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ENTREVISTA

Perto de título, Enderson Moreira exalta projeto do América na Série B, valoriza recordes, futebol e abre jogo sobre futuro

Técnico mais longevo do Brasil, levando em conta as Séries A e B, Enderson Moreira falou sobre sucesso do América, chance de título e futuro profissional

postado em 24/11/2017 06:30 / atualizado em 24/11/2017 09:20

Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Com uma vitória sobre o CRB-AL neste sábado, no Independência, em Belo Horizonte, o América garantirá pela segunda vez o título de campeão da Série B do Campeonato Brasileiro. O clube conseguiu esse feito também em 1997. A campanha americana foi consistente do início ao fim, recheada de resultados grandiosos, recordes e personagens marcantes. Entre eles está o técnico Enderson Moreira.

O treinador foi contratado em julho de 2016, em meio à péssima campanha na Série A do Brasileiro. Depois de passagens no Lanna Drumond como técnico da base, preparador físico, auxiliar-técnico e interino, Enderson foi chamado para comandar uma reformulação no futebol. Ao lado do diretor Ricardo Drubscky, que também chegou ao clube no ano passado, começou a pensar a montagem do elenco desta temporada.

Alguns feitos do América saltam aos olhos. Mesmo se perder para o CRB na última rodada da competição, será o time com menos derrotas entre os 40 clubes das séries A e B. São cinco revezes até o momento – Corinthians, campeão da Primeira Divisão, e Internacional, vice-líder da Segundona, têm sete cada um. Os paulistas ainda fazem dois jogos até o fim da temporada, e os gaúchos atuam mais uma vez.

Outra marca emblemática a ser alcançada é a de melhor defesa da história da Série B e segunda melhor entre as duas divisões nos pontos corridos desde 2006, quando foi configurado o formato atual com 20 clubes. Com 25 gols sofridos - caso não seja vazado no sábado -, o América só ficaria atrás do São Paulo de Muricy Ramalho em 2007, que levou apenas 19 em 38 rodadas.

O sucesso do América se explica também pela longevidade do seu treinador. Com a saída de Claudio Tencati do Londrina depois de sete anos, Enderson Moreira passou a ser o técnico há mais tempo no cargo nas duas maiores divisões do futebol brasileiro. Ele está há 490 dias à frente do América – desde 21 de julho de 2016. Ao atingir o objetivo de 2017 com honras e conquistar o acesso à elite, é hora de buscar mais.

Enderson concedeu entrevista exclusiva ao Superesportes e detalhou os desafios vividos na campanha da Série B. Ele ainda falou sobre carreira, parceria com a comissão técnica, convites, negociações para renovação, recordes, modelo de jogo, elenco e nova reformulação para a disputa da Série A em 2018. “Sem dúvida nenhuma, o América é o meu projeto de futebol que mais retrata os meus pensamentos. O que eu penso sobre futebol”. 

A SEGUIR, A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA COM O TÉCNICO AMERICANO:

Como você se sente sendo agora o técnico mais longevo do país? 

A questão do Tencati era um ponto fora da curva. Não era uma coisa normal. É uma equipe diferente o Londrina, que praticamente tem dono. Uma empresa toma conta do clube. As questões políticas influenciam um pouco. Eu estou como alguns outros. A minha diferença para o segundo e o terceiro é de dias. A gente dá continuidade, não sabemos se vamos ficar para o ano que vem. Estamos no processo e só vamos conversar sobre isso depois do jogo de sábado. Estamos muito focados nesse momento. Daqui a pouco pode ser outro, pode ser o Mano. É uma coisa natural. Estou muito feliz de poder concretizar e terminar esse trabalho. Ficar aqui no projeto e chegar até o fim. Isso para mim é fantástico. Se ano que vem tiver outras questões, sabemos que faz parte do futebol. Se for para permanecer e dar continuidade, tentar se manter na Série A, que é um grande desafio para o América, tomara que possamos ter muita energia e força para fazermos o melhor. Porque é uma tarefa das mais difíceis, não tenho dúvida disso.



Sendo o treinador há mais tempo no cargo, já passa pela sua cabeça renovação, montagem de elenco? Como está a cabeça do Enderson Moreira para 2018?

