Atlético
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DA ARQUIBANCADA

Um grito de guerra só: 'Vamo, Galo, ser campeão!'

'O sofrimento do atleticano durante os 42 anos sem um título do tamanho da Libertadores é proporcional ao tamanho do seu sonho'

postado em 19/09/2015 12:00 / atualizado em 18/09/2015 18:05

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
Gilvanzão da Massa é cheio de vaidade e não gosta de ninguém rivalizando com ele. Enquanto Tinoco foi apenas Tinoco, tava tudo certo. Quando virou o Tinocão da Massa, sua casa caiu. Para um novo começo de era, Gilvanzão escolheu o perfil oposto – nada desse negócio de gente fina, elegante e sincera. Foi aí que chegou o Vicintin. Mas a sua batata, eu posso apostar, já está assando: Vicintin também quer ser o Vicintin da Massa.

O caro leitor que chafurda nas redes sociais, essa caixa de gordura da humanidade, deve ter ouvido o áudio do nosso Vicintin bradando como um bolchevique em 1917: “Eles são dazelite, a gente é povo!!!”. O sindicalista da CUT irrompeu de dentro de Vicintin na esteira dos 15 minutos em que se ouviu a torcida do Cruzeiro cantar no Mineirão domingo passado – realmente um prodígio, há de se reconhecer. Uma única música, é verdade, mas isso não diminui ninguém. O Survivor mesmo só fez Eye of the tiger. E o que seria da nossa juventude sem essa trilha sonora?

A frase de Vicintin calou fundo na alma do simpatizante, que tratou de cunhar o slogan “Time do Povo”. Achei aquilo estranho e recorri ao pai dos burros para comprovar o que já desconfiava. No Houaiss, entre espaguetes e misturas de cal e cimento, a definição de “massa” é simples e precisa: “o povo”. No dicionário da Apple: “conjunto de camadas mais numerosas da população; povo”. Massa = Povo. Povo = Massa.

Traduzindo para o português, Vicintin e o cruzeirense reivindicam o direito de fazer parte da Massa. O Cruzeirão da Massa. O Vicintin da Massa. E assim acabaram de zerar a Síndrome de Estocolmo e assinar o recibo daquilo que já me cansei de falar: tudo que o cruzeirense deseja nessa vida é gritar “Galo”. Daqui pra frente, não me surpreenderei se uma campanha para angariar novos simpatizantes tiver o seguinte slogan: “Vem ser, vem ser, vem ser”. Êh, Cruzeirão de Ouro, a seleção do povo... Kkkkkk.

Se eu fosse o Daniel, lançava um GNV só pra esse pessoal. Mas eles estariam obrigados a uma espécie de Mobral onde Vicintin e os demais receberiam aulas de história. Eles ficariam sabendo que o Atlético nasceu da mais linda utopia que poderia haver num país já tão cruelmente desigual, o último dos últimos a abolir a escravidão: em 1908, o Galo foi fundado com a intenção de juntar o pobre e o rico; o preto e o branco. Não é por acaso que, 107 anos depois, o Mangabeiras é Galo e o Complexo da Serra, também. A história do Cruzeiro, meu amigo, você pode perguntar ao velho Ubaldo. Tem no Youtube. Ele vai te contar como o “Time do Povo” tratava um negro como ele.

O sofrimento do atleticano durante os 42 anos sem um título do tamanho da Libertadores é proporcional ao tamanho do seu sonho – à velha utopia daqueles 22 estudantes que, embora fossem parte da elite da cidade, não faziam coro às ideias racistas que dominavam a casa-grande. Ao contrário, trabalharam pela inclusão de qualquer um que se dispusesse a amar o preto e o branco. Por eles, Reinaldo ergueu o punho contra a ditadura. Por eles, nunca nos mancomunamos com a CBF, com a bancada da bola ou com a Rede Globo. Como um galo de briga que luta até morrer, é por aquela utopia que a gente ainda respira.

E é por isso que, ao ver in loco o Atlético ser goleado pelo Santos, tratei logo de comprar o meu ingresso pra assistir à desforra de amanhã. Como bem disse o meu camarada Christian Munaier, eu tenho uma nega chamada Flamengo, e ganhar do Flamengo é mais do que uma questão futebolística. É pelos 22! É por nossa utopia! É a hora em que a senzala samba na cara da casa-grande. Um Atlético e Flamengo é um Atlético e Globo, um Atlético e CBF, um Atlético e Eduardo Cunha.

Êh, Galo de Ouro, a Seleção do Povo, é um grito de guerra só: “Vamo, Galo, ser campeão!” É pra sangrar a garganta, rapaziada, pra gangrenar a veia do pescoço. Depois daquela do Riascos de bigode, está proibido não acreditar.

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