Em entrevista ao Superesportes, Di Santo falou sobre sua vida em Mendoza (Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Em poucos meses de Brasil, Franco Di Santo já mostrou à torcida do Atlético o que pode fazer em campo. Quem não o conhece, mas vê os joelhos ralados - à mostra durante a entrevista exclusiva ao Superesportes/Estado de Minas - imagina: trata-se de um volante ‘raçudo’, que dá carrinhos, do jeito que atleticanos gostam. Não exatamente... Ele, na verdade, é centroavante. Mas nada que o impeça de ser combativo e lutar em todas as divididas. Do jeito que os atleticanos gostam.
As características apresentadas durante os jogos, porém, contrastam com a personalidade do argentino de Mendoza no dia a dia longe dos gramados. Di Santo conquistou rapidamente o elenco do Atlético com o jeito brincalhão, amável e inquieto, que o acompanha desde criança. “Teve uma época na escola que queriam me dar comprimidos para me acalmar, mas não me deram (risos)”, diz.
Fora de campo, Di Santo passa o tempo alimentando o amor por animais e pelas séries de TV: “Já vi todas as séries que você pode imaginar (risos). Eu gostei muito de Vikings, Game Of Thrones, Breaking Bad, Prison Break”, conta. Mas, além de se divertir, ele também se mostra preocupado com assuntos mais sérios.
Di Santo se preocupa com problemas socioeconômicos e ambientais do planeta. Recentemente, utilizou uma rede social para lamentar as queimadas na Amazônia. "Creio que não é bom para ninguém que a Amazônia sofra queimadas, porque tira o oxigênio de todos. Eu vou além disso. O animal não tem como se defender e nem de estar bem. Como pessoas, temos que trabalhar, para além da questão política, que não me interessa, e tentar ajudar de alguma forma".
O atacante também tem projetos em seu país-natal voltado para as pessoas mais carentes. Uma das inspirações para isso? O marfinense Didier Drogba, lenda do futebol africano e ídolo do Chelsea.
Leia, na íntegra, a entrevista do Superesportes com Di Santo
"Não é bom para ninguém que a Amazônia sofra queimadas, porque tira o oxigênio a todos", diz Di Santo (Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Como foi sua infância na Argentina?
Posso dizer que foi uma infância boa, porque nunca me faltou nada. Isso não quer dizer que sempre estive bem economicamente. Mas para além dessas coisas, sempre tive uma boa infância, porque meus pais sempre me deram tudo. Eles ficavam sem muitas coisas para poderem dá-las a mim, para que eu ficasse bem.
Tive uma infância boa, numa família trabalhadora. Por parte do meu pai, é uma família do campo, da agricultura. Por parte da minha mãe, um pouco mais do oposto, comércio e esse tipo de coisa.
Eu me mudei muito cedo da Argentina. A princípio, fui a outra cidade da Argentina, Rosário, na província de Santa Fe, para jogar numa equipe regional, Tiro Suizo. É da Liga Rosarina, um time que pegava os melhores jogadores de cada cidade, que treinavam por um ano. Depois, eles iam fazer testes no River Plate, no Boca Juniors, no San Lorenzo, no Independiente.
Fiz os testes, mas nunca cheguei a um acordo com essa pessoa, que quis ficar com 95% do meu passe. Minha família, como eu disse, somos pobres, mas não imbecis. Então, falamos: ‘Tudo bem, muito obrigado pelo que você fez e tchau’. Minha família nunca quis lucrar comigo. Sempre me falaram para fazer o que eu gostava e que eles iriam me apoiar, mas eu tinha que ir bem na escola.
Então, me mudei para o Chile, muito cedo, aos 13, 14 anos. Comecei minha carreira na Primeira Divisão aos 15, 16. Depois, aos 17, já fui para a Europa e joguei lá todo esse tempo.
Você ficou frustrado por não ter jogado na Argentina como profissional?
É o que digo sempre: por um lado, dou graças a Deus por não ter jogado na Argentina, porque talvez, se eu tivesse jogado na Argentina, não teria ficado 13, 14 anos na Europa. Se não joguei na Argentina, foi por alguma razão de Deus, porque, digamos, ele não queria que eu jogasse lá. Recentemente, joguei contra o Colón-ARG, pela primeira vez na Argentina. Tive o gostinho de poder jogar na Argentina. Agora, estou no Brasil. E muito contente.
