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ENTREVISTA ESPECIAL

Patric abre o jogo sobre racismo na infância, bebida e superação no Atlético: 'Amo este lugar'

Aos 30 anos, lateral-direito crê que chegou à maturidade e sonha grande

postado em 19/08/2019 06:00 / atualizado em 19/08/2019 22:34

<i>(Foto: Leandro Couri/EM/D. A Press)</i>
Kika amava andar de bicicleta e jogar bola nas ruas do bairro Vila Manaus, em Criciúma, interior de Santa Catarina. Desde criança, mostrava qualidade técnica e aptidão física superiores à média dos meninos da mesma idade. Até por isso, desafiava os mais velhos em partidas que valiam saquinhos de ‘ki-suco’ aos vencedores: “Sempre fui muito alegre, muito confiante”, conta.

<i>(Foto: Arquivo pessoal)</i>
Aos sete, porém, essa segurança desabou ao som de uma palavra. E pior: vinda de alguém de quem muito se espera. “Uma professora me chamou de macaco”, relembra, 23 anos mais tarde. Kika, apelido carinhoso pelo qual era chamado por amigos e familiares, tornou-se o Patric que conhecemos hoje. Ou ‘Patricão da Massa’, como ele mesmo gosta de brincar.

O tempo passou, mas essa história não sai da cabeça do lateral-direito do Atlético. O racismo sofrido e a infância pobre em meio ao tráfico, que o fez perder um primo assassinado, ainda estão vivos na memória de Patric. Essas feridas, porém, não o fazem perder a fé de que as coisas vão mudar.

“Acho que a sociedade tem evoluído. Essa luta que antigamente era desigual de que o pobre não poderia ter um estudo ou que as pessoas não gostariam que o pobre tivesse um estudo, porque aí o pobre poderia bater de frente... Acho que nisso já houve uma evolução. A procura de as pessoas se interessarem mais, respeitarem cor, classe”, desabafa, em entrevista exclusiva ao Superesportes.


'Estou aqui'

Patric carregou nos ombros a pressão de crescer como a esperança de uma comunidade inteira. Não foi fácil. Esse rótulo, porém, o ajudou na missão de ficar longe de um ambiente que fez vítimas na própria família.

<i>(Foto: Leandro Couri/EM/D. A Press)</i>
“Agradeço a todos os meus primos que já se foram. De uma maneira ou outra, eles também me protegeram, porque nunca usei drogas. Eles sempre falavam que era uma regra. Ninguém poderia me dar nenhuma droga. Qualquer que fosse a droga, não dariam para mim, porque eu ia ser o jogador de futebol da comunidade. E estou aqui”, diz.
<i>(Foto: Arquivo pessoal)</i>

Os percalços durante a infância não pararam por aí. Emocionado, Patric lembra que ajudou a evitar que as irmãs fossem violentadas. “A minha maior vitória foi proteger elas de um abuso de um homem, que tinha um facão na garupa. Nós estávamos passando por um campo, que era um atalho, para não pegar a estrada mais longe. De fato, os anjos de Deus me protegeram, protegeram elas, e eu consegui dar tempo para elas correrem um pouco”, lembra.

Mas a história de Patric está longe de ser só tristeza. Mesmo nos momentos difíceis, o lateral-direito consegue sorrir. Ao falar do passado, ele se lembra, aos risos, de quando teve a casa assaltada. Pela sétima vez. “Na sétima vez que foram roubar a nossa casa, que não tinha muro, os caras levaram o micro-ondas e deixaram só o pedaço de bolo. Cortaram só uma fatia e deixaram mais da metade do bolo (risos). Eu falei: ‘Esse ladrão aí é gente boa’ (risos). Até na dificuldade, a gente sorriu. Acho que a vida valeu muito mais a pena”.

Álcool

As dificuldades da infância o fizeram lidar melhor com os problemas que vieram quando se tornou jogador de futebol. O maior deles talvez tenha aparecido por volta de 2011, ano em que começou a defender o Atlético. “Extracampo, festa, bebida. Foi o que mais aconteceu comigo nesse período aí”, revela. “No futebol, quando a gente fala do álcool, do termo se prostituir, que é uma palavra meio forte, acho que às vezes as pessoas ficam com medo de ter esse rótulo de cachaceiro”, diz.

Para Patric, os problemas extracampo, inclusive, fizeram com que ele fosse emprestado a outros clubes e não estivesse no Atlético em 2013 e 2014, anos das conquistas da Copa Libertadores, Recopa Sul-Americana e Copa do Brasil. “Fico triste por não participar daquele momento. Mas, ao mesmo tempo, também sei que não participei devido às minhas condutas nesses anos que tive, de 2011, de 2012, mais ou menos. O meu extracampo colaborou para eu não estar naquele momento aqui”.

