CRUZEIRO 100 ANOS
2

CRUZEIRO

Cruzeiro 100 anos: fundação, construção de estádio e mascote

Leia a primeira parte da história do clube contada pelo Superesportes

postado em 02/01/2021 12:01 / atualizado em 02/01/2021 18:37

(Foto: Arquivo/Estado de Minas)
O Superesportes dividiu a primeira parte da história do Cruzeiro em seis tópicos: a fundação, a construção do estádio, os primeiros títulos, a família Fantoni, a mudança de nome e a Raposa como mascote.

Leia também:

- Cruzeiro 100 anos: Mineirão, conquista da América e clube copeiro (parte 2)
- Cruzeiro 100 anos: Tríplice Coroa, títulos nacionais e queda à Série B (parte 3)


A FUNDAÇÃO


A história do Cruzeiro começa bem antes de sua fundação. Com a abolição da escravatura no Brasil, em 1888, abriu-se espaço para a chegada de trabalhadores europeus. Como a Itália passava por grandes dificuldades sociais naquele período, com índices elevados de miséria e desemprego, milhares de pessoas se arriscaram a cruzar o oceano Atlântico em navios rumo à porta de entrada da América do Sul.

Projetada para ser a capital de Minas Gerais e inaugurada em 1897, Belo Horizonte recebeu cerca de 80 mil imigrantes italianos. “Desse número, 70% veio trabalhar nas fazendas e em torno de 17% na construção da nova capital”, relata Anísio Ciscotto Filho, historiador e conselheiro do Cruzeiro.

Naquela época, segundo Ciscotto, o número de italianos e descendentes era superior ao de belo-horizontinos natos. “No início, na época da fundação de Belo Horizonte, a cidade tinha mais italianos que brasileiros, já que, segundo a lei italiana, o filho do italiano é italiano também”.

(Foto: Arquivo Público de Belo Horizonte)

Em BH, os italianos trabalhavam nos mais variados serviços, desde a construção de casas e edifícios até nas colônias agrícolas, como a atual região do Barreiro e os bairros Calafate, na capital, e General Carneiro, em Sabará.

No embalo da expansão de Belo Horizonte para além dos limites da Avenida do Contorno, o interesse pelo futebol se intensificou. Dos grandes da capital, o Atlético foi fundado em 25 de março de 1908, enquanto o América surgiu em 30 de abril de 1912. Já o Palestra recebeu atletas de outros times, como é relatado pelo jornalista Henrique Ribeiro no Almanaque do Cruzeiro.

“O Cruzeiro foi criado por futebolistas experientes. Um deles era Aurélio Noce, que foi eleito o primeiro presidente. Noce já havia participado das criações do Sport Club Mineiro, em março de 1908, e do Yale Athletic Clube, em julho de 1910. O primeiro foi um dos clubes de existência efêmera da capital e era formado por elementos da elite. Já o Yale foi o primeiro clube fundado pela classe operária”.

“Havia jogadores de origem italiana em todos os clubes da capital, mas o Yale, de Aurélio Noce, era o que concentrava em maior número. Curiosamente, seu uniforme era azul e branco e o seu campo ficava no bairro do Barro Preto, no quarteirão onde está erguido, atualmente, o fórum da capital. Do Yale saíram 16 jogadores que formariam os primeiros plantéis de titulares e reservas do Cruzeiro. Os outros jogadores vieram do Atlético, Guarany e Palmeiras, além de atletas sem clube”.

(Foto: Acervo/Cruzeiro)

Vale destacar que o Yale não deu origem ao Palestra Itália. O vice-campeão mineiro de 1915 disputou a competição até 1924, quando se desfiliou da Federação Mineira de Futebol. Em 1930, foi definitivamente extinto após passar seis anos enfrentando equipes de várzea em amistosos.

Já a Societá Sportiva Palestra Itália ganhou de um combinado de Villa Nova e Palmeiras por 2 a 0, no dia 3 de abril de 1921. Os dois gols foram marcados por Nani. A primeira escalação teve: Nullo; Polenta e Ciccio; Quiquino, Américo e Bassi; Lino, Spartaco, Nani, Henriqueto e Armandinho; Duas semanas depois, veio o primeiro triunfo no clássico (que ainda não tinha esse peso): 3 a 0 diante do Atlético, gols de Atilio (2) e Nani.