Você é um cara que já é muito querido por seus companheiros de elenco, é muito brincalhão, feliz. De onde vem essa alegria?
Sempre tentei ser assim. Teve uma época na escola que queriam me dar comprimidos para me acalmar, mas não me deram (risos). Desde criança, sempre fui assim, sempre fui inquieto, sempre tento sorrir. Há momentos que são ruins, mas sorrio, porque sei que se estou bem, posso fazer com que alguém que está mal sorria. O sorriso é contagioso, então sempre tento fazer com que as pessoas que me rodeiam estejam contentes. Eu, se estou mal, muitas vezes não me importo. Prefiro que as pessoas que tenho ao meu redor estejam contentes.
O que você gosta de fazer quando não está jogando futebol? A gente vê que você gosta muito de animais...
Sim, sim, gosto sempre de passar muito tempo com meus dois cachorros, Alf e Índia, com minha família... Não sou muito de sair, prefiro ficar na minha casa, tranquilo. Vejo muitas séries... Aqui no Brasil, não temos muito tempo para ficar em casa. Passamos muito tempo na concentração. Quando tenho tempo, fico bastante com minha namorada também. Fico mais tempo com ela, saímos para comer algumas vezes. Sou uma pessoa muito tranquila, que vê muitas séries na TV, na Netflix.
Di Santo: "O sorriso é contagioso, então sempre tento fazer com que as pessoas que me rodeiam estejam contentes" (Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Quais séries você gosta de assistir?
Agora, estou vendo uma espanhola, que se chama Gran Hotel. Mas já vi muitas. Acho que já vi todas as séries que você pode imaginar (risos). Eu gostei muito de Vikings, Game Of Thrones, Breaking Bad, Prison Break. Muitas. Todas mais de ação, suspense.
Além disso, também fui à África, os animais me encantam. Agora, novamente, estou planejando voltar à África por causa dos animais, também para ajudar um pouco, esse tipo de coisa.
Nas suas redes sociais, a gente vê que você é ‘gente como a gente’, costuma postar coisas da sua família, dos cachorros. É assim que você se vê? De onde vem essa humildade?
Primeiro, vem da minha família, meu pai e minha mãe. Meu pai me disse que se um dia eu achar que sou melhor que você [aponta para o repórter], que ele ou que ele [aponta para outro repórter e para o fotógrafo], ele vai vir e me dar um chute na bunda tão forte que vai me levantar (risos). Então, eu sempre soube disso, até hoje. Acho que meu jeito de ser me levou a conseguir o que consegui na minha vida. Então, não tenho que mudar meu jeito de ser.
Depois, o claro exemplo foi quando passei pelo Chelsea e estava rodeado dos melhores do mundo, de jogadores da elite da elite, dos grandes. O que se aprende é que, sim, eles têm carros muito caros, porque têm a possibilidade de comprá-los. Mas, ao mesmo tempo, esse dinheiro que eles investem nesse tipo de carros também investem em ajudar pessoas, algo que não aparece na imprensa.
Tive a possibilidade, graças a Deus, de estar com eles. Era como a frase que dizemos na Argentina: ‘A humildade dos grandes, das grandes pessoas’. O exemplo mais claro para mim é Didier Drogba. Tive uma relação muito boa com ele, até hoje às vezes conversamos. Para mim, ele é melhor pessoa do que jogador. Ele ajuda muito as pessoas. Eu via que ele estava sempre ajudando as pessoas ou ajudando o companheiro. Terry, em seu momento, um capitão, que sempre estava preocupado com todos os jogadores, sendo jovem ou mais experiente, e com as pessoas em geral.
Passei por lugares que me levaram a perceber que não é preciso demonstrar nada a ninguém para ser mais ou menos pessoa. É aquilo que falei, que meus pais me diziam, todos somos iguais. Uns têm mais possibilidades que outros, mas no fim todos morrem igualmente. Então, é por minha família e por ter podido ver isso em grandes jogadores, que não demonstravam o que tinham ou faziam.
Franco Di Santo se tornou amigo de Didier Drogba na época em que defendiam o Chelsea (Foto: Reprodução/Instagram)
Você disse que Drogba te ensinou muito como ter humildade, mesmo tendo conquistado muito no futebol, e que ele ajuda muita gente. Você também tem projetos sociais assim?
