CRUZEIRO 100 ANOS
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CRUZEIRO 100 ANOS

Cruzeiro 100 anos: Tríplice Coroa, títulos nacionais e queda à Série B

Leia a terceira parte da história do Cruzeiro contada pelo Superesportes

postado em 02/01/2021 12:03 / atualizado em 02/01/2021 15:31

(Foto: Jorge Gontijo/EM D.A Press)


O Superesportes dividiu a terceira e última parte da história centenária do Cruzeiro em seis tópicos: a Tríplice Coroa, o tetra do Campeonato Brasileiro, o hexa da Copa do Brasil, o rebaixamento em 2019, a Série B de 2020 e um panorama para os próximos anos.

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A TRÍPLICE COROA


O time que ganhou quase tudo em 2003 e passou fácil por praticamente todos os adversários escreveu certo por linhas tortas. Mas alto lá! Não se trata de nenhuma crítica ao elenco que somou 179 gols naquela temporada, e sim por alguns eventos de 2002. No ano anterior, o Cruzeiro perdeu a final da Copa dos Campeões, que dava vaga na Copa Libertadores, para o Paysandu, nos pênaltis. No Campeonato Brasileiro, ficou em nono na fase classificatória, com 39 pontos em 25 rodadas, em desvantagem no saldo de gols para o oitavo colocado Santos, que viria a ser campeão no mata-mata.

Ao terminar 2002 eliminado, mas de cabeça erguida em razão das cinco vitórias consecutivas na reta final, o Cruzeiro já intensificou o planejamento para 2003. Além de manter o técnico Vanderlei Luxemburgo e o meia Alex, a diretoria buscou reforços, como os atacantes Aristizábal, Mota e Deivid, o meia Martinez, o zagueiro Edu Dracena e o lateral-direito Maurinho. No decorrer do ano vieram os volantes Maldonado e Felipe Melo, o meia Zinho e os atacantes Márcio Nobre, Alex Dias e Alex Alves. O clube ainda contou com os remanescentes Gomes, Maicon, Cris, Luisão, Leandro, Augusto Recife e Wendel para atingir todos os objetivos.


No Campeonato Mineiro, disputado por 13 times em pontos corridos, o Cruzeiro ficou com a taça ao contabilizar dez vitórias e dois empates. Na Copa do Brasil, passou por Rio Branco-ES, Corinthians-RN, Vila Nova-GO, Vasco, Goiás e Flamengo - a quem superou na decisão ao empatar no Maracanã, por 1 a 1,  e vencer no Mineirão, por 3 a 1.

Já no Campeonato Brasileiro, a equipe treinada por Luxa somou 100 pontos e marcou 102 gols em 46 rodadas (24 clubes). Foram 31 vitórias, sete empates e oito derrotas. Somente na Sul-Americana é que a Raposa não avançou, apesar de ter se despedido com uma vitória por 1 a 0 em cima do Palmeiras e um empate por 1 a 1 com o São Caetano.

Alex encerrou o ano como artilheiro cruzeirense, com 39 gols, seguido por Deivid e Aristizábal, ambos com 28, e Mota, com 25. Já os atletas que mais jogaram foram o goleiro Gomes (67), o volante Augusto Recife (65) e o lateral-direito Maurinho (65). No geral, o técnico Vanderlei Luxemburgo encerrou o ano com 53 vitórias, 13 empates e oito derrotas.


O TETRA DO BRASILEIRO


Depois da Tríplice Coroa de 2003, o Cruzeiro ficou por alguns anos na seca de títulos nacionais e internacionais. Em 2005, foi semifinalista da Copa do Brasil. Em 2008, alcançou o terceiro lugar no Brasileiro, com 67 pontos. Em 2010, foi o segundo, com 69 - dois a menos que o campeão Fluminense. Já em 2009, não conquistou a Copa Libertadores por um triz, pois no duelo de volta da final, contra o Estudiantes, da Argentina, perdeu de virada por 2 a 1, no Mineirão.

Exigentes, os torcedores cruzeirenses já não se contentavam mais com títulos mineiros. No fim de 2012, houve protesto contra a contratação do técnico Marcelo Oliveira, que havia feito bom trabalho no Coritiba, vice-campeão consecutivo da Copa do Brasil em 2011 e 2012. Um dos incômodos era com a ligação do profissional com o Atlético, onde jogou como meio-campista na década de 1970 e foi treinador desde as categorias de base até o time principal. Os adeptos celestes também esperavam um nome mais experiente para conduzir o elenco.


