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5 ANOS DA LIBERTAÇÃO

"Ninguém merecia mais do que vocês": carta do técnico Cuca ao torcedor do Atlético

postado em 24/07/2018 06:38 / atualizado em 23/07/2018 22:38

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press

"Eu tinha acabado de sair do Cruzeiro. Estava indo para casa e passei em frente ao CT do Galo. Pensei: ‘Este é o único lugar em que não posso vir trabalhar’.

Uns 40, 50 dias depois, eu fui justamente para o Atlético.

Tive um começo ruim, ainda não tínhamos um estádio para jogar... Estávamos jogando no interior, em Ipatinga, Sete Lagoas. As coisas não estavam encaixadas, e aí nós perdemos seis partidas. Eu até pensei em sair. O Galo também pensou em me tirar. Graças a Deus isso não aconteceu.

Ainda naquele ano, a gente conseguiu recuperar o tempo perdido… Demos uma arrancada boa, goleamos o Botafogo. No fim, tivemos aquele vexame contra o Cruzeiro, naquele 6 a 1 em que nós perdemos praticamente tudo o que construímos.

Foi um marco fundamental, por incrível que pareça.

Foi horrível passar aquela noite dos 6 a 1 no CT do Galo. No outro dia, fomos ao aeroporto. Xingado como fui, quase agredido… Não tiro a razão de ninguém. Foi o maior vexame. Depois dali, entramos em férias. Foram as piores férias da minha vida.

Depois, eu, o Kalil e o Maluf fizemos uma remontagem muito grande no clube. Nós trocamos 19 jogadores. Acertamos em quase tudo que fizemos. Não é fácil montar time. Depois de pronto, é fácil. Mas a montagem não é fácil.

Nós não tínhamos uma bola parada qualificada no Independência. Quando íamos jogar ali, eu sentia a torcida muito brava por isso. Faltava uma cabeça pensante, e eu pensava muito nisso. Eu e o Kalil tínhamos pensado no Juninho Pernambucano.

Numa manhã, estava vendo TV no CT do Galo. Falaram que o Ronaldinho Gaúcho tinha saído do Flamengo.

Eu pensei: ‘Este é o cara. Eu quero ele, não pelo lado esquerdo, como ele está jogando. Ele vem para ser o nosso 10, a grande estrela, o cara que vai vender as camisas’.

Liguei para o Kalil. E o Kalil veio, a gente almoçou… Ele me perguntou: ‘Tem certeza?’. Eu disse: ‘Tenho certeza’. Em dois dias, estava o Ronaldinho dentro do CT.

Que doideira foi o Ronaldinho num helicóptero dentro do CT. Foi uma contratação que muitos acharam equivocada, porque o Ronaldinho não tinha ido bem no Flamengo. Mas a gente sentia que nosso time ia se encaixar com ele.

Marcos Michelin/EM/D.A Press


Eu conversei com alguns jogadores mais experientes, falei que estava trazendo o Ronaldo. Foram unânimes. A única dúvida que eu tenho é se foi melhor para o Galo ou para o Ronaldo a ida dele para o Atlético. As vindas dele e do Tardelli preencheram tudo o que a gente precisava.

Não tenho uma melhor lembrança. Tenho muitas. Mas o que mais orgulho me dá é a montagem do elenco. A gente tinha o grupo na mão, uma amizade muito grande. Todo mundo se respeitando. Sabíamos dos defeitos que cada um tinha, mas foi maravilhoso. 

Nós conseguimos dar uma base maravilhosa para aquele 2012, em que fomos vice-campeões brasileiros, campeões mineiros, e preparamos tudo para aquela grande conquista de 2013.

Fé eu sempre tive. Medo eu sempre tive também, do ladinho da fé. Não posso negar. Fui à igreja em BH todos os dias. ‘Meu Deus, me ajuda, porque nós precisamos desse título’. Nós todos do Galo precisávamos desse título.

Saímos perdendo naquele jogo contra o Tijuana por 2 a 0, num gramado sintético, com os jogadores jogando de tênis alto. Tudo estranho... Aí teve gol do Tardelli, empatamos o jogo no finalzinho com o Luan. 

Aí pensei: ‘Temos uma vantagem grande. Vamos passar facilmente em casa’.

Nossa senhora! No último lance, pênalti. O juiz deu pênalti lá do meio do campo... Me lembro como se fosse hoje. O Victor pegou.

A gente teve uma comemoração grande e, ao mesmo tempo, uma frustração, por ter dado ao Tijuana aquele pênalti. Depois, falamos que não iríamos mais tomar sustos assim.

Aí nós pegamos o Newell’s Old Boys sem a dupla de zaga titular, não tínhamos o Leo e nem o Réver. Me lembro que jogaram o Rafael Marques e o Gilberto Silva, improvisado. E eu não quis abrir mão dos quatro atacantes. Poderia ter aberto mão de um…

Nós tomamos 2 a 0 lá e, de repente, era para termos tomado até mais. E nós conseguimos, em casa, fazer 2 a 0, no finalzinho.

