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Veja a íntegra da saudação de Fred Melo Paiva a Adélia Prado durante entrega do Galo de Prata

Poetisa recebeu maior honraria do clube na noite de quarta-feira, em BH

postado em 29/06/2017 15:43 / atualizado em 29/06/2017 16:03

Bruno Cantini / Atlético


Nessa quarta-feira, a poetisa e escritora Adélia Prado, de 81 anos, recebeu da diretoria do Atlético o Galo de Prata, maior honraria do clube. Confira a íntegra da saudação de Fred Melo Paiva, colunista do Estado de Minas e do Superesportes, à homenageada.

Belo Horizonte, 28 de junho de 2017

Saudação à poeta Adélia Prado na entrega de seu Galo de Prata

Por Fred Melo Paiva

Boa tarde a todos e a todas. Primeiramente, eu gostaria de agradecer ao Clube Atlético Mineiro, na pessoa do meu querido amigo e presidente do Conselho Deliberativo, Rodolfo Gropen, a honra de estar aqui hoje pra saudar a nossa poeta Adélia Prado.

Quando era um jovem estudante de jornalismo e as pessoas me perguntavam por que eu tinha escolhido essa profissão, eu dizia que era pra poder produzir um grande furo de reportagem, provando que a Ditadura Militar tinha roubado nossos títulos de 80 e 81, e entregado para o Flamengo. Depois, na primeira entrevista que eu fiz na vida, ainda para um trabalho de faculdade, escolhi entrevistar o presidente do Atlético. Eu e meu melhor amigo na PUC, um atleticano fanático que foi trabalhar no Cruzeiro e virou cruzeirense, um espanto, uma coisa raríssima, virou uma arara azul, um mico leão dourado.

Eu fui pra São Paulo, trabalhar na Playboy,  e fiz carreira por lá. Nada a ver com o jornalismo esportivo. Não existia internet, e eu escutava os jogos do Galo pelo telefone. Ligava pra minha mãe, que aqui está, e ela botava o fone perto da caixa de som. Eu não tinha dinheiro pra nada, mas pagava o interurbano como o evangélico que paga o dízimo pra igreja.

Bom, vocês sabem, eu virei o colunista do Galo no Estado de Minas, fiz um programa de televisão em que, sorrateira e obrigatoriamente, eu citava o nosso Galo, e hoje até andando em São Paulo aparece gente pra dizer: olha ali, lá vai aquele atleticano. Eu deixei de ter nome, eu sou o Atleticano.

Se eu fosse cruzeirense, estaria aqui cheio de vaidade, como diz o hino do Cruzeiro. Mas eu prefiro o nosso: eu fico é orgulhoso. Mas como todo atleticano, que lutou, que sofreu, eu conservo aquela nossa humildade franciscana, e nesse momento eu me pergunto mesmo é o que que eu fiz pra merecer isso – estar aqui, agora, nesse endereço histórico, nessa casa que eu tanto amo, como convidado para a entrega de um Galo de Prata, ainda mais para uma escritora do tamanho da Adélia Prado.

“Fazer prefácio ou apresentar um autor é um gesto perigoso”, escreveu Affonso Romano de Sant’Anna no prefácio da primeira edição de “O Coração Disparado”, de Adélia Prado. Ma vamo lá. Vamo correr esse risco.

Adélia é Galo. Adélia só podia ser Galo. Porque a sua poesia, assim como a história do nosso Galo, mistura, nas palavras de Augusto Massi, “provocação e respeito, despudor e humildade”.

Algumas de suas frases poderiam estampar a nossa bandeira, como a “Ordem e Progresso” na bandeira do Brasil, de onde infelizmente retiraram a palavra “amor”, que aparece originalmente no lema positivista que inspirou a inscrição. Se fosse a bandeira do Galo, a gente ia fazer o contrário: ia tirar a Ordem e o Progresso (afinal, tamo vendo aí, não adiantou nada colocar isso) e deixar só o Amor.

Ou, poderia usar este verso de Adélia Prado: “Amor é a coisa mais alegre / amor é a coisa mais triste / amor é a coisa que mais quero”.

Ou este: “A coisa mais fina do mundo é o sentimento”.

Ou este outro, que eu considero o mais apropriado: “Aqui é dor, aqui é amor, aqui é amor e dor”. (E aí a gente pode ajudar a Adélia e fechar com chave de ouro, agregando o poeta Ronaldinho Gaúcho: “Aqui é Galo, porra!”).