A PRIMEIRA CASA


O estádio do Barro Preto começou a ser idealizado em 1922. Na ocasião, segundo o Almanaque do Cruzeiro, o clube recebeu da prefeitura de Belo Horizonte um quarteirão entre as ruas Guajajaras, Araguari, Juiz de Fora e a Avenida Augusto de Lima (à época denominada Avenida Paraopeba). A construção das arquibancadas contou com a participação de jogadores, associados e torcedores, que compunham a classe operária da cidade.

A inauguração oficial do estádio foi em 23 de setembro de 1923, quando o Cruzeiro enfrentou o Flamengo. As arquibancadas do Barro Preto receberam naquele domingo 4 mil espectadores. Eles assistiram ao então garoto João Fantoni, o Ninão, de apenas 18 anos, marcar dois gols no empate por 3 a 3.


Mais de 20 anos depois da inauguração, em 1945, o estádio do Barro Preto passou por reforma e foi rebatizado Estádio Juscelino Kubitschek de Oliveira, em homenagem ao então prefeito de Belo Horizonte. Além de ter a capacidade de público ampliada para 15 mil, o campo recebeu iluminação para poder realizar jogos noturnos.

O estádio JK começou a ser deixado de lado quando o Cruzeiro construiu a Toca da Raposa I, em 1973. Em 1986, o campo e as arquibancadas foram desmanchados, dando lugar ao clube de lazer do Barro Preto. 

OS PRIMEIROS TÍTULOS


(Foto: Acervo/Cruzeiro)

Com apenas um ano de existência, o Palestra esteve perto de quebrar a hegemonia do América no Campeonato da Cidade (antigo nome do Campeonato Mineiro). Com 16 pontos, as equipes fizeram jogo extra para definir o título de 1922, pois não havia critério de desempate no regulamento do torneio. O América ganhou de virada, por 2 a 1, e ficou com a taça.

O primeiro título palestrino veio em 1928, com um ponto de vantagem sobre o vice-campeão, Atlético (28 a 27). Ninão marcou 43 dos 93 gols da equipe naquela edição.

Em 1929, novamente com o artilheiro Ninão (33 gols), o Palestra Itália voltou a desbancar o Atlético, desta vez com folga na pontuação: 28 a 22. Em 1930, o mais velho dos irmãos Fantoni balançou a rede 18 vezes, e o time levantou o troféu tendo o América como vice.

A FAMÍLIA FANTONI


“Quem se habilitar a escrever a história do Cruzeiro, tem que reservar um capítulo aos Fantoni”. A frase é do jornalista e escritor Plínio Barreto, em entrevista à TV Cultura no início dos anos de 1990.

Ex-cronista do Estado de Minas, Barreto morreu aos 93 anos, em 2015, vítima de um tumor ósseo maligno. Em vida, narrou os pormenores da história do clube do coração, do qual se tornou conselheiro nato, e escreveu em parceria com o filho, Luiz Otávio Trópia Barreto, o livro “De Palestra a Cruzeiro - Uma trajetória de glórias”.

Luiz Otávio, de 67 anos, não viu os Fantoni em ação. Tudo que sabe é graças às narrações do pai e também por publicações do jornalista e escritor italiano Mario Pennacchia, que relatou a passagem dos irmãos Nininho e Niginho e o primo Nininho pela Lazio, na década de 1930.

“O Nininho era um jogador muito admirado, voluntarioso e com toque de bola refinado. Um lateral-esquerdo do melhor estilo, que talvez tenha sido considerado o melhor da Itália no tempo em que jogou. Era agressivo, de chute forte, canhoto. Diziam que não era desleal, mas era duro (...). O Ninão era um meia-atacante que também jogava como centroavante. Era goleador. O Plínio dizia que era estilo tanque, com domínio de bola, que levava na força. Mas também sabia jogar, com bom passe (...). Já o Niginho batia muito forte na bola, era goleador”.


Filho de Fulvio Fantoni e Rosa Marana, italianos que se estabeleceram em Belo Horizonte, João Fantoni, o Ninão, nasceu em 24 de julho de 1905. Leonízio, o Niginho, veio ao mundo em 12 de fevereiro de 1912. Orlando, o caçula dos irmãos boleiros, é do dia 4 de maio de 1917. Já Otávio Fantoni, o Nininho, é um pouco mais novo que Ninão: 4 de abril de 1907.