Ainda bem que faltou luz, porque deu para organizar um pouquinho mais.

O time estava amarrado... Nós já tínhamos feito todas as trocas. Tinha tirado o Tardelli e o Bernard, e colocado o Alecsandro e o Guilherme. A torcida achou ruim. Eu senti ali embaixo, no campo. E o Guilherme, no final do jogo, conseguiu fazer o 2 a 0. Nos pênaltis, fomos felizes e nos classificamos para a grande final.

E aí nós falamos: ‘Agora, chega de tomar 2 a 0 fora de casa, pelo amor de Deus’. Ah…

Fomos jogar contra o Olimpia.

1 a 0 para o Olimpia. 


Fui para o vestiário, com aquele turbilhão de informações na tua cabeça, todas negativas… Os caras não nos deixavam ir para o vestiário, a torcida invadiu o campo. Eu queria dizer para os jogadores que não tinha acabado. E estavam lá comemorando como se fosse um título.

Mas não, não acabou. Tem volta, tem volta. Lá dentro, você ainda tem que confortar os jogadores, mas você não está confortado. É muito difícil, muito difícil. Doeu muito aquele gol em cima da hora.

As noites foram muito longas, pensando a noite inteira.

E se não der certo? E se não der certo? Mas tinha que dar.

E nós preparamos tudo, tudo, tudo o que nós poderíamos preparar em cima do emocional, tático. Foi aquele grande jogo.

No primeiro tempo, as coisas não aconteceram. O Donizete estava voltando de lesão, não estava no ideal para jogar. Veio a ideia de pôr o Rosinei no segundo tempo, para ser um volante que saísse mais para o jogo. Ele conseguiu chegar à linha de fundo, fazer um cruzamento, e o Jô fez o 2 a 1. Aí virou outro jogo, porque o Galo precisava de mais um gol. 

E a bola passa para lá, passa para cá, e não tem jeito… E nós fomos pondo gente para o ataque, mas sem perder a mão do jogo. 

Lembro que no final do jogo nós estávamos com o Josué na cabeça de área e Guilherme, Bernard, Jô, Alecsandro e o Ronaldinho… Todo mundo para fazer o gol.

Aos 42 minutos do segundo tempo, nós cruzamos da esquerda. A bola passou. Aí veio cruzamento da direita, do Bernard, e o Leo deu aquela cabeçada tirando o peso da bola. Ele deixou ela bater, e ela caiu lá na bochecha da rede, lá onde estava a toalhinha do Martín Silva. A gente acompanhou a viagem daquela bola…

Arrepia até hoje.

Daí veio a prorrogação, e a gente ficou com um jogador a mais. Mas o Bernard estava com cãibra nas duas pernas. Então estava igual... Acabou. E os pênaltis vieram.

Nós fomos precisos. Tínhamos treinado bem, no próprio Mineirão. Nas cobranças de pênalti, o Victor já começou pegando. Nos deu uma leveza maior. A gente bateu um pênalti aqui, um pênalti lá, como tínhamos treinado.

O único que bateu diferente do que treinou foi o Leonardo Silva.

Eu falei para eles: ‘Batam como nós treinamos. Vocês treinaram desse jeito, então batam desse jeito’.

A batida do Leo era no outro canto. Eu falei: ‘Leo, você quase me mata’.

Eu fiquei olhando o goleiro… Pensei: ‘Goleiro, não vá nesse canto, porque o Leo vai bater aqui’. Quando vi o goleiro vir no canto do Leo, o Leo trocou o canto.

Perguntei para ele o motivo de ter trocado. Ele me falou: ‘Vi o goleiro se mexendo antes’. Leo contou para mim, e eu dei risada. Foi muito gostoso.

O Ronaldo ia bater o último pênalti. E ele tinha falado para os guris que ele ia dar a cavadinha. Ele não estava treinando assim! Ele batia firme, no canto. Nós morreríamos todos. Morreria o Mineirão inteiro... Ainda bem que não precisou.

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


Ganhar uma Libertadores é bom, é maravilhoso. Do jeito que a gente ganhou, é duas vezes bom.

Porque foi cheia de emoções. Foi muito, muito, muito emocionante. Em cada jogo, o coração ia na boca, na garganta, porque foi o limite do limite.

O torcedor indo apoiar, naquelas ruas de fogo que vocês faziam. Ninguém merecia mais do que vocês, ninguém, ninguém.

No último jogo, quando eu soube que um torcedor do Atlético tinha sido baleado lá no Paraguai, naquela final contra o Olimpia, falei que nós iríamos jogar por aquele cara. Ele ia representar todo o torcedor do Atlético. E representou.

Nós jogamos por ele".

Alexi Stival, o Cuca.

*O técnico Cuca concedeu entrevista ao Superesportes para relembrar o aniversário de cinco anos do título da Copa Libertadores. As declarações do treinador foram transformadas em uma carta, lida e assinada por ele após a finalização do texto. 

Repórteres: João Vítor Marques e Túlio Kaizer

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