Adélia é devota de São Francisco. Seus escritos revelam aquela nossa humildade franciscana – a humildade do atleticano. Mas que isso não seja confundido com o tacanho, com o pequeno, com o sujeito que abaixa a cabeça, com o galo de crista baixa, se é que esse bicho existe. A humildade da Adélia tem o peito estufado igual o do nosso mascote, cada dia mais parecido com um chester, de tanto orgulho e altivez. (O nome científico do chester é Gallus Gallus, tá?)

Adélia fez de Divinópolis, onde nasceu e vive até hoje, a sua São Paulo, a sua Nova York, assim como Guimarães Rosa fez do sertão o mundo. Em sua poesia, escreveu Affonso Romano, “lá estão as comadres, as santas missões, as formigas pretas, o angu, as tanajuras, as pessoas na sombra com faca e laranjas”.

“Exorcizando a província de suas vergonhas”, Adélia Prado motivou mais de uma centena de teses universitárias. Virou teatro com Fernanda Montenegro. Sua linguagem despojada está hoje traduzida pro inglês, o italiano, o espanhol. Poemas avulsos já foram publicados também em alemão, francês, polonês e chinês.

Saudada primeiro por Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado desafiou sua geração expondo o seu profundo catolicismo quando a onda era a estética hippie da paz e do amor livre, ou a barba por fazer dos militantes marxistas e portanto ateus.

Como um paradoxo, Adélia passou longe da alienação que sua fé poderia sugerir. Juntou, sem grilos (uma expressão da época), erotismo e religião. E segundo disse ela própria falando de política numa entrevista em 1995, “eu era muito engajadinha”. (Engajadinha: é muito mineira essa Adélia Prado...)

Outro dia instalou-se uma polêmica no círculo literário sobre o time do coração de Guimarães Rosa, que, como embaixador, recebera em Paris, em 1950, o Galo Campeão do Gelo. Segundo revelou uma neta dele, salvo engano aqui mesmo neste auditório (salvo engano também que tenha sido a neta), Rosa era Galo. O Afonso Borges, atleticano criador do projeto Sempre Um Papo, tratou de repercutir essa revelação fundamental sobre o autor de “Grande Sertão: Veredas”. Humberto Werneck, jornalista e escritor mineiro, especialista em escritores mineiros, o cara que me levou pra trabalhar na Playboy, protestou de imediato: “Mentira! Rosa não tinha time” (só faltou dizer que o Rosa era América). Não precisa dizer que o Werneck é Cruzeiro, né? Mas apesar dessa falha de caráter, eu confio no Werneck, é meu amigo. Então acho que nós não vamos saber de fato se Rosa era ou não era Galo (a não ser que a Adélia tenha alguma informação privilegiada e possa depois nos esclarecer esse mistério).

Tendo Rosa ou não a sorte de ser Galo, o fato é que a história do Atlético está intimamente ligada à literatura. Não apenas porque nos últimos anos a gente lança baciadas e baciadas de livros do Galo, sobre o Reinaldo, sobre a defesa do Víctor, eu mesmo juntei as minhas colunas e fiz um. (A gente parece o Gabriel Chalita, que tem mais livro publicado do que a idade dele, eu o entrevistei, é verdade isso).

Bom, a história do Galo começa de certa forma com a literatura. O primeiro gol do Atlético foi marcado em 1909 por um cara chamado Pingo. 3 a 0 pro Atlético diante do Sport de Belo Horizonte, um time que desapareceu ainda no início do século passado. Pingo era o apelido do contista Aníbal Machado, que apesar da produção diminuta, é considerado também um gigante da nossa literatura.

Você sabe, Adélia, aquilo que ensinou o também poeta João Cabral de Melo Neto: “Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes, e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos”. (O Guimarães Rosa a gente não sabe, mas esse João Cabral é Galo, né? Esse não engana ninguém.)

Obrigado, Adélia, por ser mais um galo a lançar seu grito, ajudando a tecer a nossa manhã. Em reconhecimento a isso e à sua literatura, o Clube Atlético Mineiro tem a honra de lhe entregar sua comenda máxima, o Galo de Prata.

Pra fazer essa entrega, eu convido o presidente do Conselho Deliberativo, meu mais novo velho amigo, Rodolfo Gropen.  

Obrigado.

Alexandre Guzanshe/EM/D. A Press

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