Em cem anos de Cruzeiro, Ninão é até hoje o dono da melhor média de gols - 1,26 - 168 em 133 partidas. Niginho, por sua vez, foi aclamado maior ídolo antes da geração de Tostão e Dirceu Lopes. Ele balançou a rede 210 vezes em 280 jogos. Por fim, Orlando anotou 90 tentos em 206 apresentações.

Os três irmãos também foram técnicos do Cruzeiro, sendo Niginho o terceiro com mais partidas pelo clube (256), e Orlando Fantoni o nono, com 173. Ninão não teve tanto sucesso à beira de campo, porém colaborou como dirigente e integrou uma espécie de conselho gestor que administrou a instituição em 1942.

Nininho não teve muito tempo para se firmar no Cruzeiro, pois foi para a Lazio aos 22 anos, em 1930, e nunca mais voltou. Ele morreu aos 27 anos em consequência de um quadro de septicemia, dias depois de fraturar o nariz em uma partida contra o Torino, pelo Campeonato Italiano de 1934/1935. O médio-lateral chegou a ser cotado para representar a Azzurra na Copa do Mundo de 1934.

Dois dos herdeiros de Ninão seguiram os passos do pai, mas como zagueiros. Benito Fantoni, que nasceu na Itália, em 1931, vestiu as camisas de Cruzeiro e Atlético. Já Fernando, um ano mais velho, defendeu o América entre as décadas de 1940 e 1950.

A MUDANÇA DE NOME


Além do nome alusivo ao país de origem dos familiares dos fundadores, o Palestra tinha os uniformes das cores da bandeira italiana: calção branco e camisa verde e vermelha. Tudo começou a mudar a partir de 1938, quando foi formada a ala renovadora do clube. Uma das propostas era adequar a identidade em consonância com os símbolos nacionais.

Em 1939, estourou a Segunda Guerra Mundial, que durou até 1945. Em posição contrária à Aliança do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão, o governo de Getúlio Vargas decretou em 31 de agosto de 1942 uma lei que proibia referências às nações inimigas no Brasil.

Em São Paulo, o Palestra Itália virou Palmeiras. Em Minas, a ideia inicial era adotar o nome Ypiranga, o preferido do presidente Ennes Ciro Poni. Houve quem citasse Yale e Palestra Mineiro. Ganhou, porém, a sugestão do ex-presidente Oswaldo Pinto Coelho: Cruzeiro Esporte Clube.


Para convencer tanto os nacionalistas quanto os italianos, Oswaldo disse que o nome Cruzeiro seria uma forma de homenagear o Cruzeiro do Sul, uma das constelações representadas na bandeira brasileira, e o uniforme com camisa azul e calção branco faria referência à seleção de futebol da Itália. Deu certo.

Devido a atrasos na aprovação do novo estatuto por parte da Federação Mineira de Futebol, o Cruzeiro estreou a nova denominação somente em 14 de fevereiro de 1943, em amistoso contra o São Cristóvão, no estádio do Barro Preto. O time chegou a abrir 3 a 1, com dois gols de Nogueirinha e um de Alcides, porém os cariocas viraram para 5 a 3.

Já no primeiro duelo com a camisa azul e o calção branco, o Cruzeiro voltou a perder para o São Cristóvão, por placar ainda mais elástico: 4 a 1, em 23 de fevereiro.

A RAPOSA COMO MASCOTE


Em 1945, o cartunista Fernando Pieruccetti, o Mangabeira, criou mascotes para os clubes de Minas Gerais. O Cruzeiro ficou com a Raposa, pois, segundo o ilustrador, tinha as características de astúcia e esperteza do animal para contratar bons jogadores. O presidente da época era Mário Grosso.

No ano em que passou a ter a Raposa como parte de sua identidade, o Cruzeiro foi tricampeão consecutivo do Mineiro. A confirmação do título de 1945 veio com vitória por 3 a 2 sobre o Siderúrgica, no dia 4 de novembro, em Sabará: gols de Hemetério e Ismael (2).

(Foto: Acervo/Cruzeiro)