A contragosto de parte da torcida, Marcelo veio. E queimou a língua dos críticos ao ganhar o Campeonato Brasileiro já em 2013. Ele escolheu a dedo o meia Everton Ribeiro, com quem trabalhou no Coritiba. Ainda indicou Ricardo Goulart, Egídio, Nilton e tantos outros nomes. Das categorias de base surgiram o lateral-direito Mayke, o volante Lucas Silva e o meia-atacante Alisson. E o Cruzeiro se transformou em uma máquina de fazer gols na Série A - 77 em 38 rodadas. A equipe somou 76 pontos (23 vitórias, 7 empates e 8 derrotas) e comemorou o tri com 11 de vantagem sobre o vice-campeão Grêmio.

Entre as vitórias emblemáticas, destaque para o 3 a 0 em cima do Botafogo, no dia 18 de setembro, no Mineirão, que fez o Cruzeiro abrir sete pontos de vantagem na liderança: 49 a 42. Já o triunfo por 3 a 1 sobre o Vitória, no Barradão, em Salvador, garantiu a conquista matemática na 34ª rodada, ao atingir a margem de 16 pontos. O curioso é que o time ficou sabendo do título no intervalo, pois o Athletico-PR, então segundo colocado, havia perdido para o Criciúma mais cedo, por 2 a 1.

Em 2014, o Cruzeiro fez pequenos ajustes no elenco, mas manteve a base vitoriosa. Foram incorporados à equipe o zagueiro Manoel, o volante Henrique, o meia Marquinhos e o atacante Marcelo Moreno. O tetra foi conquistado novamente com muita folga: dez pontos à frente do segundo colocado, São Paulo: 80 a 70.


O HEXA DA COPA DO BRASIL


Se em 2013 e 2014 o Cruzeiro foi regular nos pontos corridos, em 2017 e 2018 se mostrou um “bicho-papão” no mata-mata ao melhor "estilo" Mano Menezes de valorizar o regulamento do gol qualificado como visitante ou uma eventual vantagem do empate. O bicampeonato consecutivo da Copa do Brasil consagrou o goleiro Fábio como grande pegador de pênaltis e fez o clube celeste se tornar o maior vencedor do torneio, com seis canecos.

A história do penta foi transformada em livros - um escrito pelo ex-vice-presidente de futebol, Bruno Vicintin, em conjunto com o jornalista Gilmar Laignier (“Caminhos do Penta”), e outro de autoria do zagueiro Léo (“A Quinta Estrela”). O Cruzeiro arrancou desde os primórdios da competição, quando, em jogo único, venceu o Volta Redonda por 2 a 1. Na segunda fase, goleou o São Francisco, do Pará, por 6 a 0. Na terceira, passou com tranquilidade pelo Murici, de Alagoas, com vitórias por 2 a 0 e 3 a 0.

Na quarta fase, o sonho quase foi por terra. Depois de ganhar do São Paulo no jogo de ida, por 2 a 0, no Morumbi, a Raposa perdeu por 2 a 1, no Mineirão. Por muito pouco, não sofreu o terceiro gol que daria a classificação ao tricolor. Nas oitavas de final, mais sufoco: vitória por 1 a 0 sobre a Chapecoense, em casa, e empate por 0 a 0 na Arena Condá, em Chapecó.

Nas quartas de final, o Cruzeiro abriu 3 a 0 sobre o Palmeiras no primeiro tempo do duelo no Allianz Parque, em São Paulo. Na etapa final, o rival reagiu, buscou o empate e quase virou. Na volta, o Verdão começou ganhando com um gol de Keno, em chute que desviou no volante Lucas Romero, já aos 26min do segundo tempo. O Mineirão permaneceu em silêncio até os 40min, quando o volante Henrique se livrou de dois adversários e abriu o jogo na ponta esquerda para Alisson. O meia-atacante levou a bola para o pé direito e cruzou em direção à pequena área. Quem surgiu como “elemento-surpresa” foi o lateral Diogo Barbosa, que cabeceou no canto direito de Jaílson e levou o estádio à loucura.

Na semifinal, novo drama. Com uma vitória por 1 a 0 para cada lado, Cruzeiro e Grêmio decidiram a vaga nos pênaltis. Marcelo Grohe, goleiro tricolor, defendeu as cobranças de Robinho e Murilo. Fábio, camisa 1 da Raposa, contou com a sorte ao ver Edilson e Everton Cebolinha acertarem na trave. Na quinta cobrança gremista, o ídolo esticou a perna esquerda e bloqueou o chute de Luan. Coube a Thiago Neves marcar e colocar o time celeste na final.


