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Campos Um triste pioneirismo

Quase quatro décadas depois de se tornar o primeiro atleta do país punido por doping, ele não esquece o pesadelo vivido quando era um promissor artilheiro atleticano

postado em 21/07/2011 07:00 / atualizado em 21/07/2011 10:38

A noite de 18 de novembro de 1973 está gravada na memória de Campos, promissor atacante revelado pelo Atlético. Não pelos dois gols que marcara na vitória de virada sobre o Vasco por 2 a 1, no Mineirão, mas pelo resultado positivo para a substância efedrina no exame antidoping a que se submeteu depois da partida. Acostumado a deixar no chão zagueiros grandalhões, o jovem de 21 anos teve de encarar o estigma que viria a persegui-lo por toda a carreira: o de primeiro atleta do esporte brasileiro a ser suspenso pelo uso de medicamento proibido.

Hoje, quase 40 anos depois, o nadador Cesar Cielo aguarda o resultado do Tribunal Arbitral de Esportes (TAS), que julga sua culpabilidade e de mais três nadadores pelo uso do diurético furosemida durante o Troféu Maria Lenk em maio, no Rio. O julgamento ontem, em Xangai (China), durou cerca de cinco horas e terá o veredito divulgado hoje por volta das 7h (de Brasília). Caso a punição seja superior a seis meses, o campeão olímpico dos 50m livre pode ficar impedido de defender seu resultado em Londres’2012.

Cielo sustenta que a contaminação foi acidental, pela ingestão de cápsula de cafeína mal manipulada por uma farmácia de Santa Bárbara d’Oeste (SP), sua cidade natal. Em 1973, diferentemente dos atletas de alto rendimento atuais, os jogadores mal sabiam das substâncias proibidas e pouco se interessavam por elas. “A gente não tinha assessoria, empresário. Nasci na fazenda, não tinha maldade. Fui prejudicado pela inocência”, defende-se o ex-atacante atleticano.

Nascido em Pedro Leopoldo, berço de jogadores como Dirceu Lopes, Marcelo Oliveira e Pedro Paulo, Cosme da Silva Campos foi revelado pelas categorias de base do Atlético e promovido aos profissionais em 1971, por Telê Santana. “Só saí na foto de campeão brasileiro. O Dario não me dava chance.” No ano seguinte, foi vice-artilheiro do Brasileiro, com 14 gols, pelo Nacional-AM, e retornou ao Galo na virada da temporada para o lugar do Peito de Aço, negociado ao Flamengo.

Goleador do Campeonato Mineiro de 1973, com 15 gols, fazia um Nacional regular até ser atingido na boca por uma joelhada do zagueiro vascaíno Renê, em jogo no Rio. Para o garoto não ficar de fora da partida seguinte diante do time carioca, o então médico atleticano, Haroldo Lopes da Costa, receitou anti-inflamatórios, antibióticos e analgésicos, como Parenzine, Pantomicina, Tetraciclina, Dorflex e Novalgina, para minimizar a dor até o procedimento cirúrgico, marcado para o dia 19. A efedrina estava no Dorflex.

DOR E PRECONCEITO “Eu não tomava nada por minha conta, pois pertencia ao clube. O Haroldo era quem me receitava. No exame, a urina saiu vermelha e falaram que eu tinha comido beterraba no almoço, mas não era verdade. Estava sem comer nada havia duas semanas, por causa dos machucados na boca”, lembra. O resultado saiu uma semana depois, em 25 de novembro. “A hora em que recebi a notícia foi a pior da minha vida. Estava concentrado no Hotel Brasil, na Praça Sete, e quando desci a imprensa já estava reunida. Pensei que tinha alguém famoso lá, de tanta gente. Não acreditei quando o presidente Nelson Campos me chamou para conversar.”

Campos foi suspenso preventivamente por 60 dias. Em julgamento na sede da Confederação Brasileira de Desportos, no Rio, com a presença de seu advogado, de representantes do Atlético e da CBF (Valed Perry), o jogador foi suspenso por seis meses. “Sempre sofri com torcida adversária me chamando de maconheiro. O que aconteceu comigo foi completamente diferente, mas nunca perderam a chance de me provocar. Teve uma vez que fui a uma festa e um torcedor chegou para me provocar: ‘E aí, dopado?’ Saí da festa quase chorando de tristeza. A marca ficou para sempre”, desabafa.

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