Sim, tento ajudar. A última coisa que fiz foi no inverno na Argentina. Onde eu vivia, tem uma região que é muito fria e tem gente que não tem absolutamente nada. Então, com minha família, compramos jaquetas e repartimos entre eles. Não havia como ajudar a todos, porque não conseguimos, e por isso privilegiei as crianças e as pessoas mais velhas. Depois, fiz outras coisas, mas não há necessidade de listá-las. Não quero ser manchete por isso.
Na África, fui principalmente pelos animais, por uma fundação de elefantes. Depois, fiz alguns safaris. Agora, vou fazer outro safari, mas com gorilas, pelas montanhas. Vou ter de caminhar seis horas entre as montanhas para tentar ver algum gorila (risos).
O que você mais gostou de Belo Horizonte até agora?
Pão de queijo (risos). É o melhor (risos). Eu já tinha provado pão de queijo, mas aqui é muito gostoso, muito bom. Sempre que estamos comendo, pego dois ou três. É incrível. Mas gosto de tudo, no geral. É uma mudança muito grande para mim, porque passei muito tempo na Europa e quando estive na Argentina era muito novo, então não entendia de muita coisa. É uma mudança grande, mas tento lidar da melhor forma, me adaptar a tudo. É como digo sempre: quando alguém quer conseguir algo, tudo fica mais fácil.
Então, tento fazer com que coisas pequenas não me afetem. Às vezes, é muito difícil, porque é uma mudança brusca. Mas tenho muita gente ao meu redor que é muito boa, minha família, minha namorada, meu empresário, com quem tenho uma relação há 15 anos, desde que comecei a jogar na Primeira Divisão. Tenho gente ao meu redor que, quando ficou ‘louco’, me acalma um pouco. A verdade é que gosto de tudo.
Desde que chegou, você tem se posicionado em questões sociais, como a situação da Amazônia. Como se posiciona em relação a isso, que tem se tornado uma questão política muito forte no Brasil?
Politicamente, não me interessa. Nunca falei. Na Argentina, também me perguntam muito. Como falo muito sobre animais, algumas vezes me perguntaram na Argentina sobre isso. Politicamente, não me interessa, isso é de cada um. O que interessa para mim, não politicamente, são as pessoas, o ser humano, em geral, tentar defender os animais.
Creio que não é bom para ninguém que a Amazônia sofra queimadas, porque tira o oxigênio de todos. Eu vou além disso. O animal não tem como se defender e nem de estar bem. Como pessoas, temos que trabalhar, para além da questão política, que não me interessa, e tentar ajudar de alguma foram.
Más allá de cualquier diferencia política o no (eso a mi no me interesa).. Lo q a mi me interesa dar a conocer es la cantidad de animales q están muriendo día a día en el Amazonas , sin olvidarnos q este es uno de los pulmones de nuestro querido planeta !!! %uD83C%uDF33%uD83D%uDC07%uD83C%uDF31%uD83D%uDC06%uD83D%uDE4F%u2764%uFE0F pic.twitter.com/AAzy3ejXqm
A América da Sul está em meio a uma agitação política muito grande, inclusive em países onde você viveu. Na Argentina, Macri foi derrotado nas eleições pelo Alberto Fernández, candidato kirchnerista. No Chile, onde você jogou por anos, os protestos contra Piñera se arrastam há muitos dias. Como você vê essas situações?
Creio que de ambos os lados, as pessoas têm razão. Não tenho nenhum partido político, nunca falei de política e nem me interessa. Se falamos bem de um lado, arranjamos problema com o outro lado. Se falamos do outro, é mais um problema. Falar de política e religião, para mim, é sempre para discutir e não me interessa. Nem com meus amigos eu falo, porque sei que vai render discussão.
Eu, como argentino e também por ser muito agradecido ao povo chileno pela oportunidade de jogar na Primeira Divisão, espero que os países estejam bem e que as pessoas tenham alimentos para comer, tenham trabalho e que os países cresçam.