Depois de dois empates entre Cruzeiro e Flamengo - 1 a 1, no Maracanã, e 0 a 0, no Mineirão -, o campeão da Copa do Brasil de 2017 foi conhecido nas penalidades máximas. Nos quatro primeiros tiros livres, dois gols para cada lado: Henrique e Léo, para a Raposa; Guerrero e Juan, para o rubro-negro. Na sequência, Hudson fez 3 a 2 a favor dos mineiros, enquanto Diego parou em Fábio.

A partir dali, o Cruzeiro dependia apenas de si. Diogo Barbosa chutou no ângulo direito e fez 4 a 2. O Flamengo ainda manteve as esperanças com o lateral-esquerdo Trauco: 4 a 3. Mas Thiago Neves se encarregou do último pênalti e, apesar do escorregão, não desperdiçou: 5 a 3. Ponto final. O espírito copeiro das décadas de 1990 e 2000 enfim estava de volta ao clube.

Em 2018, o Cruzeiro entrou diretamente nas oitavas de final da Copa do Brasil por ter disputado a Libertadores. A caminhada até o hexa também teve o seu grande susto nas quartas de final, contra o Santos. A Raposa ganhou por 1 a 0, na Vila Belmiro, e abriu 1 a 0, no Mineirão. Parecia tranquilo, mas o Peixe virou para 2 a 1 e levou o duelo para os pênaltis.

Brilhou, então, a estrela do goleiro Fábio, que defendeu as três cobranças santistas, de Bruno Henrique, Rodrygo e Jean Mota. O Cruzeiro, por sua vez, garantiu 100% de aproveitamento - Lucas Silva, Raniel e David - e avançou. Na semifinal, a equipe contou com dois gols do argentino Barcos para passar pelo Palmeiras de Luiz Felipe Scolari com vitória por 1 a 0, no Allianz Parque, e empate por 1 a 1, no Mineirão. Na decisão, bateu o Corinthians em duas ocasiões: 1 a 0, em BH, e 2 a 1, em São Paulo. O título de 2018 rendeu ao clube a premiação recorde de R$ 61,9 milhões.


O REBAIXAMENTO


A Copa do Brasil de 2018 foi positiva para o Cruzeiro tanto em termos financeiros quanto esportivos. Administrativamente, porém, mascarou uma gestão temerária que inflacionou salários e gastou de maneira desenfreada em dois anos. O presidente Wagner Pires de Sá deu carta branca ao vice de futebol, Itair Machado, e ao diretor Sérgio Nonato. Além disso, empregou conselheiros e até mesmo o filho, Humberto Pires de Sá, que teria salário de R$ 30 mil mensais.

Todo o aparelhamento do Cruzeiro resultou em um colapso financeiro em 2019, agravado com os casos de corrupção investigados pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, que se tornaram públicos em reportagem do Fantástico, da TV Globo, em 26 de maio. Dirigentes e empresários ligados ao mundo da bola foram indiciados por apropriação indébita, falsidade ideológica, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

(Foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro)

Segundo a Polícia Civil, o rombo nos cofres do Cruzeiro foi de cerca de R$ 10 milhões. Valor vultoso para 99,99% da população brasileira, porém pequeno se comparado ao tamanho do estrago na instituição. Em dois anos, o Cruzeiro elevou suas dívidas de cerca de R$ 386 milhões para mais de R$ 900 milhões. As despesas de R$ 770 milhões no biênio 2016/2017 superaram R$ 1,18 bilhão em 2018/2019 (crescimento de 53%).

A bola de neve de dívidas é o ponto de partida para o inédito rebaixamento à Série B. Em crise, o clube não conseguiu manter salários em dia e conviveu com uma série de maus resultados na temporada. Na Copa do Brasil, caiu na semifinal diante do Internacional. Na Libertadores, despediu-se nas oitavas, nos pênaltis, ante o River Plate. No Brasileiro, ganhou apenas sete dos 38 jogos e encerrou em 17º, com 36 pontos, após perder para o Palmeiras por 2 a 0, em 8 de dezembro, no Mineirão.