Há uma série de questões que são importantes. Ano passado, a chegada aqui foi muito importante para poder mostrar que queríamos um outro caminho. A queda de divisão pode ser uma tragédia, mas pode ser uma grande oportunidade também. Acompanhamos de longe o trabalho do Corinthians. Teve o rebaixamento e, depois, ele tomou um novo caminho, diferente. Isso fez com que ele tivesse um sucesso enorme na última década. Penso dessa forma. O América teve uma grande oportunidade o ano passado de buscar um novo caminho. Nesse aspecto foi muito importante. O América já tinha conquistado alguns acessos, mas não dessa forma. Com o protagonismo do jogo, com uma equipe que tenta pegar o jogo, ter posse de bola, mesmo fora de casa ter o controle da partida. Isso foi muito bacana. Mesmo quando tivemos derrotas, tentamos propor o jogo. Contra o Inter, foi um jogo aberto com as duas equipes tentando buscar o gol. Me sinto muito orgulhoso por esse aspecto. O América nos deu autonomia – aquela autonomia vigiada em que dizem ‘olha, isso vocês podem fazer, a responsabilidade é de vocês’. Não era só minha, do Drubscky  também, para poder tecnicamente pensar esse jogo. Em determinado momento, o Salum (Marcus Salum, agora presidente) também entra nessa parceria, mais o Paulo Assis, o Luiz Kriwat. Foi quase um conselho para que pudéssemos tomar as decisões. Acho isso uma grande virtude do dirigente estatutário. Enxergar numa pessoa técnica a capacidade de tomar essas decisões. Nunca falamos sobre questões financeiras, não me interessei por isso. Mas sempre dava um caminho de uma relação de atletas e possibilidades. Para a permanência na Série A e renovação, passa por esse processo também. Saber até onde o clube pode ir, para ver se temos um pensamento próximo. Temos questões financeiras também. Em determinado momento da minha renovação, no meio do ano, eu abri mão de parte de salário para permanecer aqui. Nada mais justo que possamos ter essa valorização e que não fiquemos tão frágeis nesse quesito quando temos propostas de fora. Eu tive propostas no ano passado para poder ganhar muito mais, mas tinha um propósito muito claro aqui. De poder terminar essa temporada, esse projeto. Então, uma renovação passa por todos esse detalhes. O América deve poder ir até determinado ponto, e eu posso ceder até outro. É uma negociação que tem de ser boa para as duas partes. Se for boa só para o América, não vai funcionar, e se for boa só para o Enderson, também não.

 
A renovação do seu contrato para o próximo ano passa pela montagem do elenco, por essa visão da diretoria e o encontro entre o que vocês pensam?

Eu penso muito no que temos hoje e em fazer uma boa avaliação. Os atletas foram formidáveis, o projeto maravilhoso. Não tenho nenhum tipo de reclamação. Eles foram de uma capacidade e determinação, mas sabemos que a cada ano o projeto se modifica. As diretrizes, a forma de pensar. Alguns deram muita resposta dentro de campo, outros ficaram um pouquinho abaixo do que poderiam ter feito. Sou um treinador muito grato ao que poderia ter sido feito, mas com o pensamento de avaliação muito criteriosa do que está acontecendo. Para o bem de todas as partes, quando chego em algum clube trato como se fosse meu. Tento acertar o máximo possível. É uma questão natural em que o América pode ter chegadas e saídas. Natural, até porque o projeto é diferente.

Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Como você encara as marcas importantes que o time está batendo na temporada, como o menor número de derrotas, o baixo número de gols sofridos, e como foi o trabalho por essa forma e o modelo de jogo que você conseguiu implantar na equipe, em que os jogadores trocam muito de posição no sistema ofensivo e também iniciam o combate pressionando o adversário na saída de bola?