A reviravolta na vida de Patric ocorreu tempos depois, quando conheceu um primo, o pastor Toninho Lalau. “Na conversa, ele me explicou de forma muito simples: ‘Patric, qual a imagem que você quer que as pessoas tenham de você? Por exemplo: a imagem que eu tenho de você hoje é que você bebe, faz festas, com som alto nas esquinas. Essa é a imagem que você quer que as crianças tenham de você? Ou você quer que a imagem seja de que você tem um projeto, uma ONG com milhares de crianças, e aí elas falem: ‘Quero ser igual ao tio Patric, quero ser igual o Patricão da Massa’. Foi quando deu o estalo”, conta.

Nesse período, também conheceu a mulher com quem viria a se casar.  “Essas duas coisas chegaram juntas. Um amigo diz: ‘Pô, você tem que conhecer uma pessoa’. Aí eu conheço a Chai (Palhano), e as coisas começam a mudar. É até engraçada essa história (risos). Minha mãe fala: ‘Patric vai ficar com essa menina que tem a boca laranja’ (risos). Porque ela usava um batom laranja. São coisas que marcam”.

<i>(Foto: alicefotografias.com.br)</i>
Do relacionamento com Chai Palhano, nasce Dominic. O menino, de 3 anos, foi diagnosticado com hemimelia tibial, doença rara que atinge uma em cada 1,5 milhão de pessoas. “Já me chama de Patricão”, conta o pai, sorridente e orgulhoso ao falar do filho atleticano.

Força no Atlético

A gratidão de Patric também é direcionada aos companheiros do futebol. Afinal, a trajetória do lateral - que tantas vezes atuou fora de posição - é de altos e baixos. No Atlético, enfrentou a hostilidade da torcida e a desconfiança dos críticos desde 2011, quando foi contratado. Foram anos e anos fora da Cidade do Galo, emprestado a Ponte Preta, Avaí, Náutico, Coritiba, Sport e Vitória.

<i>(Foto: Leandro Couri/EM/D. A Press)</i>

No Atlético, Patric nunca foi unanimidade. Em muitos momentos, foi ironizado por parte da torcida, que o transformou em memes. O espírito resiliente do lateral - criado muito em função das dificuldades que vivera fora do futebol - o fez persistir. Nessa caminhada, contou com apoio de muitos. Em especial o de dois companheiros de longa data.

“O Victor e o Réver são pessoas que acolheram minha família em todos os aspectos. O Réver retornou agora, mas é um cara que a gente está sempre junto. O Victor e sua esposa nos acolheram e estão sempre nos ajudando em tudo também. Victor é um amigo que levo. A gente faz viagem junto... É um cara no qual me inspiro também, por tudo o que ele já construiu, por tudo o que ele já fez pelo nosso Galão e que ainda continua fazendo”, conta.

Amor pelo clube

O amor pelo Atlético é tema frequente nas respostas de Patric. Afinal, são anos e anos com a camisa alvinegra. “O Galo é minha casa, é onde eu vivi os maiores períodos da minha vida. E vou continuar vivendo. Aqui, já renovei o contrato mais de três vezes, com três presidentes. Inúmeros treinadores já passaram por aqui. Eu amo esse lugar aqui, me sinto muito bem aqui, sou querido e amado por todos”.

“Eu me sinto à vontade, me sinto feliz. Sem demagogia nenhuma, vir aqui é especial. Meu filho mesmo ama estar aqui. Não pode vir todo dia porque ele tem suas tarefinhas a fazer. Mas ele sempre vem. Eu gosto de aproveitar esse clima, esse momento. Tomo meu chimarrão aqui também. Eu gosto daqui. Amo”, conta.

<i>(Foto: Leandro Couri/EM/D. A Press)</i>
E o sentimento pelo clube se fortalece nos bons momentos. Reserva em parte da temporada, Patric ganhou a disputa por posição com Guga e é titular indiscutível do Atlético. É a nova fase, a nova vida que o lateral tanto buscou.

“Quando eu caio por uma pancada, a torcida começa a gritar meu nome. As poucas vezes em que errei um cruzamento, a torcida também grita meu nome. Isso é muito bom, é prazeroso. Tive alguns momentos maravilhosos aqui no Atlético, mas, sem dúvida, este é o momento que eu afirmo que é minha nova fase, minha nova vida, com 30 anos”, conta.

<i>(Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)</i>


Nessa nova fase, Patric pensa grande. “Hoje, vamos falar de Sul-Americana e de Brasileiro. Então, quero hoje. Estamos em 2019, Patric tem 30 anos, estamos numa crescente, Rodrigo Santana vem fazendo um excelente trabalho. Acho que chegou o momento”.

E os desejos de Patric não terminam por aí. O maior sonho pelo Atlético? “Chegar ao Mundial”, conta.

Alguém é capaz de duvidar?

<i>(Foto: Leandro Couri/EM/D. A Press)</i>

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