Por pressão de conselheiros e torcedores, Wagner Pires de Sá renunciou à presidência em dezembro de 2019. Desde então, é frequentemente hostilizado quando é reconhecido por torcedores em bares onde costuma frequentar. O mesmo vale para Sérgio Nonato e Itair Machado - este teve o carro apedrejado enquanto estava parado na avenida Raja Gabáglia.

A SÉRIE B


Com a saída de Wagner Pires de Sá, o Cruzeiro contou com a participação de um grupo gestor formado por conselheiros e associados no primeiro semestre de 2020. Eles tentaram colocar os conhecimentos de suas respectivas áreas (muitos donos de grandes empresas) para amenizar problemas emergenciais. No segundo semestre, o advogado Sérgio Santos Rodrigues foi eleito presidente para um mandato inicial até dezembro. Em outubro, ele concorreu novamente ao pleito e esticou a administração para o triênio 2021/2022/2023.

Tanto o conselho gestor quanto Sérgio Rodrigues conseguiram economias para o clube com acordos trabalhistas, cíveis e tributários, além de amortizar dívidas de contratações na Fifa. Entretanto, o planejamento para o futebol ficou marcado por falhas e apostas que não deram certo.

Em seis meses, o Cruzeiro foi da “certeza de acesso” a um time na intermediária da classificação da Série B. Nenhum técnico conseguiu fazer a equipe emplacar sequência de boas atuações, e a probabilidade de permanência na segunda divisão é de mais de 99%.


Com aproveitamento de 58,33%, Luiz Felipe Scolari já cobrou publicamente um planejamento diferente para 2021. “A expectativa é que a gente monte uma situação totalmente diferente da que foi montada neste início de ano. Que a gente planeje totalmente diferente do que foi planejado e que se coloque em prática. Tem que ter um planejamento completo, não só para o ano do centenário. Tem que ser completo, diferentemente do que  foi feito e planejado este ano, para que tenhamos uma situação bem melhor para o ano que vem. É o que vamos conversar com a presidência e as pessoas encarregadas no Cruzeiro para saber se é esse o projeto que vamos fazer”.

Felipão entende que o número elevado de jovens jogadores no grupo não é o ideal para o Cruzeiro. “Então, se os torcedores do Cruzeiro acham que aquele planejamento com muitos jogadores jovens, que a camisa vai ganhar, não vai ganhar”.

O problema é que até mesmo os mais experientes não corresponderam às expectativas. O atacante Marcelo Moreno, por exemplo, marcou apenas três gols em 29 jogos. Já William Pottker, que foi solicitado por Felipão e teria recebido R$ 1 milhão a título de luvas na assinatura do contrato de quatro anos, só anotou um gol em nove partidas na Série B.

A seis rodadas para o encerramento do campeonato, o Cruzeiro é o 11º, com 41 pontos - dez a menos que o quarto, Cuiabá, e a 21 da primeira colocada, Chapecoense. Mesmo se vencer todos os compromissos restantes, o time azul só poderá contabilizar 59 pontos. Esse aproveitamento garantiu o acesso em apenas uma oportunidade, quando o Vitória, em 2007, ficou em quarto lugar.

OS PRÓXIMOS ANOS


Por tudo que representa para o futebol brasileiro e sul-americano, o Cruzeiro voltará a celebrar grandes conquistas no futuro. Só que o momento requer paciência e compreensão por parte dos torcedores. Será necessário colocar a casa em ordem por algum tempo, sem grandes pretensões e/ou cobranças por feitos expressivos. Foi assim entre os anos de 1940 e 1950, bem como na década de 1980. E nem por isso o clube deixou de enriquecer a sua sala de troféus em períodos posteriores.


Retornar à primeira divisão é o primeiro passo para a salvação financeira. Estar na Série A significa faturar mais com direitos de televisão, premiação, patrocínio e venda de jogadores. Prova disso foi a arrecadação de mais de R$ 330 milhões em 2018 - obviamente, impulsionada com a receita da Copa do Brasil. Mas até 2019 pode servir de modelo, pois o Cruzeiro recebeu cerca de R$ 289 milhões.

As páginas heroicas e imortais continuam a ser escritas por jogadores, dirigentes, funcionários, torcedores e pela crônica esportiva. Se hoje é tratada como mancha, a Série B pode ser considerada um aprendizado por quem contar a trajetória do clube nos próximos 10, 20, 30, 50 ou 100 anos. Esse texto, portanto, fica com o espaço aberto para que mais capítulos sejam preenchidos pela eternidade.