Muita gente diz: ‘Se os países crescem, teremos comida’ ou ‘se tivermos comida, o país vai crescer’. Nunca tem realmente um equilíbrio. Espero que em algum dia, na América Latina e na América do Sul, na América em geral, possamos chegar ao nível de países da Europa. Creio que temos tudo para isso, o sul-americano, o brasileiro, o chileno, o argentino. Creio que se fôssemos um pouco mais unidos no sentido de sul-americanos, teríamos um continente impressionante. Saindo do lado político - assim como fiz no caso dos animais -, acho que falta um pouco mais de união para que a América do Sul possa competir com qualquer país do mundo, porque temos tudo.
Você jogou com jogadores muito importantes do futebol futebol mundial, como Drogba, John Terry e Frank Lampard. E também atuou na Argentina com Messi. Como foi essa experiência?
Foi impressionante, pois aprendemos muito com eles. Conhecemos o jeito deles, como chegaram até lá, a sua forma de ser tanto dentro, quanto fora do campo. Aprendemos muito a ver o futebol de outro ponto de vista. Foi um prazer para mim. Eu era muito novo (quando jogou no Chelsea). Depois, jogar com Messi na seleção foi impressionante. É como digo sempre: quem o vê pela televisão pensa que ele é um extraterrestre. E aí quando o vê pessoalmente, supera o extraterrestre. Faz coisas com os pés para ele são naturais, mas que a gente acerta uma em dez tentativas ou até mais, uma em 100 tentativas.
Di Santo ao lado de Lavezzi e Mesi no vestiário da Seleção Argentina (Foto: Reprodução/Instagram)
Em seu início no Chelsea, você trabalhou com o Felipão. Como foi ser treinado por alguém que é tão importante aqui no Brasil?
Foi lindo. Sempre vou ser grato a ele e à comissão técnica. Sempre me deram oportunidade de estar no grupo, sempre me levaram em consideração, mesmo eu sendo muito novo e tendo grandes jogadores no elenco. Naquele momento, os atacantes éramos seis: Drogba e Anelka, que eram os dois titulares, e também Pizarro, Shevchenko, Kalou, e eu. Então, eu não existia (risos). Ao lado deles, naquele momento, eu não era nada. E mesmo assim eu sempre estive no banco de reservas, sempre tive a possibilidade de jogar - pouquinho, mas creio que ter jogado aos 17 anos no melhor Chelsea daquele momento na história foi um prazer. Até o dia de hoje, fico muito agradecido.
Como você avalia seu desempenho no Atlético em 2019? Você tem uma meta de gols e títulos em 2020?
Até o dia de hoje, positivo. Vejo sempre os aspectos positivos primeiramente. Individualmente falando, um jogador que não jogava há oito meses vir atuar num futebol tão competitivo como o brasileiro, é difícil. Aqui se joga duas vezes por semana e eu não tive pré-temporada. Até hoje, joguei sem lesões e estive em campo por 90 minutos em quase todas as partidas, correndo e fazendo gols. É lógico que gostaria de fazer dois gols por jogo, mas lamentavelmente não consegui fazer. Mas o lado positivo é que individualmente fui bem, mas é claro que gostaria que o time estivesse melhor na classificação. A gente sempre espera coisas melhores. Para 2020, tenho que esperar para ver como terminamos agora na tabela. Espero que a gente termine o mais alto possível na classificação e, por que não, classificar para a Copa Libertadores, seja pré-Libertadores ou pré-Libertadores. Meta de gols não tenho, porque se digo dez e faço 20, vou ter mentido. E prefiro não mentir (risos).
Apesar do pouco tempo no Brasil, você já teve o nome gritado no estádio várias vezes. Qual é sua relação com a torcida do Atlético o que ela tem de diferente para as demais torcidas dos times em que você atuou?
As torcidas aqui não têm comparação com a Europa, pelo fato de que na Europa é diferente. A paixão é diferente, o jeito de viver é diferente, o dia a dia é diferente. Por aqui, creio que é muito mais difícil ir ao campo. Assim como sou grato a Scolari, também estou muito agradecido à torcida do Galo por ter me recebido muito bem. Em três meses, eles já gritavam meu nome. Sei que posso render mais e ajudar a equipe com mais gols. Creio que eles viram que sou uma pessoa que sempre dou o máximo para a equipe e sempre tenta que a equipe vá bem, para além do individual. Se eu mudar essa mentalidade, é possível que eu faça mais gols. Mas o importante é sempre a equipe, o grupo. Espero que o grupo sempre esteja no mais alto patamar possível.
Di Santo chegou ao Atlético no meio da temporada 2019 (Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)