores, mas sim pela falta de crédito da diretoria. Isso vai minando as coisas lá dentro. Quem não sabe comandar, não sabe comandar (em referência à diretoria). Vai desagregando, atrapalhando. Isso é fácil de consertar. Basta eles saírem.

O senhor vê saída a curto prazo para a crise financeira do Cruzeiro?

Pelo descrédito que a diretoria Cruzeiro gera no torcedor, os sócios estão diminuindo. No desespero, a diretoria está colocando ingressos baratos na tentativa de levar o torcedor ao estádio. Eles anteciparam cotas de TV. Vai vir dinheiro de onde para pagarem os salários dos jogadores e dos funcionários? Eles deram cano até no empresário que ajudou o Cruzeiro a contratar jogadores, que é patrocinador (Pedro Lourenço).

Depois de estar do lado oposto ao Zezé Perrella na última eleição e até trocar farpas por algum tempo, vocês estão novamente alinhados e fechados em um candidato único?

Nós nunca estivemos desalinhados, sempre estivemos do lado do Cruzeiro. Estivemos sim afastados. Ele, em Brasília, no Senado, e eu, na presidência. Depois apoiamos candidatos diferentes à presidência. Houve farpas sim, em algum momento, mas isso faz parte do futebol. Hoje, estamos juntos e em prol da candidatura do Pedro Lourenço. De qualquer forma, há muita gente boa no Conselho em condição de assumir e substituir esse pessoal que está aí.  

Da forma como é hoje o Estatuto do Cruzeiro e como funciona o Conselho, qualquer presidente que entre consegue lotear o Conselho para ter a maioria. Isso, hoje, inviabiliza, por exemplo, o impedimento do Wagner, tão desejado pela oposição. Ele tem a maioria. O senhor acha que é hora de flexibilizar o Estatuto, de modo a abrir espaço para novos candidatos e acabar com esse loteamento do executivo no Conselho?

Não tenho dúvida disso, é necessário. Hoje, estão comprando parte do Conselho, estão pagando para ter apoio político. Está uma vergonha. Para quebrar esse tipo de estratégia, é preciso mudar o Estatuto. Particularmente, estou estudando maneiras de encontrar uma fórmula que dê mais independência ao Conselho, que impeça o executivo de comprar o Conselho, como estamos vendo hoje.

Hoje, também há um forte controle do presidente do Cruzeiro sobre os associados, não apenas sobre o Conselho Deliberativo. Há pessoas que controlam esse apoio nas sedes do Barro Preto e na Campestre. O senhor cogita a abertura de votos, por exemplo, para sócios do futebol? Outros clubes já deram fizeram isso.

O Cruzeiro, desde a fundação, é um clube de lazer. Diferentemente de clubes que vivem só do futebol, o Cruzeiro tem futebol, mas é um clube de lazer. É Cruzeiro Esporte Clube. Não Futebol Clube. Não vejo que seja justo dar direito a voto a um sócio que paga R$ 20 por mês, sendo que os associados pagam R$ 200 e têm vida ativa no clube, fazem militância, e ainda pagam o sócio do futebol para ver o time de futebol. Teria que ser encontrada uma fórmula híbrida, de forma a impedir que um presidente controle totalmente o Conselho, como é hoje. Os clubes que deram poder de voto ao sócio do futebol se deram mal. Mais que ter ligação com time de futebol, é preciso ter ligação com o clube. Mas sou sim favorável a encontrar um modelo que barre esse tipo de controle do executivo sobre o Conselho. Está uma vergonha.

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