São marcas interessantes e importantes. Nós vamos terminar o ano sendo a equipe que menos perdeu no Campeonato Brasileiro das Séries A e B. Quando eu falo Série A e B, não que eu não considere a C ou a D. É porque as primeiras têm o mesmo formato. Para podermos comparar. Você não pode pegar uma equipe da Série C, que fez 22 jogos, e comparar com uma que fez 38. A diferença é grande. A gente vai terminar, com certeza, com o time que menos perdeu na temporada das Séries A e B. Estamos com cinco derrotas e os outros que têm menos têm sete. Estamos com um número muito significativo em gols sofridos, tomamos poucos gols. Não é uma questão só defensiva, da defesa em si. É uma questão de entendimento do que é defender. Começamos com os nossos atacantes. Eles têm uma participação efetiva no momento em que perdemos a posse de bola. Para não sofrer esse assédio do adversário, não sofrermos tantos contra-ataques. Consequentemente, por essa visão do nosso time, temos números muito significativos em termos de disciplina, número de faltas e cartões amarelos e vermelhos. Defendemos bem sem usar do recurso da falta. Isso é uma coisa muito bacana. É prova de uma equipe organizada. Os números comprovam essa organização. Tivemos isso durante todo o campeonato. A equipe do América foi muito equilibrada, tem números muito próximos do primeiro para o segundo turno. Isso mostra esse equilíbrio. Oscilamos pouco na competição. Fizemos 36 pontos no primeiro turno, temos 34 no segundo e podemos chegar a 35 ou 37. Isso é sinal de que a equipe foi bem equilibrada e organizada, trabalhando de uma mesma forma.



Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Como você gosta que suas equipes joguem? A forma como o América vem jogando é a que mais se aproxima do que você pensa para futebol? Você chegou e moldou o jogo com o que você tinha no elenco ou foi moldando à medida que via do que eles eram capazes?

Eu sempre tive algumas ideias. As ideias que estão na minha cabeça, às vezes, são muito difíceis de você transformá-las em realidade em uma equipe. O grande desafio para um treinador é colocar aquilo que você tem como pensamento de jogo para acontecer no dia a dia. É um trabalho de convencimento dos atletas, e não só de um, mas de 30 atletas. Temos os trabalhos táticos no time A e B que são muito próximos, todo mundo sabe o que faz e faz benfeito. Sem dúvida nenhuma, o América é o meu projeto de futebol que mais retrata os meus pensamentos. O que eu penso sobre futebol. Podia ser melhor em alguns quesitos? Sim. Um detalhezinho ou outro. Mas o que eu penso do jogo, eles fizeram muitíssimo bem. Eu tinha uma ideia para esse ano, que é um pouquinho diferente dos anos anteriores, e acho que isso foi se transformando. Foi muito importante a questão do Rui, que é nosso analista de desempenho. Ele é português e tem uma visão europeia. A gente está sempre trocando figurinhas, no sentido de trocar ideias, daquilo que ele tem como concebido no futebol que ele acompanha desde quando nasceu e do futebol que eu acompanho desde que nasci e me entendo por gente. Isso foi uma coisa muito bacana para o crescimento de ambos. Eu saio hoje com uma visão muito melhor daquilo que é o futebol brasileiro, da nossa realidade. Assim como eu saio também do que temos como objetivo. É muito fácil falar que o treinador brasileiro não tem qualidades, mas é muito difícil reconhecer as nossas dificuldades. Por exemplo, o América está subindo de divisão. Podemos ter 15, 20 trocas. Isso não acontece em um time europeu. Eles fazem três, quatro movimentos. São três ou quatro saídas e três ou quatro chegadas. A base da equipe vai permanecer. Eles já vão desenvolvendo uma cultura tática que vai ser empregada em ciclos de três ou quatro anos. Isso faz muita diferença em termos de organização. Nesse aspecto, achamos que temos muito a crescer e podemos desenvolver muita coisa. Por isso esses projetos maiores, de maior tempo, podem proporcionar equipes ainda mais organizadas e qualificadas.



Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Depois de superar esses desafios, sucesso na Série A.

É um grande desafio, ousar, tentar fazer na Série A o que foi feito na Série B. É uma coisa que me deixa muito motivado. Ter essa oportunidade de mostrar, claro que com uma visibilidade muito maior, contra os gigantes do futebol brasileiro, o que fizemos na Série B. Sem dúvida nenhuma, é um grande desafio. Eu que agradeço a oportunidade de falar um pouco sobre o trabalho, a comissão técnica. Quando vocês vêm o Enderson, não é só o Enderson. Tem muita gente por trás, muita gente capaz. Os preparadores físicos, outros integrantes da comissão. O Enderson representa apenas uma pessoa desse grande grupo que trabalha em prol desse futebol do América, e que é um futebol que vai deixar muita saudade em todos nós.




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